quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

FELIZ NATAL!!!





Caros,
aproveito o dia de hoje, para deixar uma mensagem natalina a todos:

"Há mais, muito mais, para o Natal do que luz de vela e alegria. É o espírito de doce amizade que brilha o ano todo. É consideração e bondade, é a esperança renascida novamente, para paz, para entendimento, e para benevolência dos homens".

Espero que todos tenham um bom natal e que Deus nos ilumine, hoje e sempre!!!

Abraços,


Prof. Matzenbacher



quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

TJ/RS - Acórdão Des. Nereu Giacomolli (prisão preventiva e nemo tenetur se detegere)


Caros,
segue decisão do Des. Nereu José Giacomolli (6a. Câmara Criminal do TJ/RS), ensejando efetivadade do nemo tenetur se detegere. Notem a (falta de) fundamentação quando da decretação da prisão preventiva pelo r. Juízo de 1o. Grau. Vejam se isso é justificativa...
Boa leitura!

Prof. Matzenbacher



HÁBEAS CORPUS. ESTELIONATO. DESNECESSIDADE DA

PRISÃO.

1. A prisão preventiva do paciente foi decretada devido ao seu não-comparecimento à audiência de instrução, impossibilitando o reconhecimento pessoal. O paciente justificou a ausência. A simples designação de nova data soluciona a questão.

2. No caso em apreço, trata-se de delito supostamente cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa e, mesmo em caso de eventual condenação, a pena privativa de liberdade seria substituída por restritiva de direitos.

3. A decretação da prisão resta injustificada, pois diante do princípio do nemo tenetur se detegere, ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Assim, o paciente poderia escusar-se de participar da diligência (reconhecimento pessoal), até mesmo pelo fato de o direito constitucional de silêncio ser um de seus desdobramentos.

LIMINAR CONFIRMADA.

ORDEM CONCEDIDA.

Habeas Corpus

Sexta Câmara Criminal

Nº 70022339659

Comarca de Novo Hamburgo

PAULO RENATO DA CONCEICAO NUNES

IMPETRANTE

CLAUDIO DANTE CABERLON

PACIENTE

JUIZ DE DIREITO DA 3 V CRIM DA COM DE NOVO HAMBURGO

COATOR

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em confirmar a liminar e em conceder a ordem definitivamente, a fim de reconhecer ao paciente o direito de responder ao processo em liberdade, recolhendo-se os mandados de prisão.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Aymoré Roque Pottes de Mello (Presidente) e Des. João Batista Marques Tovo.

Porto Alegre, 06 de dezembro de 2007.

DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Nereu José Giacomolli (RELATOR)

Trata-se de hábeas corpus impetrado por PAULO RENATO DA CONCEIÇÃO NUNES, em favor de CLAUDIO DANTE CABERLON, apontando como autoridade coatora o Juízo de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Novo Hamburgo.

Relatou que o réu encontra-se com mandado de prisão preventiva decretada desde 14/11/2007, tendo em vista a decretação de revelia, por não comparecimento na audiência de instrução. Disse ter sido acusado da prática de estelionato, cometido, em tese, quando sócio da empresa Cedece Veículos Ltda, em processo falimentar. Sustentou não haver prova acerca do delito, embora a discussão probatória na via do hábeas corpus fosse restrita. Alegou não ter comparecido à audiência por ter tido um mal súbito. Referiu ter o paciente condições pessoais favoráveis à concessão da ordem, tais como atividade no ramo de veículos há mais de 20 anos, residência fixa e bons antecedentes. A falência de sua empresa foi decretada no ano 2004 e, neste período, não conseguiu adimplir suas obrigações. Aduziu a desnecessidade da prisão preventiva fundada na necessidade de efetuar o reconhecimento pessoal. Ademais, o paciente poderá ser beneficiado em caso de eventual condenação, com a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou com SURSIS. Invocou o princípio da presunção de inocência, ressaltando que a liberdade era a regra e a prisão é a exceção. Argumentou que a simples reprodução das expressões ou termos legais, divorciadas dos fatos concretos ou em meras suposições. Postulou a concessão a concessão liminar da ordem e que ao final fosse considerada definitiva. Juntou documentos (fls. 27 a 137).

Deferi a liminar (fls. 139 a 140).

Foram aprestadas as informações pela autoridade coatora (fls. 142 e 149).

Neste grau, o parecer do representante do Ministério Público foi pela concessão da ordem (fls. 144 a 148).

É o relatório.


VOTOS

Des. Nereu José Giacomolli (RELATOR)

Eminentes colegas:

A alegação do impetrante diz respeito, essencialmente, à desnecessidade da prisão, principalmente pelo fato de ter justificado o não-comparecimento à audiência de instrução.

Deferi a liminar nos seguintes termos:

O paciente juntou declaração do Centro de Habilitação de Condutores “Caberlon” no sentido de exercer função de Supervisor de Frota desde 19 de julho de 2007 (fl. 28). Comprovou residência (fl. 30), bem com o juntou atestado médico, a fim de justificar o não-comparecimento (fl. 134).

A prisão preventiva foi decretada para a conveniência da instrução criminal, nos seguintes termos:

“Aplico ao réu a pena de revelia. Como já possui um outro processo por estelionato, deixando de comparecer na audiência, onde seria feito o reconhecimento, decreto a prisão preventiva do acusado por conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal. Expeça-se mandado de prisão”. (fl. 108)

Ocorre que o paciente possui trabalho e emprego, havendo indicativos de ausência justificada na audiência.

O aprazamento de nova data suprirá a deficiência.

Por isso, defiro a liminar pleiteada.

Venham informações.

Mantenho o deferimento da liminar, acrescentando que a prisão preventiva é uma medida extrema, reservada aos casos essencialmente graves.

No caso em apreço, trata-se de delito supostamente cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa e, em caso de eventual condenação, com possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ao final. Na pior das hipóteses, em não sendo possível a substituição, em regime de cumprimento mais brando que o fechado.

Especificamente sobre o fundamento da prisão, isto é, a necessidade de reconhecimento, FERRAJOLI sustenta que a prisão cautelar poderia ser perfeitamente substituída por uma mera “detenção”, consistente em colocar o réu à disposição da justiça para a produção de provas, interrogatório, etc., pelo tempo estritamente necessário, ou seja, horas ou poucos dias (FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón, p. 776 e ss). Trata-se de medida menos gravosa.

Contudo, diante do princípio do nemo tenetur se detegere, isto é, que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, o paciente poderia escusar-se de participar da diligência (reconhecimento pessoal), até mesmo pelo fato de o direito constitucional de silêncio ser um de seus desdobramentos.

Assim, a prisão cautelar, nos termos em que proposta, não resta justificada.

Isso posto, voto pela confirmação da liminar e pela concessão da ordem definitivamente, a fim de reconhecer ao paciente o direito de responder ao processo em liberdade, recolhendo-se os mandados de prisão.

Des. João Batista Marques Tovo - De acordo.

Des. Aymoré Roque Pottes de Mello (PRESIDENTE) - De acordo.


DES. AYMORÉ ROQUE POTTES DE MELLO - Presidente - Habeas Corpus nº 70022339659, Comarca de Novo Hamburgo: "À UNANIMIDADE, EM CONFIRMAR A LIMINAR E EM CONCEDER A ORDEM DEFINITIVAMENTE, A FIM DE RECONHECER AO PACIENTE O DIREITO DE RESPONDER AO PROCESSO EM LIBERDADE, RECOLHENDO-SE OS MANDADOS DE PRISÃO".

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Modelo inovador de presídio dá chave da porta a detento em Minas


Toda experiência é válida...

MODELO INOVADOR DE PRESÍDIO DÁ CHAVE DA PORTA A DETENTO EM MINAS


Fabiana Uchinaka
Enviada especial do UOL Notícias
Em Santa Luiza (MG)

O porteiro Waldenei Ramos, 29, destranca o cadeado, abre a porta e sorri ao recepcionar os visitantes. Quem vê a cena nem imagina que ele cumpre pena por roubo e dois anos atrás estava em um presídio de segurança máxima da região metropolitana de Minas Gerais.

As coisas nas chamadas Apacs (Associações de Proteção e Assistência aos Condenados) são bem diferentes de uma penitenciária convencional e podem chocar o expectador acostumado às imagens de superlotação, sujeira, abusos e violência. No novo modelo prisional adotado no Estado, o preso literalmente detém a chave da cadeia.

O porteiro Waldenei Ramos abre portão da ala dos presos que cumpre pena no semi-aberto



Enquanto cumpre pena, Ramos é o responsável não só pela portaria, como também pela escolta dos outros detentos. Isso significa que quando alguém precisa ir ao médico, por exemplo, é ele que faz o acompanhamento. Os presos vão e voltam por conta própria em carros da unidade.

"O que me faz voltar é a minha responsabilidade", resumiu ele, que já cumpriu dez anos na penitenciária Nelson Hungria, em Contagem. "Quando saí daqui pela primeira vez, para cantar com o coral em Itaúna [MG], fazia oito anos que eu estava preso. Mesmo assim, aqui eu tinha uma chance de recomeçar a vida", contou.

"É uma relação de confiança e de corresponsabilidade. Um preso é responsável pelo outro. Se um foge, a culpa é do outro", explicou o subsecretário de administração prisional do Estado, Genilson Ribeiro Zeferino.

Detento fala sobre a vida na Apac


O lugar também chama a atenção por não ter guardas prisionais ou qualquer pessoa armada. A construção tem áreas verdes, um pátio sem muros, galpões para atividades, salas e dormitórios sem grade. Os presos passam o dia trabalhando e são responsáveis por todo o funcionamento da unidade, seja na cozinha, no armazém, no barbeiro, no jardim ou na limpeza.

Eles também cuidam das punições àqueles que saem da linha. Não são tolerados celulares, drogas, tentativa de fuga ou agressão. O Conselho de Sinceridade e Solidariedade (CSS), formado por nove presos eleitos, é responsável por recomendar os castigos à direção da unidade. Na maioria das vezes, a pena é ficar alguns dias isolado em celas "repensando a vida" --não há punições físicas.

A Apac é uma associação formada por membros da comunidade, que elegem uma diretoria responsável pela gestão da unidade. O governo entra com os recursos. Em Santa Luzia, os diretores vieram da PUC de Minas Gerais, da arquidiocese de Belo Horizonte e da Congregação Irmãos Marista.

O método usado, segundo explica a diretora Mary Lúcia da Anunciação, baseia-se em três pilares: amor incondicional ao preso, confiança e disciplina. Ele parte do princípio de que ninguém é irrecuperável, de que é preciso promover a dignidade humana e de que com a participação da comunidade a chance de reinserção é muito maior

"Óbvio que se o preso quiser fugir, ele vai fugir. Mas o índice de fugas é muito baixo", disse o secretário estadual de Defesa Social, Maurício Campos Jr.


"Não temos garantia nenhuma na vida, não é? Mas aqui o preso é o principal protagonista da confiança e deve responder a isso. Se você trata bem, trata como ser humano, confia, oferece condições para ele mudar e cobra disciplina, eles respondem", disse.

O choque de realidade também faz parte do processo. Os detentos precisam passar pelos presídios convencionais antes de serem aceitos na Apac.

Outra premissa do trabalho é não identificar o preso pelo crime. "Dizemos que aqui entra o homem e o crime fica do lado de fora. Nem eu sei que crime cada um deles cometeu. Aqui, presos por estupro convivem com os outros", contou Mary Lúcia.

Segundo ela, ali vivem homens condenados por estupro, latrocínio e homicídio, por exemplo, mas cerca de 70% dos presos responde por tráfico de drogas ou roubo.

Por mais surreal e até piegas que pareça, aparentemente funciona. Desde que a unidade de Santa Luzia, a 16 km de Belo Horizonte, foi inaugurada, há quase quatro anos, oito presos fugiram, índice considerado baixíssimo pelo subsecretário. Os casos, fez questão de frisar Zeferino, foram registrados nos três primeiros meses de funcionamento do modelo.

A unidade abriga 129 presos, sendo que 92 deles cumprem pena em regime fechado e 38 em semi-aberto.

Um dos presos do semi-aberto é Henrique Mendes Pereira, que veio da cadeia do Palmital, também em Santa Luzia. Há 11 meses na Apac, ele se prepara para ganhar a liberdade e contou que naquela tarde sairia para acompanhar pela primeira vez o ultrassom da mulher, grávida da primeira menina do casal. "Ela vai nascer no mês que eu vou sair daqui", festejou. No regime semi-aberto, os detentos têm direito a cinco saídas por ano de sete dias cada.

Pereira falou sobre a vida na unidade: "É bom, melhor que antes. No sistema comum é muita tortura psicológica. Aqui não, né? Aqui eu posso voltar pra sociedade com dignidade. É isso que me mantém aqui e me faz ter esse comportamento".

O governo de Minas mantém 25 Apacs, que juntas podem abrigar 1.518 presos. Nesse modelo não há superlotação ou rebeliões. O problema é que enquanto milhares de presos se acotovelam nos outros presídios do Estado -que possui um déficit de cerca de 12 mil vagas-- sobram 323 vagas nas unidades de reintegração. Só na unidade de Santa Luzia, há 71 vagas.

"O juiz de execução faz uma transferência gradativa dos presos para cá. São escolhidos aqueles que têm família na região, porque o foco é a reintegração com a sociedade e a família facilita isso", explicou Mary. "Além disso, o preso precisa querer vir para cá e aceitar as condições, se dispor a agir de maneira responsável. Há casos de quem não queira. Não são muitos, mas há".

Segundo ela, o tipo de delito e o tamanho da pena não são levados em conta na hora de determinar quem será convidado para integrar uma Apac.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Pasárgada...


Caros,
um pouco de poesia para colaborar no processo hermenêutico de interpretação e aplicação do Direito Penal...
"menos dogmática e mais arte"...
alunos de Criminologia, atenção!!
Abraços,

Prof. Matzenbacher


VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA

Manuel Bandeira


Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei


Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconseqüente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive


E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Montarei em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d'água

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada


Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcalóide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar


E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar

— Lá sou amigo do rei —

Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada.



Violência cresce em 11 Estados com PF na segurança


No mínimo curioso...


VIOLÊNCIA CRESCE EM 11 ESTADOS COM PF NA SEGURANÇA

Dom, 22 Nov, 09h07

Os 17 delegados da Polícia Federal (PF) indicados pelos governadores e pelo Ministério da Justiça para comandar as Secretarias de Segurança Pública ainda não conseguiram obter resultados expressivos na redução da violência nos Estados que comandam. Onze Estados brasileiros com policiais federais na chefia da segurança registraram aumento nos índices de assassinatos em 2008.

O Rio, sob a chefia de segurança do delegado federal José Mariano Beltrame, oriundo do setor de inteligência da PF, voltou a ter neste ano aumento de 8% nos homicídios (dados de setembro), depois de reduzir os índices em 2008. Com Secretarias de Segurança comandadas por policiais federais, Amazonas, Pará e Paraíba registraram as maiores altas de assassinatos no ano passado. Os dois Estados com as quedas mais consistentes de homicídios - São Paulo e Minas - não aderiam à onda dos federais.

Tradicionalmente comandadas por promotores, desembargadores, advogados criminalistas, generais do Exército e políticos, as Secretarias Estaduais de Segurança passaram a ser chefiadas por delegados federais timidamente em 2003. A consolidação do protagonismo da PF veio com a criação do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), em agosto de 2007, destinado a repassar verbas federais para projetos nos Estados. Neste ano, o Pronasci já liberou R$ 900 milhões. "Os federais chegam de fora, não têm vínculos com políticos locais e podem tratar o assunto de forma técnica. Além disso, os secretários têm trânsito fácil com os colegas dos demais Estados e com as autoridades federais", diz o delegado federal e secretário da Defesa Social de Alagoas, José Paulo Rubim Rodrigues.

Uma das desvantagens dos federais é a inexperiência na gestão de grandes efetivos. "As atividades na PF têm pouco a ver com os desafios de um secretário de Segurança. Eles não têm uma visão do policiamento ostensivo a ser feito e encontram dificuldades em lidar com os comandos de outras corporações", analisa o coronel José Vicente da Silva, que foi secretário nacional de Segurança Pública no governo Fernando Henrique Cardoso. "Por isso os resultados demoram a aparecer."

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

TJ/RS - Acórdão (Lei Penal mais benigna / estupro e atentado violento ao pudor / Lei 12.015)


Caros,
inicialmente, peço escusas pela falta de atualização constante do BLOG. Além da correria diária, o final do semestre chegando, a viagem para Londrina/PR para prestigiar o casamento de amigos no início do mês, a viagem da semana passada para Cuiabá/MT para trabalharmos na sede do Grupo IUNI, oportunidade em que debatemos a nova matriz curricular e assuntos correlatos com todos os Coordenadores dos Cursos de Direito das unidades do IUNI, as aulas e os eventos, está chegando a época das defesas das monografias! Correria, correria e correria... vamos lá tchê!
Então, hoje, aproveito para trazer um acórdão da 6a. Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, de relatoria do Des. Nereu José Giacomolli, que esteve conosco na pós-graduação em Ciências Criminais da UNIRON nesse último fim de semana, sobre a retroatividade da lei penal mais benigna, no que tange à edição da Lei 12.015/2009.
Vale a pena a leitura para compreensão da matéria de Direito Penal I e firmação da jurisprudência sobre o assunto.
Abraços e boa semana,

Prof. Matzenbacher


APELAÇÃO. CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. SUPERVENIÊNCIA Da LEI 12.015/09, MAIS BENÉFICA.

1. A lei mais favorável aplica-se, inclusive, aos processos com trânsito em julgado, ou aos de execução penal, pois a potestade punitiva atinge, inclusive, o cumprimento total da sanção penal, constituindo-se, a aplicação da lei mais benigna, em um efeito limitar (arts. 5º, XXXIX, XL, da CF, 1º e 2º do CP).

2. A delimitação da legalidade penal ampla, na medida em que sai da esfera estritamente formal do nullum crimen, nulla poena, sine lege (art. 5º, XXXIX, da CF) propiciador da incidência da potestade punitiva, para atingir, proteger e garantir os direitos fundamentais (arts. 1º, III, 5º, XLI, XXXV e LXVIII, da CF). O significado material da legalidade, a sua essência, está na própria evolução histórica do princípio, isto é, vincula-se à limitação do exercício do poder (inclusive na potestade punitiva), à divisão das funções públicas entre os poderes do Estado, ao pacto social que sustenta politicamente a convivência humana e à soberania popular legitimadora das normas penais.

3. A Lei 12.015/09 inseriu, numa mesma disposição típica, as condutas anteriormente previstas em dois tipos penais, consideradas crimes diversos: estupro e atentado violento ao pudor. Discutia-se, até então, a forma de concurso na configuração dos dois tipos penais.

4. Dessa nova situação penal, segundo o legislador, infere-se que o delito de estupro passou a ser constituído não apenas pelo constrangimento, mediante violência ou grave ameaça, à prática de conjunção carnal, mas também pelo ato de constranger a vítima a praticar ou permitir que com ela se pratique atos libidinosos diversos da conjunção carnal. Assim, quando a conduta do agente se insere na mesma situação fática espacial e temporal, mesmo que se decomponha em mais de um ato, estaremos diante de crime único.

5. A possibilidade de reconhecimento de crime único, por ser mais benéfica, retroage e tem aplicação imediata.

6. No caso concreto, em que ao acusado são imputadas três condutas diferentes praticadas contra a mesma vítima e em uma mesma situação de fato (constrangimento à prática de conjunção carnal, à prática de ato libidinoso diverso de conjunção carnal [sexo oral] e a permitir que com a vítima fossem praticados atos libidinosos diversos da conjunção carnal [coito anal]), impõe-se o reconhecimento de um único delito de estupro. Com isso, não está afastada a hipótese de reconhecimento da continuação ou do concurso de crimes, dependendo da situação fática de cada caso concreto.

ACOLHIDA A PRELIMINAR DE APLICAÇÃO DA LEI MAIS BENIGNA.

NO MÉRITO, APLICARAM A PENA SEGUNDO AS NOVAS DISPOSIÇÕES TÍPICAS E PENOLÓGICAS.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELA APLICAÇÃO DA LEI MAIS BENIGNA.

Apelação Crime

Sexta Câmara Criminal

Nº 70024829517

Comarca de Panambi

M.P.

..

APELANTE/APELADO

C.R.M.F.

..

APELANTE/APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em preliminar de oficio, em aplicar a lei nova mais benéfica ao caso sob exame (Lei n.12.015/2009), e, no mérito, também, à unanimidade, em dar cumprimento à decisão do Superior Tribunal de Justiça, e em fixar a pena privativa de liberdade definitiva do réu C.R.M.F. em sete anos e oito meses de reclusão, a ser cumprida no regime inicial fechado, em razão das circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, mantidas as demais cominações do acórdão." Na preliminar, o Dr. Roberto Klaus Radke proferiu parecer oral pelo seu acolhimento.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Aymoré Roque Pottes de Mello (Presidente) e Des. Mario Rocha Lopes Filho.

Porto Alegre, 24 de setembro de 2009.

DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Nereu José Giacomolli (RELATOR)

O Ministério Público ofereceu denúncia contra CARLOS ROBERTO DE MOURA DE FREITAS, dando-o como incurso nos artigos 213 e 214, na forma do artigo 69, caput, e do artigo 255, § 1º, I, todos do Código Penal, pelo seguinte fato delituoso:

“No dia 26 de abril de 1997, durante a madrugada, em uma estrada vicinal, na Linha Jaciandi, nesta cidade, o denunciado, Carlos Roberto de Moura de Freitas, no interior do veículo Gol que dirigia, constrangeu a vítima Carine Tischer, a praticar com ele conjunção carnal, mediante violência física, consistente em socos, tapas, bem como batendo a cabeça da vítima contra o veículo em que se encontravam, provocando nela as lesões corporais descritas no Auto de Exame de Corpo de Delito da fl. 6.

Além disso, o denunciado, nas mesmas condições de tempo e lugar, constrangeu a vítima a praticar com ele atos libidinosos diversos da conjunção carnal, consistente em introduzir o pênis no ânus da ofendida, constrangendo-a ao sexo anal, além de também obrigá-la ao sexo oral, tudo mediante violência física contra a vítima Carine Tischer, que era agredida a socos pelo denunciado quando tentava esboçar qualquer reação ou negativa.”

Finda a instrução processual, sobreveio sentença de procedência da denúncia, condenando o acusado como incurso nos artigos 213, caput, e 214, caput, na forma do artigo 71, caput, todos do Código Penal, impondo-lhe pena de 10 anos e 06 meses de reclusão, a ser cumprida em regime fechado (fls. 333 a 337).

Em face dessa decisão, as partes interpuseram recursos de apelação.

O Ministério Público postulou, em suas razões recursais, o reconhecimento do concurso material entre os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor (fls. 353 a 358).

O réu, por sua vez, pediu a extinção da sua punibilidade, com base no artigo 107, VIII, do Código Penal, ou a sua absolvição, com fulcro no artigo 386, VI, do Código de Processo Penal (fls. 385 a 414).

Por ocasião do julgamento dos recursos de apelação, esse Órgão Colegiado, à unanimidade, rejeitou as preliminares, negou provimento ao recurso do Ministério Público (mantendo, portanto, a continuidade delitiva) e deu parcial provimento ao recurso do réu, apenas para reduzir a pena imposta para 07 anos e 07 meses de reclusão, mantido o regime inicial fechado e afastada a incidência da Lei 11.464/07 (fls. 446 a 464).

Em face dessa decisão, o Ministério Público interpôs, tempestivamente, Recurso Especial, com base no artigo 105, III, a e c, da Constituição Federal (fls. 471 e 472), pugnando, em suas razões recursais, o reconhecimento do concurso material entre os delitos de estupro e atentado violento ao pudor (fls. 473 a 486).

O réu apresentou contrarrazões (fls. 493 a 500), e o recurso foi admitido (fls. 502 a 504).

O Superior Tribunal de Justiça, na forma do artigo 557, § 1º - A, do Código de Processo Civil, c/c artigo 3º, do Código de Processo Penal, deu provimento ao recurso especial para reconhecer o concurso material entre os delitos de estupro e de atentado e violento ao pudor, determinando viessem os autos ao Tribunal de origem para que fossem promovidas as necessárias alterações na pena aplicada (fls. 513 a 516).

Transitada em julgado, baixaram os autos.

É o relatório.

VOTOS

Des. Nereu José Giacomolli (RELATOR)

Eminentes colegas:

O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar Recurso Especial interposto pelo Ministério Público, reconheceu, no caso, a ocorrência de concurso material entre os delitos de estupro e atentado violento ao pudor, imputados ao réu na denúncia, determinando, por isso, o retorno dos autos para adequação da pena imposta.

Antes, porém, de passar à aplicação da pena, entendo necessário observar o disposto na Lei 12.015/09, que alterou o título VI da parte especial do Código Penal, referente aos crimes contra a dignidade sexual, tipificando como delito de estupro, no artigo 213, não apenas a conduta de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal, mas também a de praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso, conduta essa que, até então, era considerada crime de atentado violento ao pudor, tipificado no artigo 214 do Código Penal, agora expressamente revogado.

EM PRELIMINAR

Cabe, prima facie, suscitar, de ofício, a possibilidade de aplicação da lei mais favorável ao imputado, sem ferir a decisão do STJ. Isso em razão da superveniência de legislação mais benéfica ao acusado, uma vez comparada à decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, já transitada em julgado e a qual se deve dar cumprimento.

O réu foi denunciado pelos crimes de atentado violento ao pudor e estupro, em concurso material, porém condenado por ambos os delitos em continuidade delitiva, decisão essa que restou reformada pelo Superior Tribunal de Justiça, com o reconhecimento do concurso material.

Ocorre que a nova redação do artigo 213 do Código Penal, alterada pela Lei 12.015/09, de 07.08.2009, (posterior, portanto, à decisão do STJ, proferida em 16.06.2009 – fl. 516) passou a dispor:

“Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.”

Dessa nova redação, depreende-se que o delito de estupro passou a ser constituído não apenas pelo constrangimento, mediante violência ou grave ameaça, à prática de conjunção carnal, mas também pelo ato de constranger a vítima a praticar ou permitir que com ela se pratique atos libidinosos diversos da conjunção carnal, o que, antes da Lei 12.015/09, constituía elementar normativa do delito de atentado violento ao pudor.

A isso, acrescenta-se ter sido o artigo 214 do Código Penal revogado expressamente pelo artigo 7º da Lei 12.015/09.

Daí a conclusão de que, com o advento da Lei 12.015/09, estupro e atentado violento ao pudor passaram a ser considerados um mesmo crime, agora nominado simplesmente estupro, e caracterizado pela multiplicidade de ações descritas no atual tipo penal (constranger à prática de conjunção carnal, constranger a praticar ato libidinoso diverso de conjunção carnal ou constranger a vítima a permitir que com ela se pratique ato diverso da conjunção carnal), bastando a ocorrência de uma delas para a consumação do crime.

Essa nova redação do artigo 213 do Código Penal, já em vigor, tornou o tipo penal de estupro um crime de ação múltipla, cuja consumação pode se dar tanto pela prática de uma única conduta dentre as previstas como proibidas, quanto pela prática de todas elas, havendo, sempre que praticadas contra uma mesma vítima e em um mesmo contexto fático, um crime único.

Assim, e como ocorreu no caso concreto, em que ao acusado são imputadas três condutas diferentes praticadas contra a mesma vítima e em uma mesma situação de fato (constrangimento à prática de conjunção carnal, à prática de ato libidinoso diverso de conjunção carnal [sexo oral] e a permitir que com a vítima fossem praticados atos libidinosos diversos da conjunção carnal [coito anal]), impõe-se o reconhecimento de um único delito de estupro.

Essa situação decorrente da entrada em vigor Lei 12.015/09, é inegável, afigura-se mais favorável ao acusado, antes condenado pela prática dos delitos de atentado violento ao pudor e estupro em concurso material, o que certamente resultaria em um apenamento infinitamente maior.

Por isso, embora a existência de decisão transitada em julgado, proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, em que fora reconhecido o concurso material, entendo ser o caso de aplicação do artigo 2º, parágrafo único, do Código Penal, que dispõe:

A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

Não se trata, pois, de desobediência à decisão da Corte Superior, mas de aplicar, ao caso concreto, o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica.

A retroatividade ou não da lei vincula-se ao princípio da legalidade, motivo por que se faz necessário enfocar a diferença entre legalidade formal e material.

A concepção formalista informa que um fato somente constituirá uma infração criminal quando assim estiver previsto em uma norma legal, no momento em que foi praticado e, ainda, ao sujeito condenado se aplicará a espécie e a quantidade de pena prevista no tipo penal (arts. 5º, XXXIX, da CF e 1º do CP). Por isso, ninguém pode ser castigado por um fato que, no momento da conduta, não esteja previsto num preceito normativo como infração criminal, por mais nocivo, cruel ou hediondo que seja. Ao fato praticado somente pode ser aplicada a espécie e a quantidade de pena possíveis, previstas no tipo penal transgredido, por mais ínfima que pareça.

A adoção do princípio da legalidade não induz unicamente à incorporação a um sistema jurídico de normas legais escritas, claras, precisas (concepção formal), pois o Estado também pode atuar legalmente, implantando uma política criminal do terror e vingativa com suporte em disposições legais. Além da intrínseca “debilidade política” (FERRAJOLI, 1977, p. 23) a concepção formal da reserva legal permite que se considere infração criminal uma norma penal ilegítima, porque originária do Poder Executivo ou do Poder Judiciário.

Por isso, a delimitação da legalidade é mais ampla; sai da esfera estritamente formal do nullum crimen, nulla poena, sine lege (art. 5º, XXXIX, da CF) propiciador da aplicação do ius puniendi, para atingir, proteger e garantir os direitos fundamentais (arts. 1º, III, 5º, XLI, XXXV e LXVIII, da CF). O significado material da legalidade, a sua essência, está na própria evolução histórica do princípio, isto é, vincula-se à limitação do exercício do poder (inclusive o poder de punir), à divisão das funções públicas entre os poderes do Estado, ao pacto social que sustenta politicamente a convivência humana e à soberania popular legitimadora das normas penais.

A criação, aplicação e execução das leis criminais estão limitadas pelas disposições normativas criadas pelo Poder Legislativo, quem detém a legitimidade da cidadania para dizer quais são os fatos que constituem uma infração criminal e qual a pena aplicável nas hipóteses de transgressão do preceito criminal (art. 22, I, da CF). A incidência da sanção penal ocorrerá num processo criminal conduzido por um órgão jurisdicional predeterminado legalmente. Assim, a essência da legalidade penal está na legitimidade e na legitimação do exercício do poder de criar a lei e de aplicá-la com um sentido de garantia à cidadania.

Assim, o princípio da legalidade, ademais de outorgar segurança a um ordenamento jurídico, constitui-se em uma garantia protetiva dos jurisdicionados frente ao ius puniendi. Desta forma, os cidadãos podem saber de antemão, não qual a conduta que está proibida, qual a sanção e quais são seus limites, mas principalmente que o acusador e o julgador não poderão, sponte sua, determinar os tipos criminais, as penas ou as espécies de medidas de segurança (art. 5º, XLVI e XLVII, da CF).

É esse critério material que garante que os limites da liberdade dos indivíduos sejam os mesmos, e se apliquem a todos, sem exceção, e que, ao mesmo tempo, se determinem com precisão, tanto para os cidadãos, quanto para as instituições. Ainda, neste critério essencial se concentram as esperanças de que tanto o sistema como a aplicação da justiça penal sejam transparentes, controláveis e sinceros (HASSEMER, 1999, p. 24 e 25).

Consigno que estas garantias interferem na descrição típica (garantia criminal), na delimitação da sanção (garantia penal), no devido processo constitucional (5º, LIII, LIV, LV, da CF, v.g), e também no cumprimento da sanção criminal (garantia de execução).

Um dos efeitos da adoção do princípio da legalidade é a exclusão da retroatividade (art. 5º, XL, da CF), que se aplica ao legislador e, também, ao órgão judicial, segundo o adágio nullum crimen, nulla poena, sine lex praevia, informador da proibição da criação de leis ad hoc, ou para atender a reclamos momentâneos, conduzidos por interesses de certos segmentos sociais atrelados, como regra, a fins unicamente eleitoreiros ou econômicos. Assim, os fatos anteriores à vigência da lei não podem ser atingidos por uma lei posterior mais severa, prejudicial ao autor, ou seja, in mallam partem, por vontade do legislador ou dos magistrados.

A retroatividade que se admite no âmbito criminal é a in bonam partem, nas hipóteses de existência de uma lei posterior mais benéfica ao autor do fato, que a anterior. Neste conflito de normas, aplica-se a lex mitior para não piorar a situação do acusado. Assim, é mais benigna, por exemplo, a lei penal descriminalizadora e todas aquelas que atenuam a situação do autor do fato punível. Pode ser afirmado serem mais benéficas as leis que ampliam o âmbito da licitude penal ou do status libertatis, restringindo o ius puniendi.

Uma disposição legal anterior mais benévola ao autor do fato aplica-se a este, mesmo que uma norma posterior disponha diferentemente. A este fenômeno se denomina ultra-atividade. Entretanto, os fatos cometidos sob a vigência de uma lei temporal ou excepcional serão julgados de acordo com suas disposições normativas (art. 3º do CP), pois “a derrogação da lei temporal responde ao desaparecimento do motivo de sua criação e não a uma alteração da concepção jurídica” (JESCHECK, 1993, p. 126). Além disso, não existe uma modificação na valoração jurídica das condutas que estão matizadas pelas circunstâncias extraordinárias, motivadoras da regulamentação excepcional (COBO DE ROSAL,1999, p. 204 e 205).

A lei mais favorável aplica-se, inclusive, aos processos com trânsito em julgado, ou aos de execução penal, pois a potestade punitiva estende-se até o cumprimento total da sanção penal, e a aplicação da lei mais benigna é um efeito da legalidade, limitador da mesma (art. 2º do CP). A lei mais benéfica poderá atingir os condenados que cumpriram a pena? Uma interpretação restritiva, formalista e favorável a um Direito Penal de primeira ratio induz ao reconhecimento do limite máximo da retroatividade às hipóteses em que o condenado esteja cumprindo a pena. Por outro lado, o conteúdo material faz com que a retroatividade benéfica seja aplicada aos processos em que tenha havido o cumprimento da pena.

É indubitável que o princípio da legalidade, mesmo em sua concepção formal, “limita a intervenção estatal” (HASSEMER, 1984, p. 313) e “serve para evitar uma punição arbitrária e incalculável, ou baseada numa lei imprecisa ou retroativa” (ROXIN, 1999, p. 137), ou seja, como uma garantia ao indivíduo. Também, que a legalidade penal é um princípio constitucional, limitativo do poder do legislador, na medida em que deverá formular preceitos claros, precisos, determinados e de acordo com a Constituição, limitativos do poder jurídico do órgão acusador, que não poderá transpor as barreiras legais autorizadoras do exercício da pretensão acusatória, e limitador do poder jurídico dos Juízes e dos Tribunais, os quais estão impedidos de definir tipos penais ou de aplicar sanções criminais que não existiam no momento da conduta, garantindo-se, assim, a proteção dos direitos e das liberdades fundamentais.

O pensamento jurídico-penal tradicional, segundo Taipa de Carvalho, esqueceu-se de que na execução das penas, especialmente da pena privativa de liberdade, há normas que podem afetar os direitos individuais fundamentais (TAIPA DE CARVALHO, 1997, p. 260).

A individualização da sanção não se esgota no momento da dosimetria da pena, mas segue seu curso legal até o total cumprimento da condenação, com a possibilidade de modificação do regime inicialmente fixado, substituição da pena, livramento condicional, etc. (art. 5ª, XLVIII, XLIX e L, da CF). A primeira etapa da individualização da pena é realizada pelo legislador, no processo de tipificação legal. A seguinte etapa compete ao acusador, no momento em que deduz uma pretensão acusatória, expressa claramente ou inferida da descrição dos fatos com aparência de infração criminal, estendendo-se até a delimitação definitiva das alegações finais ou dos debates orais finais, antes da fase decisória.

É certo que o ápice do processo de individualização da pena é atingido com a individualização jurisdicional, após a emissão de um juízo condenatório, de sua concatenação com a pretensão acusatória e com a resistência processual defensiva (art. 68 do CP). Nesse processo de medição da pena, as duas partes podem ter deduzido pretensões ou resistências num plano principal ou subsidiário, em relação à dosimetria legal.

Porém, o processo de individualização judicial da sanção se aplica também à fase de execução ou de cumprimento da pena, de responsabilidade exclusiva do órgão jurisdicional, ou dividida com o Poder Executivo. E, no processo de individualização pena privativa de liberdade se inclui o regime de cumprimento da pena.

Portanto, a aplicação da lei mais benigna – retroatividade ou irretroatividade da lei – relaciona-se com o princípio da legalidade penal, do qual se inferem, além da garantia jurisdicional, as garantias criminal, penal e de execução penal ou penitenciária e a essência do princípio da legalidade, a partir do topos hermenêutico constitucional, radica na garantia de proteção dos direitos fundamentais do jurisdicionado frente à incidência do ius puniendi do Estado e na limitação do direito de punir do Estado.

Isso não significa que todas as hipóteses de prática dos atos constantes no artigo 213 do Código Penal se constituem em crime único. Isso dependerá do contexto delitivo, mormente das circunstâncias fáticas da prática desses atos.

Isso posto, voto, em preliminar suscitada de ofício, por aplicar ao caso concreto, a lei nova mais benéfica ao acusado, reconhecendo a existência de um único delito de estupro, tal como tipificado na atual redação do artigo 213 do Código Penal.

NO MÉRITO

Não mais se discute o juízo condenatório, a existência de excludentes de tipicidade, ilicitude ou de culpabilidade, na medida em que o veredicto condenatório foi mantido na apelação e permaneceu intocável pela decisão do Superior Tribunal de Justiça.

Como, no caso dos autos, há crime único, pela aplicação da lei nova e pelas circunstâncias fáticas, passo a examinar a pena.

O acusado não possuía, ao tempo do crime, antecedentes criminais. A conduta social e a personalidade são impassíveis de valoração negativa. Em relação aos motivos do delito, nada há de relevante a observar, além daqueles inerentes à espécie. As circunstâncias do crime são de significativa reprovabilidade, pois a vítima era cunhada do réu e este consumou todas as três ações proibidas no tipo penal (constrangimento à prática de conjunção carnal, à prática de ato libidinoso diverso de conjunção carnal [sexo oral] e a permitir que com a vítima fossem praticados atos libidinosos diversos da conjunção carnal [coito anal]). As consequências do delito, da mesma forma, são graves, pois restou lesionada a vítima, conforme laudo pericial que apontou o emprego de violência real. Por fim, observo não ter a ofendida contribuído para o crime.

Diante dessas considerações, reputo ser de alto grau a reprovabilidade da conduta do acusado, em especial pelas circunstâncias e consequências do crime. Em se tratando de crime único, após a Lei 12.015/09, entendo que o número de condutas praticadas pelo réu deve ser considerado na avaliação da reprovabilidade da conduta.

Isso posto, fixo a pena-base em 07 anos e 08 meses de reclusão, patamar que, na ausência de circunstâncias modificadoras, vai tornado definitivo.

O regime inicial de cumprimento de pena, por força da análise das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, é fixado como sendo o fechado.

Isso posto, voto, em preliminar, pela aplicação da lei nova mais benéfica ao caso sob exame, e, no mérito, em cumprimento à decisão do Superior Tribunal de Justiça, em fixar a pena privativa de liberdade definitiva do réu C.R.M.F. em sete anos e oito meses de reclusão, a ser cumprida no regime inicial fechado, em razão das circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, mantidas as demais cominações do acórdão.

Des. Mario Rocha Lopes Filho (REVISOR) - De acordo com o Relator na preliminar e no mérito.

Des. Aymoré Roque Pottes de Mello (PRESIDENTE) - De acordo com o Relator na preliminar e no mérito.

DES. AYMORÉ ROQUE POTTES DE MELLO - Presidente - Apelação Crime nº 70024829517, Comarca de Panambi: "À UNANIMIDADE, EM PRELIMINAR DE OFICIO, DECIDIRAM PELA APLICAÇÃO DA LEI NOVA MAIS BENÉFICA AO CASO SOB EXAME (LEI N.12015/2009), E, NO MÉRITO, TAMBÉM À UNANIMIDADE, EM CUMPRIMENTO À DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, E FIXARAM A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE DEFINITIVA DO RÉU C.R.M.F. EM SETE ANOS E OITO MESES DE RECLUSÃO, A SER CUMPRIDA NO REGIME INICIAL FECHADO, EM RAZÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO ARTIGO 59 DO CÓDIGO PENAL, MANTIDAS AS DEMAIS COMINAÇÕES DO ACÓRDÃO. NA PRELIMINAR, O DR. ROBERTO KLAUS RADKE PROFERIU PARECER ORAL PELO SEU ACOLHIMENTO."

Julgador(a) de 1º Grau: MICHELE SCHERER BECKER

domingo, 8 de novembro de 2009

Código de ética elaborado por traficante dita normas na PLB


Caros,
todas as "sociedades" necessitam de regras. Sendo assim, é óbvio que elas existem dentro do sistema carcerário, sendo inclusive, ditadas pelos próprios seres que ali estão "provisoriamente" (no duplo sentido da palavra). Entretanto, apenas por não ser códigos e normas não-escritos, notem o quê (o auê) que a "positivação" causa... Aliás, é de questionar-se: como o Estado está cumprindo a LEP???

Prof. Matzenbacher


Código de ética elaborado por traficante dita normas na PLB

Alexandre Lyrio, Jorge Gauthier e Mariana Rios | Redação CORREIO

Até onde vai o poder de organização dos presos dentro de uma cadeia? Na Penitenciária Lemos Brito (PLB), no Complexo da Mata Escura, as leis impostas pelos detentos chegaram ao ponto de ser digitadas, impressas, encadernadas e distribuídas entre os internos.


Estatuto dos presos impresso e encadernado


A direção da PLB apreendeu no portão principal do complexo parte do que seria um rigoroso código de ética e comportamento confeccionado fora da penitenciária. A ideia de produzir o material partiu do Pavilhão 1, cuja liderança é atribuída ao traficante Raimundo Alves de Souza, o Ravengar, apontado como o homem que pensa e dita as regras dentro daquele módulo.

Inspirada na bandeira nacional, a comissão de internos que se autointitula Ordem & Progresso assume a autoria da publicação. “Sancionada” e “publicada” quatro meses atrás, só agora a cartilha veio à tona. O CORREIO teve acesso com exclusividade a uma cópia do regimento, que traz logo na sua primeira página uma exposição dos objetivos da publicação e deixa claro que a lei é para todos, principalmente para os iniciantes: “O objetivo dessa cartilha é ensinar a doutrina de comportamento na prisão, do preso primário e seus cinco dias de observação”.

Tom jurídico
Como qualquer código oficial, o documento publicado pela comissão usa o tom jurídico para estabelecer as regras. A diferença são os termos utilizados nos tópicos. Nas leis da cadeia não há artigos, mas “Obediências”. Em cada uma está prevista uma punição, como a que é direcionada para os presos que “subtraírem” pertences de outros detentos. “(...) para continuar a conviver em nossa comunidade, prestará serviços de faxineiro na varrição do pátio e orar um Pai-nosso, ou pregar os joelhos no chão”.
Entre outras coisas, a cartilha traz regras de etiqueta para os dias de visitação, prevê punições severas para agiotagem e é implacável com os presos que mantiverem relações amorosas com ex- mulheres e familiares dos colegas.
Em alguns momentos, o código parece ensinar ao Estado a melhor forma de ressocializar o contingente carcerário. “O princípio básico do alicerce humano reside na educação”. Uma das regras deixa claro que os presos querem impor quais detentos devem permanecer em cada módulo. A punição para quem faltar a “Obediência III” é a retirada do preso do convívio dos demais, o que significaria a sua transferência. “ Odireito de defesa será dado ao acusado na possível primeira falta. Na reincidência, deixará automaticamente o nosso convívio”.

Punições violentas
Ao longo do texto, as obediências são complementadas com o que seriam os incisos, intitulados de “Reflexão” ou “No passado”, nos quais são resgatados casos anteriores de punições violentas para o caso de descumprimento de princípios. Em outros trechos, o documento critica diretamente o órgão responsável pela administração da unidade. “Apesar dos projetos desenvolvidos pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, ainda há muito a se fazer (...). A falta de instrumentos jurídicos no acompanhamento das penas é o que faz nós presos perdermos a esperança (...) e delinquir dentro do próprio sistema prisional”.
O nível de organização dos detentos e a ousadia em imprimir e encadernar o material surpreenderam o atual superintendente de Assuntos Penais da SJCDH, Isidoro Orge, então diretor da PLB quando a cartilha foi impressa. Às mãos de Orge chegaram 15 exemplares do manual. “O próprio Ravengar me entregou cópias da cartilha e pediu que fossem enviadas ao MP, Defensoria Pública, SJCDH e Vara de Execuções Penais para se tornar um código geral”. Mas as “dicas” do apenado foram rejeitadas.
O superintendente garantiu que a cartilha não entrou no pátio, apesar de presos e carcereiros afirmarem que as normas são a “bíblia” do pavilhão 1. “Deixamos claro que nenhum preso tem autonomia para ditar regras. Essa cartilha é uma afronta ao estado de direito”.

Incineração
Dias após a recusa de Orge, caixas com cópias do manual foram encaminhadas para a penitenciária. O secretário de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Nelson Pelegrino, disse que ordenou a incineração do material. “As caixas chegaram e mandei queimar tudo. Não há possibilidade de serem aplicadas normas feitas por presos”.
Há quase um ano e meio, diz ele, o chamado Comitê Gestor da Segurança, que reúne representantes da segurança, justiça e direitos humanos, já discute um regimento interno para ser aplicado em todas as unidades prisionais do estado. Pelegrino destacou que o código está na Casa Civil aguardando decreto do governador Jaques Wagner.

Juíza surpreendida
A primeira reação foi de sobressalto. A juíza de Execuções Penais, Andremara Santos, ficou impressionada quando teve pela primeira vez em suas mãos, na segunda-feira (5), através do CORREIO, o código de ética publicado pelos presos. Pegou o celular e discou imediatamente para o superintendente de Assuntos Penais da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH), Isidoro Orge. “Por que um documento desses não veio parar nas minhas mãos? Por que não me mandaram isso?”, indagou a juíza. “Eu teria tomado providências”, disse ao superintendente.


Juíza Andremara disse que ficou surpreendida


Para Andremara, o material é subversivo. A juíza admitiu que sabia da existência de uma cartilha, mas não foi informada de que se tratava de documento tão ousado. “Um material desses precisa ser levado em conta. Em vez de desdenhar, a gente tem que perguntar o que o Estado está fazendo pela disciplina na cadeia”.
Logo que terminou a entrevista, Andremara solicitou à sua secretária que enviasse ofício requerendo o material completo. Disse que, após estudar o “estatuto”, pretende enviar uma carta a cada um dos presos, destacando seus direitos e deveres. “Os presos só se submetem porque se sentem desamparados”.

Diretor minimiza
O diretor da Penitenciária Lemos Brito (PLB), Márcio Amorim de Marcelo, afirmou não ver problema na criação e formalização de normas por um interno. “São regras de controle, que já eram vigentes e valiam no dia-a-dia. Eles sentiram a necessidade de organizar convenções”, disse.
Segundo ele, cada um dos quatro pavilhões da unidade adota regras próprias de conduta, mas nenhum chegou a reuni-las em uma cartilha, como fez o pavilhão 1. Há dois meses na direção da unidade, Amorim afirmou que a cartilha não é vista mais circulando no Pavilhão 1, caracterizado pela tranquilidade e organização.


Pavilhão 1 é o mais tranquilo, diz diretor da PLB


Segundo ele, as orientações para a conduta dos presos vão prevalecer, desde que não contrariem as regras da administração. “Não vejo (a cartilha) influenciar no cumprimento das normas impostas pela casa”, justifica. O diretor da PLB defende que este tipo de “organização” facilita o diálogo entre a administração e os internos - representados sempre por uma liderança.
Para o defensor da Vara de Execuções Penais Rafson Ximenes, a adoção de normas de convivência entre os presos é inevitável no sistema carcerário Ele, no entanto, desmistifica a cartilha, tratando-a como algo apenas peculiar. “A organização dos presos é inevitável em qualquer prisão do mundo. A única diferença, nesse caso, é que eles colocaram no papel, o que é uma afronta ao Estado. É ilusão achar que o Estado vai controlar as regras de convivência dos presos na cadeia. Esse código é mais cômico e menos relevante do que se imagina”, opina.

Agentes: entre a cruz e a espada
Na linha de frente do sistema carcerário, os agentes penitenciários precisam manter a ordem estabelecida pela legislação e conviver com as normas da Ordem & Progresso. O diretor de comunicação do Sindicato dos Servidores Penitenciário do Estado da Bahia (Sinspeb), João Santana, diz que a existência de uma cartilha com regras definidas pelo crime preocupa. “O manual interfere no poder público e isso atrapalha o serviço dos agentes. Nos estabelecimentos penais, há regras de convivência. O problema é quando elas subvertem a ordem”, avalia.


Agentes ficam entre o cumprimento das leis e os presos e suas regras


Ele alega que o conflito de cumprimento das regras oficiais e do crime gera embates na cadeia. “Os presos podem não querer cumprir alguma regra e criar problema”, conclui.

Pavilhão 1 é o mais tranquilo da PLB, afirma diretor
Cada pátio tem sua identidade e realidades distintas. A principal característica do pavilhão 1, onde Raimundo Alves de Souza, Ravengar exerceria liderança, da Penitenciária Lemos Brito (PLB), é a tranquilidade. Já o pátio 2 inspira mais cuidados. As observações são do diretor da unidade, Márcio Amorim de Marcelo.
Para o diretor, os internos do pátio 1 são mais envolvidos com atividades laborais. Além disso, o pátio do módulo 1 fica próximo às oficinas. “Os presos desse módulo, em geral, possuem bom comportamento”, destaca.
No total, a penitenciária, que custodia presos condenados em regime fechado, possui quatro módulos em funcionamento. Entre os internos, segundo dados da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, há 15 homens de nacionalidade estrangeira.

268 detentos ocupam as celas do Pavilhão nº 1 da Penitenciária Lemos Brito (PLB)
1.357 é o número de internos da PLB
A capacidade é para 1.030 presos, segundo SJCDH

Quem dita as regras?
Jorge Gauthier
A descoberta da cartilha feita pela comissão Ordem & Progresso para a Penitenciária Lemos Brito (PLB) revela um sistema de normas presente em todas as unidades prisionais. Para o professor Eduardo Paes Machado, do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas da Ufba, especialista em sociologia do crime, a normatização de regras, como foi feita na cartilha de Ravengar, é resultado da ineficiência do Estado no controle dos presos. “O manual é uma forma de organização que contrapõe a organização legal. As cadeias são unidades explosivas, verdadeiros campos minados. Elas são o retrato da arquitetura prisional, marcada pela ineficiência do Estado”, destaca.
Todo agrupamento social tem regras, normas e valores. Com os presos, isso não é diferente. “O fato de ter cometido um crime não isenta as pessoas do direito de organização. Entretanto, devemos ponderar que dentro da cadeia, as leis devem ser determinadas pelo Estado e não pelos internos. O problema é que o Estado não tem sido efetivo”, analisa Paes Machado.
O coordenador do Observatório de Segurança Pública da Bahia, professor Carlos Alberto da Costa Gomes, alerta que as normas de convivência estabelecidas pelos presos são fruto da ausência de autoridade do Estado no cárcere. “Quem manda nos presídios são os presos. Não é o Estado que organiza os presos. Uma prova disso é que, quando o detento causa algum problema, ele é transferido para outra unidade da federação. Isso é controle?”, questiona.
O secretário estadual de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Nelson Pelegrino, defende que as ações do Estado são efetivas. “Sabemos que há regras de convivência na cadeia, mas elas não podem ir de encontro ao determinado pela Lei de Execuções Penais. Quem disciplina a relação dentro do cárcere é o Estado. Todos os direitos e deveres são cumpridos à luz da lei”, afirma Pelegrino.

Organização
Atribui-se o gênese da organização do crime nas cadeias brasileiras ao Comando Vermelho (CV), criado entre 1969 e 1975, em plena Ditadura Militar, no Rio de Janeiro. Fundado no Instituto Penal Cândido Mendes, conhecido como Presídio da Ilha Grande, a facção foi criada a partir do contato de detentos comuns com os presos políticos, que eram bastante organizados.
Inicialmente, o CV lutava contra as condições subumanas que os presos enfrentavam, impostas pelo sistema carcerário e pelos próprios detentos. Na década de 90, surgiu no no Centro de Reabilitação Penitenciária de Taubaté, em São Paulo, o Primeiro Comando da Capital (PCC).
O grupo, criado para defender os direitos dos presos, passou a acolher prisioneiros considerados de alta periculosidade pelas autoridades. Depois, o PCC passou a financiar ações criminosas em São Paulo e no resto do país.

Traficante lidera o pavilhão 1
Mariana Rios
Foi com fama de boa-praça e avesso a confusão que Raimundo Alves de Souza, 57, o Ravengar, se tornou em meados da década de 90 o maior traficante da Bahia. Ele levou essa característica para o pavilhão 1, onde cumpre pena, com outros 255 internos. É atribuída a ele a autoria da cartilha Ordem & progresso. “Ele é liderança, não pode criar problema. É o negociador, o intermediário entre os internos e a administração. Não é bom para ele criar problema”, diz o diretor da Penitenciária Lemos Brito, Márcio Amorim de Marcelo. Em março deste ano, Ravengar foi autuado por tráfico dentro da PLB. Em sua cela, foram encontradas 13 pedras de crack.


Ravengar no dia em que foi preso


Tratamento desigual
Semanalmente, Ravengar se encontra com Marcelo para despachar sobre questões médicas e atendimento jurídico. A juíza da Vara de Execuções Penais, Andremara Santos, critica a orientação jurídica intermediada por um interno. “Soube dessa história de monitor jurídico. Isso só serve para tornar desigual o tratamento com os presos. Aquele que intermedeia o contato com o Estado só vai proteger os que lhe são convenientes. Não se pode dar um cartaz desses às lideranças carcerárias. É por coisas desse tipo que nós estamos encontrando detentos com 17 anos de pena extrapolada”, rebateu.
O criminalista Antonio Carlos dos Santos, advogado de Ravengar, rebate. “É um trabalho de conscientização sobre a forma de reivindicar os direitos dos presos, sem tumultos, ou rebelião. Tenho conhecimento de que, após ele ter sido encaminhado para a PLB, a situação carcerária melhorou bastante”, afirmou.

Negociador
O suposto “viés humanista” de Ravengar já era exercitado no Campo do Águia, em São Gonçalo do Retiro, onde ficava sua fortaleza, invadida em 2004 pela polícia. O clima de tranquilidade ajudava Ravengar a tocar o negócio. Ele também teria construído posto de saúde, creche, reforma do posto policial e apoiado iniciativas como rádio comunitária e curso profissionalizante.

Tráfico controlado
Com a participação de policiais e até de oficial de justiça da Vara de Tóxicos, Ravengar comprava diariamente de dois a quatro quilos de cocaína. Antes de se tornar o maior traficante do estado, Ravengar foi apontador do jogo do bicho, taxista e comercializava maconha no Pelourinho, onde morava. Era acostumado também a fazer aviões de coca em seu táxi.
A era Ravengar marcou uma época em que o tráfico era centralizado, e a violência, disfarçada. A queda dele abriu espaço para que o comércio de drogas se pulverizasse.
Ravengar foi condenado sob acusação de ser o maior traficante da Bahia. A pena de 25 anos foi reduzida para 22. Como cumpriu um sexto, obteve mudança para regime semiaberto, que só não foi efetivado por falta de vaga.

Veja alguns trechos do Estatuto do crime
Obediência II
Não será permitido roubar companheiro de cela.
Pena: prestar serviços de faxineiro no pátio, orar um Pai-nosso ou pregar os joelhos no chão
Obediência IV
Constitui-se desobediência o interno que circular em dias de visita sem camisa, com short apertado e visualmente sem cuecas. O interno que desobedecer será advertido verbalmente pela comissão
Obediência V
Não poderá haver formação de grupos para subverter a ordem dos que vivem sob o domínio da paz. Desobediência leva à não permanência em nosso convívio
Obediência VI
Ficam terminantemente proibidas agressões de qualquer natureza, principalmente aquelas que possam causar lesões físicas graves. Constitui falta, sujeito também a expulsão
Obediência VIII
Não poderá ser comercializado produto de procedência incorreta, exceto aqueles fornecidos pelo titular; aquele que adquiriu o produto do roubo perderá a compra
Obediência X
Não poderá nenhum interno se envolver coma ex-companheira de outro do mesmo módulo; Se for ex-companheira e tiver filhos, fica proibido o relacionamento

(Notícia publicada na edição impressa do dia 06/10/2009 do CORREIO)