E o curioso é que os "paladinos" da moral brasileira, somente em 2 unidades fizeram licitação! Em todas as outras as compras dos equipamentos e sistemas para grampos telefônicos foram realizados com dispensa de licitação. E quem fiscaliza aquele que detém o poder-dever de fiscalizar???
MP faz grampos em mais de 16 mil telefones
Por Rodrigo Haidar
Enquanto o Supremo Tribunal Federal não define os limites do
poder de investigação do Ministério Público, a instituição vai se equipando
para conduzir inquéritos e produzir suas próprias provas para os processos penais
em que atua. É o que revela relatório apresentado nesta terça-feira (6/8) pelo
conselheiro Fabiano Silveira, do Conselho Nacional do Ministério Público.
Das 30 unidades do Ministério Público brasileiro, 21 possuem
ou têm acesso a sistemas de monitoramento de interceptações telefônicas. Das 21
unidades, 17 possuem equipamento próprio para fazer as gravações e quatro usam
equipamentos cedidos por órgãos do Poder Executivo estadual para gravar
conversas de alvos de suas investigações.
De acordo com informações do relatório, repassadas pelas
próprias unidades do MP, a instituição já investiu R$ 8,3 milhões para a
aquisição de três tipos de sistemas de grampos telefônicos, sem contar custos
de manutenção dos sistemas. Em apenas dois casos foi feita licitação para a
compra dos equipamentos: o MP de São Paulo fez pela modalidade pregão e o MP de
Mato Grosso do Sul por tomada de preços. As outras 15 unidades do Ministério
Público compraram o equipamento com dispensa ou por inexigibilidade de
licitação.
Onze unidades do MP usam o sistema Guardião — oito compraram
o sistema e três usam por cessão de secretarias de estado. Outras seis unidades
usam o Wytron e quatro, o Sombra. O relator também revela que em maio de 2013,
o MP monitorava 16.432 telefones e 292 e-mails. E 9.558 pessoas eram
investigadas.
O relatório foi apresentado no julgamento de Pedido de
Providências feito pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no
ano passado, na gestão do então presidente Ophir Cavalcante Júnior. A OAB pediu
que o CNMP fizesse inspeção e auditoria nos sistemas de escuta e monitoramento
adquiridos pelo Ministério Público.
O relator do processo, conselheiro Fabiano Silveira,
requisitou informações a todas as unidades do MP e as respostas, com suas
conclusões, estão detalhadas no relatório de 110 páginas apresentadas nesta
terça. O processo não foi definido porque o julgamento foi suspenso por pedido
de vista.
As informações descortinam o funcionamento das escutas
feitas pelo Ministério Público, com o amparo de autorização judicial. Desde os
sistemas contratados, e qual o seu preço, até se é permitido o acesso de
servidores a eles e quais os órgãos, dentro do MP, responsáveis pela supervisão
das escutas.
Na maioria dos casos, a competência da supervisão é do Grupo
de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado, o Gaeco, criado por
muitas unidades do Ministério Público. Mas, segundo o relatório, “em 8 unidades
(MP/SP, MP/AP, MP/ES, MP/AM, MP/BA, MP/PA, MP/PB e MP/RS), o acesso ao sistema
de monitoramento das interceptações telefônicas é — pelo menos em tese —
ranqueado a todos os membros do Ministério Público que necessitem executar a
medida, admitindo-se eventualmente até mesmo o acesso de servidores dos órgãos
de execução”.
São três os sistemas de monitoramento telefônicos comprados
pelo Ministério Público. O Guardião, da empresa Dígitro, o Sombra, da Federal
Tecnologia, e o Wytron, da Wytron Technology. O relator compara preços e
conclui que, com base nos valores informados, “sem entrar na complexidade e nos
recursos oferecidos por cada sistema”, a solução mais econômica para o
Ministério Público é a aquisição do sistema Wytron, seguido pelo sistema Sombra
e pelo sistema Guardião.
Fabiano Silveira aborda, em boa parte do relatório, o poder
de investigação do Ministério Público. Cita a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, que sinaliza para a permissão da investigação penal por parte
do MP e observa que “o único fundamento jurídico para a aquisição de sistemas
de monitoramento de interceptações telefônicas (a exemplo do Sistema Guardião)
por parte do Ministério Público é a sua legitimidade constitucional para
conduzir investigações por iniciativa própria, observadas as hipóteses em que
tal procedimento mostra-se justificável à luz da jurisprudência do STF, como,
por exemplo, nos casos de omissão, ineficiência ou morosidade da polícia
judiciária, bem como no exercício do controle externo da atividade policial”.
De qualquer maneira, o relator recomenda que seria
desejável, “a bem dos princípios da segurança jurídica e do devido processo
legal, que a legislação ordinária descrevesse as hipóteses que justificam a
investigação diretamente conduzida pelo Ministério Público, evitando-se, assim,
casuísmos e arguições de nulidade”. Ou seja, falta regulamentação clara no
setor.
Das 21 unidades que usam sistemas de interceptação
telefônica, 18 recorrem a policiais civis ou militares para operá-los. Para
Silveira, isso revela uma contradição. “Se a investigação levada a cabo pelo
Ministério Público é justificada por alegada deficiência dos serviços prestados
pela polícia judiciária ou até mesmo por dita fragilidade institucional por sua
exposição ao poder político, estranho admitir que o órgão ministerial recorra
justamente a quadros das polícias civil e militar para desempenhar as funções
reivindicadas pela instituição”, afirma.
Ao final, o conselheiro determina que as corregedorias de
todas as unidades do MP façam, no prazo de 90 dias, inspeções nos órgãos que
operam os sistemas de escutas e encaminhem relatórios para a Corregedoria
Nacional. E propõe uma resolução que, na prática, cria um cadastro nacional
para monitorar “a quantidade de interceptações em andamento e o número de
investigados que tiveram seus sigilos telefônico, telemático ou informático
quebrados”. Se aprovada a proposta, os dados devem ser encaminhados mensalmente
à Corregedoria Nacional pelo membro do Ministério Público responsável pela
investigação criminal ou instrução penal.
Clique aqui para ler o relatório.
Rodrigo Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em
Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 7 de agosto de 2013.