Caros,
ontem, o Magistrado GERIVALDO NEIVA (que estará conosco aqui em Porto Velho no dia 13/05), fez um post-show sobre o "colapso" do Poder Judiciário e o publicou em seu BLOG (http://gerivaldoneiva.blogspot.com/). Não aguentei e "furtei" para divulgar aqui no BLOG também!
Boa leitura,
Prof. Matzenbacher
O NORMATIVISMO TOMOU AS RUAS E ENGOLIU O DIREITO
Gerivaldo Neiva, Juiz de Direito, abril/2011
E esse caminho
Que eu mesmo escolhi
É tão fácil seguir
Por não ter onde ir...
(Raul Seixas/Cláudio Roberto – Maluco Beleza)
Esta semana, algumas notícias ajudaram fortalecer a minha impressão de que a sociedade está cada vez mais normatizada e judicializada.
Primeiro, a informação de que “um levantamento atribuído à Casa Civil da Presidência da República estima em 190 mil a quantidade de normas legais de abrangência nacional que juntas formam o chamado arcabouço legal brasileiro”. Depois, a notícia de que “o Complexo Judiciário Ministro Mário Guimarães, na Barra Funda, Zona Oeste de São Paulo, registrou no mês de março a distribuição de 10 mil novas ações. Segundo os dados mais recentes contabilizados pela Corregedoria Geral da Justiça, o Fórum totaliza 97,6 mil processos em tramitação nas 31 Varas Criminais. Nas cinco Varas de Execuções Criminais, estão em andamento outras 78,9 mil ações.” Por fim, a notícia de que “atualmente, tramitam 240.980 processos sobre saúde na Justiça brasileira, sendo 113.953 deles no Rio Grande do Sul. A maior parte são pedidos de medicamentos e procedimentos médicos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), vagas em hospitais públicos, e ações de usuários de seguros e planos privados. Os dados são de uma pesquisa do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde do Conselho Nacional de Justiça”.
Em resumo, o Brasil tem dezenas de milhares de leis e o Judiciário recebe também dezenas de milhares de processos a cada mês. Além disso, a cada crise ou problema nacional, um deputado apresenta mais um projeto de lei para agigantar nosso arcabouço normativo e gerar mais processos. De outro lado, o Estado (União, Estados, Municípios, Empresas Públicas e Autarquias) não cumpre seus compromissos, apostando na morosidade do judiciário e causando o ajuizamento de outras dezenas de milhares de ações. Por fim, grandes empresas (bancos, telefônicas e concessionárias) agem da mesma forma e mais outras dezenas de milhares de ações são ajuizadas por consumidores vilipendiados. É como se estivéssemos transformando o Poder Judiciário em um mero Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC) para solucionar os conflitos criados, propositadamente e artificialmente, pela judicialização permitida e favorecida pelo normativismo.
Custo a acreditar, por exemplo, que o Supremo Tribunal Federal (STF), o nosso Tribunal Constitucional, tenha que decidir se deve ou não aplicar o “princípio da insignificância” ao crime de tentativa (sim, tentativa!) de furto de seis barras de chocolates e outras coisas menos insignificantes ainda, sendo o acusado reincidente ou a depender do destino da coisa furtada (comprar “crack”?). É para isso mesmo que serve um Tribunal Constitucional? Para condenar à prisão pobres delinquentes comuns dependentes de “crack”?
Neste caminhar, portanto, para atender à grande demanda causada propositadamente por poucos e, na falta de outras instâncias de mediação, à grande demanda desnecessária causada por muitos, parece que vamos precisar de um fórum e um juiz em cada cidade, cada bairro, cada rua, cada empresa, cada casa e cada família e, mesmo assim, não vamos conseguir dar resposta a tantas ações, pois estamos normatizando e judicializando desde nossas relações familiares e sociais até a relação com o Estado e grandes empresas. Não existem mais instâncias de mediação. Agora, o fim de todas as relações é a mesa do Juiz e, inevitavelmente, todos os conflitos irão se transformar em litígios para serem conciliados ou julgados por um Juiz e por dentro da estrutura do Poder Judiciário. Todas as relações, até mesmo aquelas mais constrangedoras, estão sendo discutidas e, falsamente, resolvidas na mesa dos juízes.
Isto não vai dar certo. Este caminho não vai dar a lugar nenhum. O judiciário não tem condições de dar resposta a esta demanda e está prestes a implodir. Não adianta o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabelecer metas todos os anos e promover mutirões por todos os lados, inclusive nas penitenciárias, pois a velha estrutura não suporta o peso e vai se quebrar.
Tudo isto é muito grave e demonstra o equívoco deste modelo de Poder Judiciário baseado no acolhimento, em sua estrutura secular, de todos os conflitos gerados por uma sociedade desigual, conflituosa e normatizada. O mais grave, no entanto, é que a doutrina (em boa parte), o ensino jurídico (com exceções) e juízes e Tribunais (em grande parte) acreditam que o Direito se resume ao estudo e aplicação de milhares de leis na solução de conflitos criados pela normatização desenfreada, ou seja, um Direito fundado apenas no conflito e na norma.
O Direito, neste emaranhado de normas e conflitos, um verdadeiro labirinto, parece que não tem mais saída, ou melhor, foi posto a trilhar um caminho que não leva a lugar nenhum. O Direito parece que foi engolido por um monstro de duas cabeças dependentes uma da outra e em eterna luta (de um lado a norma e do outro o conflito) e ganhou as feições de seu predador.
Para não dizer que não falei de flores, penso que o Direito, para sobreviver, precisa de um novo rumo, um norte-constitucional-mínimo (objetivos e fundamentos da República, por exemplo), uma nova forma de se colocar nos fenômenos sociais e, sobretudo, buscar formas para que a sociedade encontre seu destino no diálogo, na harmonia, na mediação de seus conflitos e na liberdade.