domingo, 13 de março de 2011

Fórmula Radbruch


Caros,
conheci a "Fórmula Radbruch" na primeira aula que tive com o Prof. Luciano Feldens, na disciplina de "Teoria Constitucional do Direito Penal" no Programa de Mestrado em Ciências Criminais da PUC/RS. Desde a primeira leitura, esses "cinco minutos" me intrigam e me fazem pensar. Ontem, relendo para preparar uma aula que ministrarei numa especialização em Rio Branco/AC no final dessa semana, me lembrei da importância e da contemporaneidade da fórmula. Então, além de utilizarei na aula, aproveito para postá-la aqui. A "circular" publicada por GUSTAV RADBRUCH, em 12 de setembro de 1945. Radbruch foi Professor de Direito nas Universidade de Heidelberg, Königsberg e Kiel, tendo lecionando Direito Penal, Direito Processual Penal e Filosofia do Direito. Na década de 20 do século passado, foi Deputado e Ministro da Justiça. Em maio de 1933, Radbruch foi afastado de sua cátedra em Heidelberg, à qual somente voltou após a queda do nazismo em 1945, tendo permanecido até sua morte em novembro de 1949. A "circular" intitulada "Cinco Minutos de Filosofia do Direito" foi direcionada aos seus alunos, logo após voltar à cátedra de Filosofia do Direito na Universidade de Heidelbeg em 1945. A versão em português, consta no Apêndice II, da obra "Filosofia do Direito", traduzida por Cabral de Moncada, editada pela Armênio Amado, Editor, Sucessor, de Coimbra, em 1974 (pp. 415-418).
A leitura, possível de ser realizada em cinco minutos, ecoará por muito tempo nas cabeças pensantes e inquietas com o maniquísmo e paleopositivismo jurídico.
Boa leitura e boa semana,

Prof. Matzenbacher


PRIMEIRO MINUTO.

Ordens são ordens, é a lei do soldado. A lei é a lei, diz o jurista. No entanto, ao passo que para o soldado a obrigação e o dever de obediência cessam quando ele souber que a ordem recebida visa a prática dum crime, o jurista, desde que há cerca de cem anos desapareceram os últimos jusnaturalistas, não conhece excepções deste género à validade das leis nem ao preceito de obediência que os cidadãos lhes devem. A lei vale por ser lei, e é lei sempre que, como na generalidade dos casos, tiver do seu lado a força para se fazer impor.
Esta concepção da lei e sua validade, a que chamamos Positivismo, foi a que deixou sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais arbitrárias, mais cruéis e mais criminosas. Torna equivalentes, em última análise, o direito e a força, levando a crer que só onde estiver a segunda estará também o primeiro.

SEGUNDO MINUTO.

Pretendeu-se completar, ou antes, substituir este princípio por este outro: direito é tudo aquilo que for útil ao povo.
Isto quer dizer: arbítrio, violação de tratados, ilegalidade serão direito desde que sejam vantajosos para o povo. Ou melhor, praticamente : aquilo que os detentores do poder do Estado julgarem conveniente para o bem comum, o capricho do déspota, a pena decretada sem lei ou sentença anterior, o assassínio ilegal de doentes, serão direito. E pode até significar ainda: o bem particular dos governantes passará por bem comum de todos. Desta maneira, a identificação do direito com um suposto ou invocado bem da comunidade, transforma um «Estado de Direito» num «Estado contra o Direito».
Não, não deve dizer-se: tudo o que for útil ao povo é direito; mas, ao invés: só o que for direito será útil e proveitoso para o povo.

TERCEIRO MINUTO.

Direito quer dizer o mesmo que vontade e desejo de justiça. Justiça, porém, significa: julgar sem consideração de pessoas; medir a todos pelo mesmo padrão.
Quando se aprova o assassínio de adversários políticos e se ordena o de pessoas de outra raça, ao mesmo tempo que acto idêntico é punido com as penas mais cruéis e afrontosas se praticado contra correligionários, isso é a negação do direito e da justiça.
Quando as leis conscientemente desmentem essa vontade e desejo de justiça, como quando arbitrariamente concedem ou negam a certos homens os direitos naturais da pessoa humana, então carecerão tais leis de qualquer validade, o povo não lhes deverá obediência, e os juristas deverão ser os primeiros a recusar-lhes o carácter de jurídicas.

QUARTO MINUTO.

Certamente, ao lado da justiça o bem comum é também um dos fins do direito. Certamente, a lei, mesmo quando má, conserva ainda um valor: o valor de garantir a segurança do direito perante situações duvidosas. Certamente, a imperfeição humana não consente que sempre e em todos os casos se combinem harmoniosamente nas leis os três valores que todo o direito deve servir: o bem comum, a segurança jurídica e a justiça. Será, muitas vezes, necessário ponderar se a uma lei má, nociva ou injusta, deverá ainda reconhecer-se validade por amor da segurança do direito; ou se, por virtude da sua nocividade ou injustiça, tal validade lhe deverá ser recusada. Mas uma coisa há que deve estar profundamente gravada na consciência do povo e de todos os juristas: pode haver leis tais, com um tal grau de injustiça e de nocividade, que toda a validade e até o carácter de jurídicas não poderão jamais deixar de lhes ser negados.

QUINTO MINUTO.

Há também princípios fundamentais de direito que são mais fortes do que todo e qualquer preceito jurídico positivo, de tal modo que toda a lei que os contrarie não poderá deixar de ser privada de validade. Há quem lhes chame direito natural e quem lhes chame direito racional. Sem dúvida, tais princípios acham-se, no seu pormenor, envoltos em graves dúvidas. Contudo o esforço de séculos conseguiu extrair deles um núcleo seguro e fixo, que reuniu nas chamadas declarações dos direitos do homem e do cidadão, e fê-lo com um consentimento de tal modo universal que, com relação a muitos deles, só um sistemático cepticismo poderá ainda levantar quaisquer dúvidas.
Na linguagem da fé religiosa estes mesmos pensamentos acham-se expressos em duas passagens do Novo Testamento.
Está escrito numa delas (S. Paulo, Aos romanos, 3, 1) : «deveis obediência à autoridade que exerce sobre vós o poder». Mas numa outra (Actos dos Apóstolos, 5, 29) está escrito também: «deveis mais obediência a Deus do que aos homens». E não é isto aí, note-se, a expressão dum simples desejo, mas um autêntico principio jurídico em vigor. Poderia tentar-se resolver o conflito entre estas duas passagens, é certo, por meio de uma terceira, também do Evangelho, que nos diz: «dai a Deus o que é de Deus e a César o que é de César». Tal solução é, porém, impossível. Esta última sentença deixa-nos igualmente na dúvida sobre as fronteiras que separam os dois poderes. Mais: ela deixa afinal a decisão à voz de Deus, àquela voz que só nos fala à consciência em face de cada caso concreto.