Pavilhão 1 é o mais tranquilo, diz diretor da PLB
Segundo ele, as orientações para a conduta dos presos vão prevalecer, desde que não contrariem as regras da administração. “Não vejo (a cartilha) influenciar no cumprimento das normas impostas pela casa”, justifica. O diretor da PLB defende que este tipo de “organização” facilita o diálogo entre a administração e os internos - representados sempre por uma liderança.
Para o defensor da Vara de Execuções Penais Rafson Ximenes, a adoção de normas de convivência entre os presos é inevitável no sistema carcerário Ele, no entanto, desmistifica a cartilha, tratando-a como algo apenas peculiar. “A organização dos presos é inevitável em qualquer prisão do mundo. A única diferença, nesse caso, é que eles colocaram no papel, o que é uma afronta ao Estado. É ilusão achar que o Estado vai controlar as regras de convivência dos presos na cadeia. Esse código é mais cômico e menos relevante do que se imagina”, opina.
Agentes: entre a cruz e a espada
Na linha de frente do sistema carcerário, os agentes penitenciários precisam manter a ordem estabelecida pela legislação e conviver com as normas da Ordem & Progresso. O diretor de comunicação do Sindicato dos Servidores Penitenciário do Estado da Bahia (Sinspeb), João Santana, diz que a existência de uma cartilha com regras definidas pelo crime preocupa. “O manual interfere no poder público e isso atrapalha o serviço dos agentes. Nos estabelecimentos penais, há regras de convivência. O problema é quando elas subvertem a ordem”, avalia.
Agentes ficam entre o cumprimento das leis e os presos e suas regras
Ele alega que o conflito de cumprimento das regras oficiais e do crime gera embates na cadeia. “Os presos podem não querer cumprir alguma regra e criar problema”, conclui.
Pavilhão 1 é o mais tranquilo da PLB, afirma diretor
Cada pátio tem sua identidade e realidades distintas. A principal característica do pavilhão 1, onde Raimundo Alves de Souza, Ravengar exerceria liderança, da Penitenciária Lemos Brito (PLB), é a tranquilidade. Já o pátio 2 inspira mais cuidados. As observações são do diretor da unidade, Márcio Amorim de Marcelo.
Para o diretor, os internos do pátio 1 são mais envolvidos com atividades laborais. Além disso, o pátio do módulo 1 fica próximo às oficinas. “Os presos desse módulo, em geral, possuem bom comportamento”, destaca.
No total, a penitenciária, que custodia presos condenados em regime fechado, possui quatro módulos em funcionamento. Entre os internos, segundo dados da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, há 15 homens de nacionalidade estrangeira.
268 detentos ocupam as celas do Pavilhão nº 1 da Penitenciária Lemos Brito (PLB)
1.357 é o número de internos da PLB
A capacidade é para 1.030 presos, segundo SJCDH
Quem dita as regras?
Jorge Gauthier
A descoberta da cartilha feita pela comissão Ordem & Progresso para a Penitenciária Lemos Brito (PLB) revela um sistema de normas presente em todas as unidades prisionais. Para o professor Eduardo Paes Machado, do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas da Ufba, especialista em sociologia do crime, a normatização de regras, como foi feita na cartilha de Ravengar, é resultado da ineficiência do Estado no controle dos presos. “O manual é uma forma de organização que contrapõe a organização legal. As cadeias são unidades explosivas, verdadeiros campos minados. Elas são o retrato da arquitetura prisional, marcada pela ineficiência do Estado”, destaca.
Todo agrupamento social tem regras, normas e valores. Com os presos, isso não é diferente. “O fato de ter cometido um crime não isenta as pessoas do direito de organização. Entretanto, devemos ponderar que dentro da cadeia, as leis devem ser determinadas pelo Estado e não pelos internos. O problema é que o Estado não tem sido efetivo”, analisa Paes Machado.
O coordenador do Observatório de Segurança Pública da Bahia, professor Carlos Alberto da Costa Gomes, alerta que as normas de convivência estabelecidas pelos presos são fruto da ausência de autoridade do Estado no cárcere. “Quem manda nos presídios são os presos. Não é o Estado que organiza os presos. Uma prova disso é que, quando o detento causa algum problema, ele é transferido para outra unidade da federação. Isso é controle?”, questiona.
O secretário estadual de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Nelson Pelegrino, defende que as ações do Estado são efetivas. “Sabemos que há regras de convivência na cadeia, mas elas não podem ir de encontro ao determinado pela Lei de Execuções Penais. Quem disciplina a relação dentro do cárcere é o Estado. Todos os direitos e deveres são cumpridos à luz da lei”, afirma Pelegrino.
Organização
Atribui-se o gênese da organização do crime nas cadeias brasileiras ao Comando Vermelho (CV), criado entre 1969 e 1975, em plena Ditadura Militar, no Rio de Janeiro. Fundado no Instituto Penal Cândido Mendes, conhecido como Presídio da Ilha Grande, a facção foi criada a partir do contato de detentos comuns com os presos políticos, que eram bastante organizados.
Inicialmente, o CV lutava contra as condições subumanas que os presos enfrentavam, impostas pelo sistema carcerário e pelos próprios detentos. Na década de 90, surgiu no no Centro de Reabilitação Penitenciária de Taubaté, em São Paulo, o Primeiro Comando da Capital (PCC).
O grupo, criado para defender os direitos dos presos, passou a acolher prisioneiros considerados de alta periculosidade pelas autoridades. Depois, o PCC passou a financiar ações criminosas em São Paulo e no resto do país.
Traficante lidera o pavilhão 1
Mariana Rios
Foi com fama de boa-praça e avesso a confusão que Raimundo Alves de Souza, 57, o Ravengar, se tornou em meados da década de 90 o maior traficante da Bahia. Ele levou essa característica para o pavilhão 1, onde cumpre pena, com outros 255 internos. É atribuída a ele a autoria da cartilha Ordem & progresso. “Ele é liderança, não pode criar problema. É o negociador, o intermediário entre os internos e a administração. Não é bom para ele criar problema”, diz o diretor da Penitenciária Lemos Brito, Márcio Amorim de Marcelo. Em março deste ano, Ravengar foi autuado por tráfico dentro da PLB. Em sua cela, foram encontradas 13 pedras de crack.
Ravengar no dia em que foi preso
Tratamento desigual
Semanalmente, Ravengar se encontra com Marcelo para despachar sobre questões médicas e atendimento jurídico. A juíza da Vara de Execuções Penais, Andremara Santos, critica a orientação jurídica intermediada por um interno. “Soube dessa história de monitor jurídico. Isso só serve para tornar desigual o tratamento com os presos. Aquele que intermedeia o contato com o Estado só vai proteger os que lhe são convenientes. Não se pode dar um cartaz desses às lideranças carcerárias. É por coisas desse tipo que nós estamos encontrando detentos com 17 anos de pena extrapolada”, rebateu.
O criminalista Antonio Carlos dos Santos, advogado de Ravengar, rebate. “É um trabalho de conscientização sobre a forma de reivindicar os direitos dos presos, sem tumultos, ou rebelião. Tenho conhecimento de que, após ele ter sido encaminhado para a PLB, a situação carcerária melhorou bastante”, afirmou.
Negociador
O suposto “viés humanista” de Ravengar já era exercitado no Campo do Águia, em São Gonçalo do Retiro, onde ficava sua fortaleza, invadida em 2004 pela polícia. O clima de tranquilidade ajudava Ravengar a tocar o negócio. Ele também teria construído posto de saúde, creche, reforma do posto policial e apoiado iniciativas como rádio comunitária e curso profissionalizante.
Tráfico controlado
Com a participação de policiais e até de oficial de justiça da Vara de Tóxicos, Ravengar comprava diariamente de dois a quatro quilos de cocaína. Antes de se tornar o maior traficante do estado, Ravengar foi apontador do jogo do bicho, taxista e comercializava maconha no Pelourinho, onde morava. Era acostumado também a fazer aviões de coca em seu táxi.
A era Ravengar marcou uma época em que o tráfico era centralizado, e a violência, disfarçada. A queda dele abriu espaço para que o comércio de drogas se pulverizasse.
Ravengar foi condenado sob acusação de ser o maior traficante da Bahia. A pena de 25 anos foi reduzida para 22. Como cumpriu um sexto, obteve mudança para regime semiaberto, que só não foi efetivado por falta de vaga.
Veja alguns trechos do Estatuto do crime
Obediência II
Não será permitido roubar companheiro de cela.
Pena: prestar serviços de faxineiro no pátio, orar um Pai-nosso ou pregar os joelhos no chão
Obediência IV
Constitui-se desobediência o interno que circular em dias de visita sem camisa, com short apertado e visualmente sem cuecas. O interno que desobedecer será advertido verbalmente pela comissão
Obediência V
Não poderá haver formação de grupos para subverter a ordem dos que vivem sob o domínio da paz. Desobediência leva à não permanência em nosso convívio
Obediência VI
Ficam terminantemente proibidas agressões de qualquer natureza, principalmente aquelas que possam causar lesões físicas graves. Constitui falta, sujeito também a expulsão
Obediência VIII
Não poderá ser comercializado produto de procedência incorreta, exceto aqueles fornecidos pelo titular; aquele que adquiriu o produto do roubo perderá a compra
Obediência X
Não poderá nenhum interno se envolver coma ex-companheira de outro do mesmo módulo; Se for ex-companheira e tiver filhos, fica proibido o relacionamento
(Notícia publicada na edição impressa do dia 06/10/2009 do CORREIO)