terça-feira, 26 de maio de 2009

STF - Princípio da Insignificância: absolvição é diferente de não-punibilidade, explica ministro Celso de Mello

Caros alunos,
essa é endereçada, especialmente, aos alunos de Direito Penal I. Quando estudamos os princípios penais, chamamos a atenção para o princípio da insignificância (bagatela). Posteriormente, ao analisarmos a tipicidade, constatamos que a conduta insignificante afasta a tipicidade, ou seja, não existindo crime por ser considarado fato atípico. 
Pois bem, na semana passada o Pretório Excelso, o STF, ao julgar um habeas corpus pela tentativa de furto de 5 barras de chocolate de um supermercado,  entendeu que a conduta, quando considerada não lesiva ao bem jurídico e insignificante, não apenas conduz à extinção da punibilidade, mas sim, se trata de fato atípico, afastando a tipicidade, devendo o réu ser declarado absolvido.
Abaixo, segue o voto de lavra do decano, Ministro Celso de Mello. 
A leitura vale a pena pois é rica em argumentos e ressalta diversos pontos os quais tivemos a oportunidade de trabalhar até agora em sala de aula.
Boa noite,

Prof. Matzenbacher



19/05/2009 SEGUNDA TURMA

 

HABEAS CORPUS 98.152-6 MINAS GERAIS

 

RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO

 

PACIENTE(S) : DIOGO DA SILVA

 

IMPETRANTE(S) : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

 

COATOR(A/S)(ES) : RELATOR DO RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº

23601 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

 

E M E N T A: PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL TENTATIVA DE FURTO SIMPLES (CP, ART. 155, “CAPUT”) DE CINCO BARRAS DE CHOCOLATE - “RES FURTIVANO VALOR (ÍNFIMO) DE R$ 20,00 (EQUIVALENTE A 4,3% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) – DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - “HABEAS CORPUSCONCEDIDO PARA ABSOLVER O PACIENTE. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR”.

- O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima

circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de

direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade.

- O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. - O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de HC 98.152 / MG afastar a própria tipicidade penal, examinada esta na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Precedentes.

Tal postulado que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.

O FATO INSIGNIFICANTE, PORQUE DESTITUÍDO DE TIPICIDADE PENAL, IMPORTA EM ABSOLVIÇÃO CRIMINAL DO RÉU.

- A aplicação do princípio da insignificância, por excluir a própria tipicidade material da conduta atribuída ao agente, importa, necessariamente, na absolvição penal do réu (CPP, art. 386, III), eis que o fato insignificante, por ser atípico, não se reveste de relevo jurídico-penal. Precedentes.

 

 

R E L A T Ó R I O

 

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - (Relator): A douta Procuradoria-Geral da República, em parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. WAGNER GONÇALVES, assim resumiu e apreciou a presente impetração (fls. 118/120):

‘HABEAS CORPUS’. FURTO TENTADO DE VALOR ÍNFIMO. PRINCÍPIO DA

INSIGNIFICÂNCIA. RECONHECIDA A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. CASO DE ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO DO RÉU. PRECEDENTES DO STF. PELA CONCESSÃO.

1. O reconhecimento da insignificância da conduta praticada pelo réu não conduz à extinção da punibilidade do ato, mas à atipicidade do crime e à conseqüente absolvição do acusado.

2. Pela concessão da ordem. EXCELENTÍSSIMO MINISTRO RELATOR

1. Trata-se de ‘habeas corpus’ impetrado em favor de Diogo da Silva, contra decisão monocrática proferida pelo i. Ministro Nilson Naves que, ao julgar o RHC nº 23.601/MG - STJ, concedeu a ordem ‘a fim de declarar extinta a punibilidade dos fatos’ (fl. 89).

2. Consta dos autos que o paciente foi condenado à pena de um ano e quatro meses de reclusão por ter tentado subtrair cinco barras de chocolate de um supermercado. Denegada a ordem em ‘writ’ impetrado junto ao TJMG, a defesa interpôs recurso ordinário em ‘habeas corpus’ junto ao Superior Tribunal de Justiça onde, como visto, foi reconhecida a insignificância da conduta do réu, declarando-se extinta a sua punibilidade.

3. No presente ‘HC’, a Defensoria Pública da União defende que a decisão proferida no STJ, embora tenha favorecido o réu, deveria ter reconhecido a atipicidade de sua conduta, não a extinção da punibilidade dos fatos. Sustenta que o princípio da insignificância, aplicado pela Corte Superior, deve conduzir à absolvição do acusado, em razão da ausência de crime, não à mera extinção da punibilidade dos atos praticados (que não tem o condão de excluir os efeitos processuais, como reincidência e maus antecedentes). Requer ‘seja declarada a absolvição do paciente em razão da atipicidade da conduta, determinando-se a extinção de quaisquer efeitos penais e processuais penais da condenação ilegalmente imposta nos autos da ação penal nº 024.07.770.145-6, da 3ª Vara Criminal de Belo Horizonte/MG’ (fl. 07).

4. Não houve pedido liminar.

É o breve relato.

5. Razão assiste à impetrante.

6. Como visto, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu, acertadamente, a insignificância da conduta praticada pelo paciente. Com efeito, questões como a presente devem ser afastadas da esfera repressiva do Direito Penal (Princípio da Intervenção Mínima), simplesmente porque não gozam de lesividade significativa, senão contra o próprio Poder Público, que despende valores expressivos e tempo de seus servidores e agentes políticos em repreender e punir ou mesmo absolver pessoas que praticaram condutas que não afetam substancialmente a paz social.

7. A decisão da Corte Superior, todavia, não reconheceu a atipicidade da conduta do réu, mas apenas a extinção da punibilidade do ato praticado. Tal fato, conforme defende a impetrante, não é irrelevante, visto que a mera extinção da punibilidade não isenta o paciente dos efeitos processuais decorrentes da ação penal. Dessa forma, presente o interesse de agir da impetrante, que busca o reconhecimento da atipicidade do crime e a conseqüente absolvição do paciente.

8. Sobre a matéria, já se posicionou essa Excelsa Corte:

‘EMENTA: 1. AÇÃO PENAL. Justa causa. Inexistência. Delito de furto. Subtração de garrafa de vinho estimada em vinte reais. ‘Res furtiva’ de valor insignificante. Crime de bagatela. Aplicação do princípio da insignificância. Atipicidade reconhecida. Extinção do processo. ‘HC’ concedido para esse fim. Precedentes. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, é de ser extinto o processo da ação penal, por atipicidade do comportamento e conseqüente inexistência de justa causa. (...)’ (... HC 88393/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso. Segunda Turma. DJ 08-06-2007 PP-00047).

‘1. Atipicidade da conduta realizada pelo paciente com base na teoria da insignificância, o que deverá conduzir à absolvição por falta de lesividade ou ofensividade ao bem jurídico tutelado na norma penal. 2. Princípio da insignificância está intimamente relacionado ao bem jurídico penalmente tutelado no contexto da concepção material do delito. Se não houver proporção entre o fato delituoso e a mínima lesão ao bem jurídico, a conduta deve ser considerada atípica, por se tratar de dano mínimo, pequeníssimo. (...)’ (HC 92531/RS, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 27/06/08). ‘(...) Surgindo a insignificância do ato em razão do bem protegido, impõe-se a absolvição do acusado.’ (AP 439/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 13/02/09).

9. Assim, uma vez que essa Corte Constitucional reconhece, acertadamente, a atipicidade das condutas penalmente insignificantes, impõe-se a concessão da ordem ao paciente, que deve ser absolvido.

10. Opina, portanto, a Procuradoria Geral da República, pela concessão da ordem.” (grifei)

 

É o relatório.

 

V O T O

 

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - (Relator): O princípio da insignificância – como fator de descaracterização material da própria tipicidade penal – tem sido acolhido pelo magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (HC 87.478/PA, Rel. Min. EROS GRAU – HC 88.393/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 92.463/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 94.505/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 94.772/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 95.957/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), como resulta claro de decisão que restou consubstanciada em acórdão assim ementado:

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL – CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - DELITO DE FURTO - CONDENAÇÃO IMPOSTA A JOVEM DESEMPREGADO, COM APENAS 19 ANOS DE IDADE – ‘RES FURTIVA’ NO VALOR DE R$ 25,00 (EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) – DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF - PEDIDO DEFERIDO.

- O princípio da insignificância que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina.

- Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público em matéria penal. Isso significa, pois, que o sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificarão quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade.

- O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.(RTJ 192/963-964, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

É importante assinalar, neste ponto, por oportuno, que o princípio da insignificância – que deve ser analisado e  conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material, consoante assinala expressivo magistério doutrinário expendido na análise do tema em referência (FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, “Princípios Básicos de Direito Penal”, p. 133/134, item n. 131, 5ª ed., 2002, Saraiva; CEZAR ROBERTO BITENCOURT,“Código Penal Comentado”, p. 6, item n. 9, 2002, Saraiva; DAMÁSIO E. DE JESUS, “Direito Penal – Parte Geral”, vol. 1/10, item n. 11, “h”, 26ª ed., 2003, Saraiva; MAURÍCIO ANTONIO RIBEIRO LOPES, “Princípio da Insignificância no Direito Penal”, p. 113/118, item n. 8.2, 2ª ed., 2000, RT, v.g.).

O postulado da insignificância - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público em matéria penal.

Isso significa, pois, que o sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificarão quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano - efetivo ou potencial – causado por comportamento impregnado de significativa lesividade. Revela-se expressivo, a propósito do tema, o magistério de EDILSON MOUGENOT BONFIM e de FERNANDO CAPEZ (“Direito Penal Parte Geral”, p. 121/122, item n. 2.1, 2004, Saraiva): “Na verdade, o princípio da bagatela ou da insignificância (...) não tem previsão legal no direito brasileiro (...), sendo considerado, contudo, princípio auxiliar de determinação da tipicidade, sob a ótica da objetividade jurídica. Funda-se no brocardo civil ‘minimis non curat praetor’ e na conveniência da política criminal. Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico quando a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não será possível proceder a seu enquadramento típico, por absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado. É que, no tipo, somente estão descritos os comportamentos capazes de ofender o interesse tutelado pela norma. Por essa razão, os danos de nenhuma monta devem ser considerados atípicos. A tipicidade penal está a reclamar ofensa de certa gravidade exercida sobre os bens jurídicos, pois nem sempre ofensa mínima a um bem ou interesse juridicamente protegido é capaz de se incluir no requerimento reclamado pela tipicidade penal, o qual exige ofensa de alguma magnitude a esse mesmo bem jurídico.” (grifei)

Na realidade, e considerados, de um lado, o princípio da intervenção penal mínima do Estado (que tem por destinatário o próprio legislador) e, de outro, o postulado da insignificância (que se dirige ao magistrado, enquanto aplicador da lei penal ao caso concreto), na precisa lição do eminente Professor RENÉ ARIEL DOTTI (“Curso de Direito Penal – Parte Geral”, p. 68, item n. 51, 2ª ed., 2004, Forense), cumpre reconhecer que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.

A questão pertinente à aplicabilidade do princípio da insignificância - quando se evidencia que o bem jurídico tutelado sofreu ínfima afetação” (RENÉ ARIEL DOTTI, “Curso de Direito Penal Parte Geral”, p. 68, item n. 51, 2ª ed., 2004, Forense) – assim tem sido apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, cuja jurisprudência reconhece possível, nos delitos de bagatela, a incidência do postulado em causa (RTJ 192/963-964, Rel. Min. CELSO DE MELLO - (HC 84.687/MS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.): “ACIDENTE DE TRÂNSITO. LESÃO CORPORAL. INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME NÃO CONFIGURADO. Se a lesão corporal (pequena equimose) decorrente de acidente de trânsito é de absoluta insignificância, como resulta dos elementos dos autos - e outra prova não seria possível fazer-se tempos depois -, há de impedir-se que se instaure ação penal (...).

(RTJ 129/187, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO - grifei)

Uma vez verificada a insignificância jurídica do ato apontado como delituoso, impõe-se o trancamento da ação penal, por falta de justa causa.” (RTJ 178/310, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – grifei)

HABEAS CORPUS’. PENAL. MOEDA FALSA. FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CONDUTA ATÍPICA. ORDEM CONCEDIDA. ...................................................

3. A apreensão de nota falsa com valor de cinco reais, em meio a outras notas verdadeiras, nas circunstâncias fáticas da presente impetração, não cria lesão considerável ao bem jurídico tutelado, de maneira que a conduta do paciente é atípica.

4. ‘Habeas corpus’ deferido, para trancar a ação penal em que o paciente figura como réu.” (HC 83.526/CE, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - grifei)

Impende ressaltar, ainda, por oportuno, que esta Suprema Corte, em recentes julgamentos, reafirmou essa orientação: “HABEAS CORPUS’. PECULATO PRATICADO POR MILITAR. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. CONSEQÜÊNCIAS DA AÇÃO PENAL. DESPROPORCIONALIDADE. 1. A circunstância de tratar-se de lesão patrimonial de pequena monta, que se convencionou chamar crime de bagatela, autoriza a aplicação do princípio da insignificância, ainda que se trate de crime militar. ................................................... Ordem concedida.” (HC 87.478/PA, Rel. Min. EROS GRAU – grifei)

1. AÇÃO PENAL. Justa causa. Inexistência. Delito de furto. Subtração de garrafa de vinho estimada em  vinte reais. ‘Res furtivade valor insignificante. Crime de bagatela. Aplicação do princípio da insignificância. Atipicidade reconhecida. Extinção do processo. HC concedido para esse fim. Precedentes. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, é de ser extinto o processo da ação penal, por atipicidade do comportamento e conseqüente inexistência de justa causa.

2. AÇÃO PENAL. Suspensão condicional do processo. Inadmissibilidade. Ação penal destituída de justa causa. Conduta atípica. Aplicação do princípio da insignificância. Trancamento da ação em ‘habeas corpus’. Não se cogita de suspensão condicional do processo, quando, à vista da atipicidade da conduta, a denúncia já devia ter sido rejeitada.” (HC 88.393/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO – grifei)

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS’. PENAL MILITAR. PROCESSUAL PENAL MILITAR. FURTO. INEXISTÊNCIA DE LESÃO A BEM JURIDICAMENTE PROTEGIDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO PENAL MILITAR.

1. Os bens subtraídos pelo Paciente não resultaram em dano ou perigo concreto relevante, de modo a lesionar ou colocar em perigo o bem jurídico reclamado pelo princípio da ofensividade. Tal fato não tem importância relevante na seara penal, pois, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal, incide, na espécie, o princípio da

insignificância, que reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por conseqüência, torna atípico o fato denunciado. É manifesta a ausência de justa causa para a propositura da ação penal contra o ora Recorrente. Não há se subestimar a natureza subsidiária, fragmentária do Direito Penal, que só deve ser acionado quando os outros ramos do direito não sejam suficientes para a proteção dos bens jurídicos envolvidos.

2. Recurso provido.” (RHC 89.624/RS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – grifei)

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL – CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - DELITO DE FURTO SIMPLES, EM SUA MODALIDADE TENTADA – ‘RES FURTIVA’ NO VALOR (ÍNFIMO) DE R$ 20,00 (EQUIVALENTE A 5,26% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) - DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF - PEDIDO DEFERIDO.

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL.

- O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina.

Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.

O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR’.

- O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade.

O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.” (HC 92.463/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

O exame da presente impetração justifica a aplicabilidade, ao caso, do princípio da insignificância, pois os autos revelam que se trata de persecução penal instaurada pela tentativa de prática do delito de furto simples de cinco barras de chocolate de um supermercado!!! (fls. 05).

Vale registrar, Senhores Ministros, em função da própria ratiosubjacente ao princípio da insignificância, que a tentativa de subtração patrimonial foi praticada, no caso, sem violência física ou moral à vítima e que as “res furtivae”, no valor de R$ 20,00 (!!!), equivaliam, à época do delito (outubro/2007), a 5,2% do valor do salário mínimo então vigente (R$ 380,00), correspondendo, atualmente, a 4,3% do salário mínimo em vigor em nosso País.

As considerações ora expostas levam-me a reconhecer, por isso mesmo, que os fundamentos em que se apóia a presente impetração revelam-se plenamente acolhíveis, em razão do desacerto da decisão emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, que, embora tenha concedido a ordem de “habeas corpus”, limitou-se a extinguir a punibilidade do ora paciente, sem, no entanto, declarar a própria atipicidade material da conduta imputada a esse mesmo paciente, com a consequente prolação, em favor do réu, de sentença penal absolutória (CPP, art. 386, III).

Como anteriormente referido, o princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada esta na perspectiva de seu caráter material, razão pela qual, como bem sustentou a Defensoria Pública da União, a concessão da ordem de “habeas corpus”, pelo E. Superior Tribunal de Justiça, deveria ter conduzido, necessariamente, “(...) à absolvição do acusado em razão da ausência de crime e não à mera extinção da punibilidade dos fatos praticados” (fls. 03 - grifei).

Sendo assim, considerando as razões expostas, e com apoio no postulado da insignificância, defiro o pedido de “habeas corpus”, para absolver o ora paciente, em face da evidente atipicidade penal da conduta que lhe foi atribuída, ordenando, em conseqüência, a extinção definitiva do procedimento penal instaurado contra Diogo da Silva (Processo-crime nº 0024.07.785.032-9 – 3ª Vara Criminal da comarca de Belo Horizonte/MG).

 

É o meu voto.

 

 

A C Ó R D Ã O

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello (RISTF, art. 37, II), na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em deferir o pedido de “habeas corpus”, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, a Senhora Ministra Ellen Gracie e o Senhor Ministro Eros Grau.

 

Brasília, 19 de maio de 2009.

 

CELSO DE MELLO – RELATOR