hoje, lembrei de uma exposição que fui em Barcelona. Era a "Exposición sobre Arquitectura Judicial i Penitenciària" organizada pelo Departamento de Justicia de la Generalitat de Catalunya. E o objetivo era apresentar os projetos para as construções das novas sedes dos foros e das penitenciárias na região espanhola da Catalunya, visando desmistificar a "Justiça" por sua arquitetura, aproximando a jurisdição dos jurisdicionados.
Então, me lembrei de Garapon, ao falar sobre a sublimação da violência em sua obra "O Guardador de Promessas". Logo, para pensarmos um pouco sobre o tema e depois debatermos, trago um trecho do livro.
Bons pensamentos,
Prof. Matzenbacher
[...] Ficamos igualmente surpreendidos por encontrar num tribunal tantas representações violentas, como bocas de leão impressionantes, objectos cortantes e corpos trespassados. Este simbolismo cruel surpreende: poderíamos pensar que um lugar como este procura, pelo contrário, apaziguar, encorajar a reconciliação através de imagens suaves, inspirar a concórdia.
É que a violência não é aí repelida mas, pelo contrário, mostrada e sublimada. Estas imagens que dificilmente chegam à nossa consciência preenchem sem dúvida um papel de compensação. Estas vinganças terríveis, estas bocas de leão, estas lanças cortantes não somente inspiram o respeito, mas libertam-nos da nossa agressividade, e devolvem-no-la sob uma forma simbólica, eufemizada. Estas representações cruéis, por vezes quase sádicas, dispensam-nos de agir assim, desinteressam-nos dos nossos impulsos escondidos oferecendo o espetáculo terrível, mas libertador, da violência. Elas testemunham a ligação do processo com o sacrifício de que fala René Girard [in "La Violence et le sacré"]. Este simbolismo é tão necessário como a partida... A ausência de autoridade paga-se com um aumento de violência, com um ressurgimento do sacrificial, como o demonstra a evolução da violência na sociedade democrática.
De uma forma diferente da violência relatada pelos meios de comunicação social, o ritual judiciário mostra ao mesmo tempo o espetáculo da transgressão e o da sua assimilação. Dá-lhe assim um sentido e propõe um exutório legítimo. Noutros termos, a violência nunca se deixa ver por acaso: ela manifesta-se com um significado. As reacções suscitadas por esta violência são canalizadas pelo direito e pelo processo. O processo é uma domesticação da violência pelo rito e pelo procedimento. Na audiência, o crime não é repelido, mas repetido num universo simbólico que desarma toda a violência. É simbolicamente reconstruído pela palavra: todos os protagonistas - testemuhas, peritos, polícias - são convocados e convidados a dizer o que se passou. O processo é uma comemoração do crime pela interpretação da palavra e do procedimento. Anula a violência selvagem com uma violência eufemizadam a que é imposta ao acusado. Esta violência catártica não é possível senão pelo efeito de dissimulação realizado pelo ritual. Este espetáculo da violência mediatizada pela palavra está indissoluvelmente ligado ao espetáculo da assimilação da violência. Nos media, pelo contrário, a violência manifesta-se frequentemente gratuita, cruel, absurda; e compreende-se que suscite reacções emotivas descontroladas. Assim, o interesse pela violência de direito comum não pode senão aumentar, devido ao desaparecimento do exutórios clássicos das paixões democráticas, como o eram o combate patriótico, político ou sindical. A sociedade democrática vai tendo mais dificuldade em assumir suas paixões, assim como a emoção pública se vai tornando cada vez menos simbolizável. (grifos meus)
ANTOINE GARAPON in "O Guardador de Promessas: justiça e democracia." (Lisboa: Piaget, 1996, p. 206-207).