terça-feira, 26 de maio de 2009

STF - Princípio da Insignificância: absolvição é diferente de não-punibilidade, explica ministro Celso de Mello

Caros alunos,
essa é endereçada, especialmente, aos alunos de Direito Penal I. Quando estudamos os princípios penais, chamamos a atenção para o princípio da insignificância (bagatela). Posteriormente, ao analisarmos a tipicidade, constatamos que a conduta insignificante afasta a tipicidade, ou seja, não existindo crime por ser considarado fato atípico. 
Pois bem, na semana passada o Pretório Excelso, o STF, ao julgar um habeas corpus pela tentativa de furto de 5 barras de chocolate de um supermercado,  entendeu que a conduta, quando considerada não lesiva ao bem jurídico e insignificante, não apenas conduz à extinção da punibilidade, mas sim, se trata de fato atípico, afastando a tipicidade, devendo o réu ser declarado absolvido.
Abaixo, segue o voto de lavra do decano, Ministro Celso de Mello. 
A leitura vale a pena pois é rica em argumentos e ressalta diversos pontos os quais tivemos a oportunidade de trabalhar até agora em sala de aula.
Boa noite,

Prof. Matzenbacher



19/05/2009 SEGUNDA TURMA

 

HABEAS CORPUS 98.152-6 MINAS GERAIS

 

RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO

 

PACIENTE(S) : DIOGO DA SILVA

 

IMPETRANTE(S) : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

 

COATOR(A/S)(ES) : RELATOR DO RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº

23601 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

 

E M E N T A: PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL TENTATIVA DE FURTO SIMPLES (CP, ART. 155, “CAPUT”) DE CINCO BARRAS DE CHOCOLATE - “RES FURTIVANO VALOR (ÍNFIMO) DE R$ 20,00 (EQUIVALENTE A 4,3% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) – DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - “HABEAS CORPUSCONCEDIDO PARA ABSOLVER O PACIENTE. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR”.

- O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima

circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de

direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade.

- O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. - O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de HC 98.152 / MG afastar a própria tipicidade penal, examinada esta na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Precedentes.

Tal postulado que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.

O FATO INSIGNIFICANTE, PORQUE DESTITUÍDO DE TIPICIDADE PENAL, IMPORTA EM ABSOLVIÇÃO CRIMINAL DO RÉU.

- A aplicação do princípio da insignificância, por excluir a própria tipicidade material da conduta atribuída ao agente, importa, necessariamente, na absolvição penal do réu (CPP, art. 386, III), eis que o fato insignificante, por ser atípico, não se reveste de relevo jurídico-penal. Precedentes.

 

 

R E L A T Ó R I O

 

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - (Relator): A douta Procuradoria-Geral da República, em parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. WAGNER GONÇALVES, assim resumiu e apreciou a presente impetração (fls. 118/120):

‘HABEAS CORPUS’. FURTO TENTADO DE VALOR ÍNFIMO. PRINCÍPIO DA

INSIGNIFICÂNCIA. RECONHECIDA A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. CASO DE ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO DO RÉU. PRECEDENTES DO STF. PELA CONCESSÃO.

1. O reconhecimento da insignificância da conduta praticada pelo réu não conduz à extinção da punibilidade do ato, mas à atipicidade do crime e à conseqüente absolvição do acusado.

2. Pela concessão da ordem. EXCELENTÍSSIMO MINISTRO RELATOR

1. Trata-se de ‘habeas corpus’ impetrado em favor de Diogo da Silva, contra decisão monocrática proferida pelo i. Ministro Nilson Naves que, ao julgar o RHC nº 23.601/MG - STJ, concedeu a ordem ‘a fim de declarar extinta a punibilidade dos fatos’ (fl. 89).

2. Consta dos autos que o paciente foi condenado à pena de um ano e quatro meses de reclusão por ter tentado subtrair cinco barras de chocolate de um supermercado. Denegada a ordem em ‘writ’ impetrado junto ao TJMG, a defesa interpôs recurso ordinário em ‘habeas corpus’ junto ao Superior Tribunal de Justiça onde, como visto, foi reconhecida a insignificância da conduta do réu, declarando-se extinta a sua punibilidade.

3. No presente ‘HC’, a Defensoria Pública da União defende que a decisão proferida no STJ, embora tenha favorecido o réu, deveria ter reconhecido a atipicidade de sua conduta, não a extinção da punibilidade dos fatos. Sustenta que o princípio da insignificância, aplicado pela Corte Superior, deve conduzir à absolvição do acusado, em razão da ausência de crime, não à mera extinção da punibilidade dos atos praticados (que não tem o condão de excluir os efeitos processuais, como reincidência e maus antecedentes). Requer ‘seja declarada a absolvição do paciente em razão da atipicidade da conduta, determinando-se a extinção de quaisquer efeitos penais e processuais penais da condenação ilegalmente imposta nos autos da ação penal nº 024.07.770.145-6, da 3ª Vara Criminal de Belo Horizonte/MG’ (fl. 07).

4. Não houve pedido liminar.

É o breve relato.

5. Razão assiste à impetrante.

6. Como visto, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu, acertadamente, a insignificância da conduta praticada pelo paciente. Com efeito, questões como a presente devem ser afastadas da esfera repressiva do Direito Penal (Princípio da Intervenção Mínima), simplesmente porque não gozam de lesividade significativa, senão contra o próprio Poder Público, que despende valores expressivos e tempo de seus servidores e agentes políticos em repreender e punir ou mesmo absolver pessoas que praticaram condutas que não afetam substancialmente a paz social.

7. A decisão da Corte Superior, todavia, não reconheceu a atipicidade da conduta do réu, mas apenas a extinção da punibilidade do ato praticado. Tal fato, conforme defende a impetrante, não é irrelevante, visto que a mera extinção da punibilidade não isenta o paciente dos efeitos processuais decorrentes da ação penal. Dessa forma, presente o interesse de agir da impetrante, que busca o reconhecimento da atipicidade do crime e a conseqüente absolvição do paciente.

8. Sobre a matéria, já se posicionou essa Excelsa Corte:

‘EMENTA: 1. AÇÃO PENAL. Justa causa. Inexistência. Delito de furto. Subtração de garrafa de vinho estimada em vinte reais. ‘Res furtiva’ de valor insignificante. Crime de bagatela. Aplicação do princípio da insignificância. Atipicidade reconhecida. Extinção do processo. ‘HC’ concedido para esse fim. Precedentes. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, é de ser extinto o processo da ação penal, por atipicidade do comportamento e conseqüente inexistência de justa causa. (...)’ (... HC 88393/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso. Segunda Turma. DJ 08-06-2007 PP-00047).

‘1. Atipicidade da conduta realizada pelo paciente com base na teoria da insignificância, o que deverá conduzir à absolvição por falta de lesividade ou ofensividade ao bem jurídico tutelado na norma penal. 2. Princípio da insignificância está intimamente relacionado ao bem jurídico penalmente tutelado no contexto da concepção material do delito. Se não houver proporção entre o fato delituoso e a mínima lesão ao bem jurídico, a conduta deve ser considerada atípica, por se tratar de dano mínimo, pequeníssimo. (...)’ (HC 92531/RS, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 27/06/08). ‘(...) Surgindo a insignificância do ato em razão do bem protegido, impõe-se a absolvição do acusado.’ (AP 439/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 13/02/09).

9. Assim, uma vez que essa Corte Constitucional reconhece, acertadamente, a atipicidade das condutas penalmente insignificantes, impõe-se a concessão da ordem ao paciente, que deve ser absolvido.

10. Opina, portanto, a Procuradoria Geral da República, pela concessão da ordem.” (grifei)

 

É o relatório.

 

V O T O

 

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - (Relator): O princípio da insignificância – como fator de descaracterização material da própria tipicidade penal – tem sido acolhido pelo magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (HC 87.478/PA, Rel. Min. EROS GRAU – HC 88.393/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 92.463/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 94.505/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 94.772/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 95.957/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), como resulta claro de decisão que restou consubstanciada em acórdão assim ementado:

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL – CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - DELITO DE FURTO - CONDENAÇÃO IMPOSTA A JOVEM DESEMPREGADO, COM APENAS 19 ANOS DE IDADE – ‘RES FURTIVA’ NO VALOR DE R$ 25,00 (EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) – DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF - PEDIDO DEFERIDO.

- O princípio da insignificância que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina.

- Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público em matéria penal. Isso significa, pois, que o sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificarão quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade.

- O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.(RTJ 192/963-964, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

É importante assinalar, neste ponto, por oportuno, que o princípio da insignificância – que deve ser analisado e  conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material, consoante assinala expressivo magistério doutrinário expendido na análise do tema em referência (FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, “Princípios Básicos de Direito Penal”, p. 133/134, item n. 131, 5ª ed., 2002, Saraiva; CEZAR ROBERTO BITENCOURT,“Código Penal Comentado”, p. 6, item n. 9, 2002, Saraiva; DAMÁSIO E. DE JESUS, “Direito Penal – Parte Geral”, vol. 1/10, item n. 11, “h”, 26ª ed., 2003, Saraiva; MAURÍCIO ANTONIO RIBEIRO LOPES, “Princípio da Insignificância no Direito Penal”, p. 113/118, item n. 8.2, 2ª ed., 2000, RT, v.g.).

O postulado da insignificância - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público em matéria penal.

Isso significa, pois, que o sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificarão quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano - efetivo ou potencial – causado por comportamento impregnado de significativa lesividade. Revela-se expressivo, a propósito do tema, o magistério de EDILSON MOUGENOT BONFIM e de FERNANDO CAPEZ (“Direito Penal Parte Geral”, p. 121/122, item n. 2.1, 2004, Saraiva): “Na verdade, o princípio da bagatela ou da insignificância (...) não tem previsão legal no direito brasileiro (...), sendo considerado, contudo, princípio auxiliar de determinação da tipicidade, sob a ótica da objetividade jurídica. Funda-se no brocardo civil ‘minimis non curat praetor’ e na conveniência da política criminal. Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico quando a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não será possível proceder a seu enquadramento típico, por absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado. É que, no tipo, somente estão descritos os comportamentos capazes de ofender o interesse tutelado pela norma. Por essa razão, os danos de nenhuma monta devem ser considerados atípicos. A tipicidade penal está a reclamar ofensa de certa gravidade exercida sobre os bens jurídicos, pois nem sempre ofensa mínima a um bem ou interesse juridicamente protegido é capaz de se incluir no requerimento reclamado pela tipicidade penal, o qual exige ofensa de alguma magnitude a esse mesmo bem jurídico.” (grifei)

Na realidade, e considerados, de um lado, o princípio da intervenção penal mínima do Estado (que tem por destinatário o próprio legislador) e, de outro, o postulado da insignificância (que se dirige ao magistrado, enquanto aplicador da lei penal ao caso concreto), na precisa lição do eminente Professor RENÉ ARIEL DOTTI (“Curso de Direito Penal – Parte Geral”, p. 68, item n. 51, 2ª ed., 2004, Forense), cumpre reconhecer que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.

A questão pertinente à aplicabilidade do princípio da insignificância - quando se evidencia que o bem jurídico tutelado sofreu ínfima afetação” (RENÉ ARIEL DOTTI, “Curso de Direito Penal Parte Geral”, p. 68, item n. 51, 2ª ed., 2004, Forense) – assim tem sido apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, cuja jurisprudência reconhece possível, nos delitos de bagatela, a incidência do postulado em causa (RTJ 192/963-964, Rel. Min. CELSO DE MELLO - (HC 84.687/MS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.): “ACIDENTE DE TRÂNSITO. LESÃO CORPORAL. INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME NÃO CONFIGURADO. Se a lesão corporal (pequena equimose) decorrente de acidente de trânsito é de absoluta insignificância, como resulta dos elementos dos autos - e outra prova não seria possível fazer-se tempos depois -, há de impedir-se que se instaure ação penal (...).

(RTJ 129/187, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO - grifei)

Uma vez verificada a insignificância jurídica do ato apontado como delituoso, impõe-se o trancamento da ação penal, por falta de justa causa.” (RTJ 178/310, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – grifei)

HABEAS CORPUS’. PENAL. MOEDA FALSA. FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CONDUTA ATÍPICA. ORDEM CONCEDIDA. ...................................................

3. A apreensão de nota falsa com valor de cinco reais, em meio a outras notas verdadeiras, nas circunstâncias fáticas da presente impetração, não cria lesão considerável ao bem jurídico tutelado, de maneira que a conduta do paciente é atípica.

4. ‘Habeas corpus’ deferido, para trancar a ação penal em que o paciente figura como réu.” (HC 83.526/CE, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - grifei)

Impende ressaltar, ainda, por oportuno, que esta Suprema Corte, em recentes julgamentos, reafirmou essa orientação: “HABEAS CORPUS’. PECULATO PRATICADO POR MILITAR. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. CONSEQÜÊNCIAS DA AÇÃO PENAL. DESPROPORCIONALIDADE. 1. A circunstância de tratar-se de lesão patrimonial de pequena monta, que se convencionou chamar crime de bagatela, autoriza a aplicação do princípio da insignificância, ainda que se trate de crime militar. ................................................... Ordem concedida.” (HC 87.478/PA, Rel. Min. EROS GRAU – grifei)

1. AÇÃO PENAL. Justa causa. Inexistência. Delito de furto. Subtração de garrafa de vinho estimada em  vinte reais. ‘Res furtivade valor insignificante. Crime de bagatela. Aplicação do princípio da insignificância. Atipicidade reconhecida. Extinção do processo. HC concedido para esse fim. Precedentes. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, é de ser extinto o processo da ação penal, por atipicidade do comportamento e conseqüente inexistência de justa causa.

2. AÇÃO PENAL. Suspensão condicional do processo. Inadmissibilidade. Ação penal destituída de justa causa. Conduta atípica. Aplicação do princípio da insignificância. Trancamento da ação em ‘habeas corpus’. Não se cogita de suspensão condicional do processo, quando, à vista da atipicidade da conduta, a denúncia já devia ter sido rejeitada.” (HC 88.393/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO – grifei)

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS’. PENAL MILITAR. PROCESSUAL PENAL MILITAR. FURTO. INEXISTÊNCIA DE LESÃO A BEM JURIDICAMENTE PROTEGIDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO PENAL MILITAR.

1. Os bens subtraídos pelo Paciente não resultaram em dano ou perigo concreto relevante, de modo a lesionar ou colocar em perigo o bem jurídico reclamado pelo princípio da ofensividade. Tal fato não tem importância relevante na seara penal, pois, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal, incide, na espécie, o princípio da

insignificância, que reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por conseqüência, torna atípico o fato denunciado. É manifesta a ausência de justa causa para a propositura da ação penal contra o ora Recorrente. Não há se subestimar a natureza subsidiária, fragmentária do Direito Penal, que só deve ser acionado quando os outros ramos do direito não sejam suficientes para a proteção dos bens jurídicos envolvidos.

2. Recurso provido.” (RHC 89.624/RS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – grifei)

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL – CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - DELITO DE FURTO SIMPLES, EM SUA MODALIDADE TENTADA – ‘RES FURTIVA’ NO VALOR (ÍNFIMO) DE R$ 20,00 (EQUIVALENTE A 5,26% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) - DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF - PEDIDO DEFERIDO.

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL.

- O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina.

Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.

O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR’.

- O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade.

O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.” (HC 92.463/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

O exame da presente impetração justifica a aplicabilidade, ao caso, do princípio da insignificância, pois os autos revelam que se trata de persecução penal instaurada pela tentativa de prática do delito de furto simples de cinco barras de chocolate de um supermercado!!! (fls. 05).

Vale registrar, Senhores Ministros, em função da própria ratiosubjacente ao princípio da insignificância, que a tentativa de subtração patrimonial foi praticada, no caso, sem violência física ou moral à vítima e que as “res furtivae”, no valor de R$ 20,00 (!!!), equivaliam, à época do delito (outubro/2007), a 5,2% do valor do salário mínimo então vigente (R$ 380,00), correspondendo, atualmente, a 4,3% do salário mínimo em vigor em nosso País.

As considerações ora expostas levam-me a reconhecer, por isso mesmo, que os fundamentos em que se apóia a presente impetração revelam-se plenamente acolhíveis, em razão do desacerto da decisão emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, que, embora tenha concedido a ordem de “habeas corpus”, limitou-se a extinguir a punibilidade do ora paciente, sem, no entanto, declarar a própria atipicidade material da conduta imputada a esse mesmo paciente, com a consequente prolação, em favor do réu, de sentença penal absolutória (CPP, art. 386, III).

Como anteriormente referido, o princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada esta na perspectiva de seu caráter material, razão pela qual, como bem sustentou a Defensoria Pública da União, a concessão da ordem de “habeas corpus”, pelo E. Superior Tribunal de Justiça, deveria ter conduzido, necessariamente, “(...) à absolvição do acusado em razão da ausência de crime e não à mera extinção da punibilidade dos fatos praticados” (fls. 03 - grifei).

Sendo assim, considerando as razões expostas, e com apoio no postulado da insignificância, defiro o pedido de “habeas corpus”, para absolver o ora paciente, em face da evidente atipicidade penal da conduta que lhe foi atribuída, ordenando, em conseqüência, a extinção definitiva do procedimento penal instaurado contra Diogo da Silva (Processo-crime nº 0024.07.785.032-9 – 3ª Vara Criminal da comarca de Belo Horizonte/MG).

 

É o meu voto.

 

 

A C Ó R D Ã O

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello (RISTF, art. 37, II), na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em deferir o pedido de “habeas corpus”, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, a Senhora Ministra Ellen Gracie e o Senhor Ministro Eros Grau.

 

Brasília, 19 de maio de 2009.

 

CELSO DE MELLO – RELATOR

 

 

 

 

 

 

 

STF - 1ª Turma não aplica princípio da insignificância em crime de moeda falsa

Caros alunos,
essa é endereçada aos alunos de Direito Penal IV. Trata-se de decisão do Pretório Excelso sobre o crime de moeda falsa (art. 289/CP). O STF, in casu, não reconheceu o princípio da insignificância no caso concreto, negando ordem de habeas corpus impetrado em favor do réu, por entender que o bem jurídico tutelado é "intangível, que corresponde, exatamente, à confiança que a população deposita na moeda".
Ao final, segue o número do HC para consultar na íntegra a decisão. 
Vale a pena a leitura!

Prof. Matzenbacher


1ª Turma não aplica princípio da insignificância em crime de moeda falsa

Quando o crime de porte de moeda falsa pode induzir a engano e configurar lesão jurídica à fé pública, não é possível aplicar o princípio da insignificância. Com esse entendimento, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou Habeas Corpus (HC 96153) para o comerciante J.B.C, condenado em Minas Gerais depois de ser encontrado com duas notas falsas de R$ 50,00 em sua residência.

A Defensoria Pública da União sustentou que haveria decisão da Segunda Turma do STF aplicando o princípio da insignificância ao crime de porte de moeda falsa, previsto no artigo 289, parágrafo 1º do Código Penal. Mas a relatora do processo, ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, explicou que, no caso julgado pela Segunda Turma, o relator daquele processo, ministro Joaquim Barbosa, esclareceu que se tratava de falsificação grosseira de uma nota de R$ 5, não expressando lesão jurídica. Diferente do caso em julgamento, salientou a ministra, cuja falsificação não era grosseira, e poderia “induzir a engano, o que configuraria, minimamente, a expressividade da lesão jurídica da ação do paciente [condenado]”.

A ministra citou precedente do colega de Turma, ministro Ricardo Lewandowski, que na análise do HC 93251, firmou entendimento de que o bem violentado neste tipo de crime é a fé pública, “bem intangível, que corresponde, exatamente, à confiança que a população deposita em sua moeda”.

Os ministros concordaram que – apesar de no caso em julgamento o valor ser 20 vezes superior ao do habeas analisado pela Segunda Turma –, não se trata apenas do valor de face da nota falsificada. “Em relação à credibilidade da moeda e do sistema financeiro, o tipo exige apenas que estes bens sejam colocados em risco, para a imposição da reprimenda”, decidiram os ministros da Primeira Turma ao indeferir o HC 96153, julgado na tarde desta terça-feira (25).


Processos relacionados
HC 96153

Fonte: STF

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Presídios lotados levam juiz a negar prisão de 15 suspeitos de furto de caminhões no RS


Caros alunos,
essa é endereçada especialmente aos alunos de Direito Processual Penal II. Notem a fundamentação, corretíssima, do magistrado e amigo Paulo Irion, ao afirmar que se tratam de crimes de furto, cometidos sem violência ou grave ameaça a pessoa, logo, fazendo um juízo de proporcionalidade, sopesando os bens jurídicos em jogo e também as condições dos presídios brasileiros, negou o pedido de prisão requerido pela autoridade policial.
É somente com decisões desse "estilo" que podemos, realmente, acreditar e ter esperanças num processo penal mais humano e mais democrático.
Boa leitura,

Prof. Matzenbacher


Presídios lotados levam juiz a negar prisão de 15 suspeitos de furto de caminhões no RS

Delegado Heliomar Franco disse estar "inconformado" com a decisão



A Justiça de Canoas indeferiu pedido de prisão preventiva contra 15 suspeitos de envolvimento em suposta quadrilha de furto de caminhões, alvo da Operação Tentação, deflagrada pela Polícia Civil na manhã desta segunda-feira, porque os presídios gaúchos estão lotados. Por isso, foram cumpridos somente mandados de busca e apreensão. A decisão deixou frustrado o delegado Heliomar Franco, da Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos. 

— Nos sentimos inconformados com a decisão, mas temos que cumpri-la. Os indivíduos continuarão em liberdade — declarou. 

O delegado citou o "escárnio" da suposta quadrilha, ao furtar os veículos e depois ligar para os proprietários e pedir o pagamento de resgate. A explicação do juiz da 4ª Vara Criminal de Canoas, Paulo Augusto Oliveira Irion, para não conceder os mandados de prisão é de que o crime foi cometido "sem violência ou grave ameaça". 

Em um trecho onde a quadrilha atuaria foram verificados 98 furtos de caminhões. A Polícia Civil recuperou 12 veículos. Entre os pedidos de prisão estavam os de duas pessoas que já cumprem pena no regime semiaberto. Nem esses foram aceitos pelo juiz. 

Confira o texto com a decisão do juiz:

"Diante das circunstâncias de os crimes narrados no expediente serem praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa, somados ao fato da notória e presente situação calamitosa das casas prisionais do nosso Estado, inclusive com decisões de grau superior no sentido de não enviar novos presos, a não ser em caráter excepcionalíssimo, face às precaríssimas condições dos presídios, indefiro o pedido de segregação cautelar dos indiciados postulado pela autoridade policial."

RÁDIO GAÚCHA E ZERO HORA


domingo, 24 de maio de 2009

STF concede 35% dos habeas corpus analisados. Quase 30% em favor de pessoas de baixa renda

Caros,
vejam levantamento estatístico realizado pelo STF e publicado no último dia 22/05. Notem como a nossa Corte Constitucional está atenta aos casos concretos e busca, cada vez mais, a efetividade das garantias fundamentais dos réus no processo penal.
Boa leitura,

Prof. Matzenbacher



STF concede 35% dos habeas corpus analisados. Quase 30% em favor de pessoas de baixa renda

Da totalidade de habeas corpus que puderam ser conhecidos (quando o mérito do pedido é analisado) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2008, 34,7% tiveram o pedido concedido. Ao todo, no ano passado, foi analisado o mérito de 1.024 habeas corpus. Desses, 355 foram deferidos. Outros 669 foram indeferidos.

No universo desses habeas corpus concedidos (estatísticas), um dado chama atenção: a quantidade impetrada pela Defensoria Pública e pela própria pessoa que se diz vítima de um constrangimento ilegal, isto é, alguém sem defensor legal constituído. Encaixam-se nessas categorias 27,4% do total de pedidos concedidos, fato que comprova a tese de que o acesso à Justiça para os cidadãos de baixo poder aquisitivo está sendo ampliado.

Fundamento para concessão

A principal causa de concessão dos habeas corpus em 2008 foi a deficiência de fundamentação na decretação da prisão cautelar de alguém que responde a crime perante a Justiça (20,6%), seguida do chamado “cerceamento de defesa”, que ocorre quando algum direito processual do acusado é suprimido (9,6%).

Em terceiro lugar, está a aplicação do princípio da insignificância, quando o potencial ofensivo do ato é levado em conta para descaracterizar o crime (8,8%). O “princípio da insignificância” é um preceito que reúne quatro condições essenciais para ser aplicado: a mínima ofensividade da conduta, a inexistência de periculosidade social do ato, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão provocada.

Depois desses três motivos, outros que mais resultaram em deferimento de habeas corpus no ano passado foram os seguintes: excesso de prazo da prisão (30), impossibilidade da prisão civil do depositário infiel (27), violação ao princípio constitucional da presunção de inocência (24), a não concessão do direito de progressão de regime para condenações por crimes hediondos (17) e a extinção da punibilidade, quando desaparece o poder do Estado de punir uma pessoa por determinado crime (13). Um exemplo de extinção da punibilidade é a prescrição do crime.


Fonte: STF

terça-feira, 19 de maio de 2009

TJ/RS - Acórdão crítico sobre a prisão preventiva para garantia da ordem pública

Caros alunos,
essa decisão é para complementar a aula sobre "prisão preventiva", de Direito Processual Penal II, a fim de que vocês possam verificar as discussões sobre a (in)constitucionalidade da decretação de tal medida cautelar para "garantia da ordem pública". 
A decisão foi tomada pela 5a. Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, e teve como Relator, o Desembargador Amilton Bueno de Carvalho.
Boa leitura,

Prof. Matzenbacher



HABEAS CORPUS. Prisão preventiva. requisitos legais. presunção de periculosidade pela probabilidade de reincidência. inadmissibilidade.

- A futurologia perigosista, reflexo da absorção do aparato teórico da Escola Positiva – que, desde muito, têm demonstrado seus efeitos nefastos: excessos punitivos de regimes políticos totalitários, estigmatização e marginalização de determinadas classes sociais (alvo do controle punitivo) – tem acarretado a proliferação de regras e técnicas vagas e ilegítimas de controle social no sistema punitivo, onde o sujeito – considerado como portador de uma perigosidade social da qual não pode subtrair-se – torna-se presa fácil ao aniquilante sistema de exclusão social.

- A ordem pública, requisito legal amplo, aberto e carente de sólidos critérios de constatação (fruto desta ideologia perigosista) – portanto antidemocrático –, facilmente enquadrável a qualquer situação, é aqui genérica e abstratamente invocada – mera repetição da lei –, já que nenhum dado fático, objetivo e concreto, há a sustentá-la. Fundamento prisional genérico, anti-garantista, insuficiente, portanto!

- A gravidade do delito, por si-só, também não sustenta o cárcere extemporâneo: ausente previsão constitucional e legal de prisão automática por qualquer espécie delitiva. Necessária, e sempre, a presença dos requisitos legais (apelação-crime 70006140693, j. em 12/03/2003).

 - À unanimidade, concederam a ordem.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      

Habeas Corpus

 

Quinta Câmara Criminal

Nº 70006140693

 

Porto Alegre

 

Cristian Wasem Rosa

impetrante;

Felipe Espindola da Silva

paciente E

Juiza de Direito da 1ª VARA CrimINAL DO FORO regIONAL PetrÓpolis da ComARCA DE PoRTO ALEGRE

 

 

coatora.

 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em conceder a ordem, determinando-se a expedição de alvará de soltura se por outro motivo não estiver o réu preso.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os Desembargadores Aramis Nassif e Luís Gonzaga da Silva Moura.

Porto Alegre, 23 de abril de 2003.

 

Amilton Bueno de Carvalho,

Relator.

 

 

RELATÓRIO

Amilton Bueno de Carvalho (Relator) – Trata-se de ordem de habeas corpus, com pedido liminar, impetrada pelo advogado Cristian Wasem Rosa, em favor de Felipe Espíndola da Silva, apontando como autoridade coatora a MMª. Juíza de Direito da 1ª Vara Criminal do Foro Regional Petrópolis da Comarca de Porto Alegre.

Conforme a inicial, o paciente encontra-se preso desde 17/02/2003, em virtude de decretação da prisão preventiva. Alega, invocando os princípios constitucionais da igualdade, da presunção de inocência e do devido processo legal que a prisão preventiva é medida de extrema excepcionalidade; acrescenta ainda que o paciente possui residência fixa e é primário. Salienta, outrossim, a nulidade do auto de prisão em flagrante (ausência de defensor no ato). Assim, entendendo estarem ausentes os pressupostos autorizadores da medida odiosa – deficiente, portanto, a caracterização do fumus boni iuris – requer a concessão da ordem, com a expedição liminar de alvará de soltura em favor do paciente.

O pedido liminar foi indeferido, com solicitação informações (fl. 22).

Vieram estas (fls. 24/41).

Nesta instância, em parecer oral, a Procuradoria de Justiça, pelo Dr. Edgar Luiz de Magalhães Tweedie, opina pela denegação da ordem.  

É o relatório.

 

VOTO

Amilton Bueno de Carvalho (Relator)Vinga a ordem. A prisão preventiva – extemporânea e temerária – só é admissível nos casos extremos: preponderância do princípio da presunção de inocência. E neles, os casos limítrofes, a decisão segregativa exige esteio em sérios, claros e fortes fundamentos – tal exigência nada mais é do que a aplicação da regra do art. 93, IX da CF/88: necessidade de motivação das decisões judiciais – garantia constitucional inabalável.

Na espécie traz-se à berlinda duas decisões judiciais:

Na primeira, tem-se como fundamento do decreto prisional a necessidade de garantia da ordem pública ancorada, exclusivamente, na futura probabilidade de cometimento de novos delitos. Ora, a futurologia perigosista é prática oriunda de ideologias intolerantes que, desde muito, têm demonstrado seus efeitos nefastos: excessos punitivos de regimes políticos totalitários, estigmatização e marginalização de determinadas classes sociais (alvo do controle punitivo)... .

O instituto da periculosidade, reflexo da absorção do aparato teórico da Escola Positiva, fundado em bases ocultas de manutenção de determinadas estruturas de poder, tem acarretado a proliferação de regras e técnicas vagas e ilegítimas de controle social no sistema punitivo, onde o sujeito – considerado como portador de uma perigosidade social da qual não pode subtrair-se – torna-se presa fácil ao aniquilante sistema de exclusão social.

Zaffaroni, ao censurar o prognóstico de perigosidade nominando-o de ”perigosómetro” considera que “una de las pretensiones más ambiciosas de esta criminologia etiológica individual equívoca fue la de hacer realidad el viejo sueño positivista: medir la peligrosidad”. Segundo o autor a medição se dá partir da análise da reincidência, quando se “construye uma tabla, se suman las causas presentes y ausentes en cada caso futuro y se obtiene el porcentaje, o bien se asigna un número de puntos a cada ‘causa’ y se suman los puntos aunque hubo algunos más complicados” (Zaffaroni, Eugenio Raul. “Criminología: Aproximación desde un margen”, p. 244).

Vê-se que desde a definição de temibilitá, delineada por Garofalo, não houve avanços significativos no sentido de fixar um conceito ao instituto podendo – sinteticamente, a partir das definições já lhe conferidas por diversos autores – ser resumido nos seguintes termos: tendência ou “probabilidade” de que um indivíduo cometa ou torne a cometer um crime.

A recepção deste pressuposto nos sistemas punitivos latino-americanos levou pobres, reincidentes, alcoólatras, mendigos, vagabundos e deficientes mentais a serem o alvo histórico das medidas preventivas de controle social. Tosca Hernandes A. em análise crítica, desvelando o a ideologia sustentadora do conceito de perigosidade social, na Venezuela das décadas de 30 a 70, salienta que

la función ideológica de la noción peligrosidad social es la de justificar los nuevos mecanismos de control social, ocultando lo represivo en ellos, para así extenderlos a conductas consideradas como “no delictivas” y a sujetos sentenciados por delitos. Tipo y número de conductas (o estados orgánicos) abiertas a lo necesario ideológicamente de considerar como ‘anormalidad individual’, para la justificación y preservación de un sistema social histórico determinado. (A Tosca Hernandez. “La Ideologización del Delito y de la Pena”. Caracas: Imprensa Universitária, 1997, p. 32)”  

No caso em tela, observa-se a sobrevivência desta velha e malfadada periculosidade social que – inobstante o decorrer dos tempos e a evolução do Direito – ainda se presta, a justificar sistemas e práticas punitivas severas e anti-seculares de neutralização de toda a ordem de insatisfeitos e inadequados aos padrões sociais do poder dominante.

A ordem pública, requisito legal amplo, aberto e carente de sólidos critérios de constatação (fruto desta ideologia perigosista) – portanto antidemocrático –, facilmente enquadrável a qualquer situação, é aqui genérica e abstratamente invocada – mera repetição da lei –, já que nenhum dado fático, objetivo e concreto, há a sustentá-la. No caso, nada indica que o crime tenha abalado a sociedade de Porto Alegre.

Assim, o delito de roubo – crime como tantos outros previstos no Código Penal – por si só, não alcança abalo à ordem. Aliás, a indagação lateja: o que é abalar à ordem pública?

Decreto mal fundamentado, genérico, insuficiente, anti-garantista, pois!

E diante de situações como esta já me posicionei em outros julgados. É o que se vê do texto da seguinte ementa:

- habeas corpus. prisão preventiva. Requisitos do art. 312, do CPP. fumus boni iuris e periculum in mora. clamor público. inadmissibilidade à prisão.

- Toda espécie de prisão provisória, enquanto espetacular exceção ao princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5°, LVII, da CF), exige a satisfação dos requisitos gerais em matéria cautelar, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora. O primeiro encontra-se consubstanciado nos indícios de autoria e prova da materialidade (concomitantemente), ao passo que o segundo pode se manifestar na necessidade de garantir a ordem pública (ou econômica), assegurar a aplicação da lei penal ou, ainda, por conveniência da instrução criminal (ao menos uma destas hipóteses deve estar presente).

- O “clamor público”, a “intranqüilidade social” e o “aumento da criminalidade” não são suficientes à configuração do periculum in mora: são dados genéricos, sem qualquer conexão com o fato delituoso praticado pelo réu, logo não podem atingir as garantias processuais deste. Outrossim, o aumento da criminalidade e o clamor público são frutos da estrutura social vigente, que se encarrega de os multiplicar nas suas próprias excrescências. Assim, não é razoável que tais elementos – genéricos o suficiente para levar qualquer cidadão à cadeia – sejam valorados para determinar o encarceramento prematuro.

- A gravidade do delito, por si-só, também não justifica a imposição da segregação cautelar, seja porque a lei penal não prevê prisão provisória automática para nenhuma espécie delitiva (e nem o poderia porque a Constituição não permite), seja porque não desobriga o atendimento dos requisitos legais em caso algum. (apelação-crime 70006140693, j. em 12/03/2003).

 

Mais. A gravidade do delito – fundamento da segunda decisão (fl. 41) –, por si-só, não autoriza a medida odiosa. Eis a jurisprudência:

“...III – Prisão preventiva: à falta da demonstração em concreto do periculum libertatis do acusado, nem a gravidade abstrata do crime imputado, ainda que qualificado de hediondo, nem a reprovabilidade do fato, nem o conseqüente clamor público constituem motivos idôneos à prisão preventiva: traduzem sim mal disfarçada nostalgia da extinta prisão preventiva obrigatória.” (Habeas corpus n.º 79.200 – BA -, Primeira Turma, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, in Revista Trimestral de Jurisprudência, S.T.F., vol. 172, pág. 184, abril de 2000) – Grifei.

Para além das questões acima expostas, é forte a possibilidade de a condenação alcançar tentativa, com a não-prisão do agente. Mais, o acusado sequer antecedentes possui.

Em suma: fundamentação deficiente e réu primário com direito, portanto, a responder processo em liberdade.

Diante do exposto, concede-se a ordem. Expeça-se alvará de soltura se por outro motivo não estiver preso.


Des. Aramis Nassif – De acordo.

Des. Luís Gonzaga da Silva Moura – De acordo.


STF - Negada liberdade a acusado de ter quatro carteiras de identidade e 12 CPFs

Caros alunos,
essa reportagem é endereçada especialmente aos alunos de Direito Processual Penal II e Direito Penal IV. Vejam a reiterada prática delitiva e as condições objetivas, as quais legitimaram, s.m.j., a manutenção da prisão preventiva.
Boa leitura,

Prof. Matzenbacher



Negada liberdade a acusado de ter quatro carteiras de identidade e 12 CPFs

Denunciado por supostamente ter praticado os crimes de estelionato (7 vezes), falsidade ideológica (34 vezes) e quadrilha ou bando, W.M.R. teve liberdade negada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal  (STF). Em 12 de abril de 2007, denúncia contra ele foi recebida, tendo sido decretada prisão preventiva. A defesa contestava ato do Superior Tribunal de Justiça que manteve o decreto prisional.

W.M.R. seria o líder da quadrilha, possuindo quatro carteiras de identidade e 12 Cadastros de Pessoa Física (CPF), obtendo esses documentos a partir de modificações do seu nome. Ele também teria criado diversas empresas em quatro estados brasileiros, uma delas estaria envolvida em grandes fraudes contra a Receita Federal.

De acordo com a denúncia, “com a colaboração e ciência de todos os demais acusados e outros indivíduos não identificados até o presente momento, obteve vantagem ilícita de diversas pessoas naturais e jurídicas”. Além disso, “para a melhor articulação da bem estruturada organização criminosa, foram criadas diversas empresas mediante inúmeras alterações contratuais com dados falsos e utilização de várias identidades e CPFs de pessoas diferentes e inexistentes”.

Os advogados alegavam que o tribunal de origem, ao analisar a idoneidade do decreto de prisão, adicionou fundamentação diversa contra o acusado, ressaltando que a periculosidade subsistiria não somente em razão da gravidade do crime, mas também em virtude do modo de agir, matéria que não teria sido abordada pelo decreto de prisão preventiva. Assim, sustentava que não haveria elementos concretos para a decretação da prisão.

“Eu estou entendendo que a decretação prisional está hígida e denego a ordem”, afirmou o relator, ministro Ricardo Lewandowski, ao analisar o Habeas Corpus (HC) 95675. Ele ressaltou alguns trechos da decisão da primeira instância que recebeu a denúncia.

Conforme o magistrado de primeiro grau, estão presentes os requisitos para a decretação da medida, como garantia da ordem pública e da instrução criminal, bem como “a aplicação de futura e eventual sanção penal, levando-se em conta que alguns dos acusados são tidos como em lugar ignorado, possivelmente já em situação de fuga”.

Para o ministro Ricardo Lewandowski, “pode-se imaginar que só por uma pessoa ter tantos CPFs e carteiras de identidade, vá se furtar à ação penal”. Ele entendeu que a decisão se baseia em elementos concretos, portanto, está fundamentada. “O magistrado que está diante dos fatos tem uma sensibilidade, penso eu, um pouco mais acurada e maior do que a nossa, que só nos debruçamos sobre a questão apenas em tese”, disse.

A Turma, por maioria dos votos, negou a ordem, vencido o ministro Marco Aurélio.

EC/LF

Processos relacionados
HC 95675