01/11/2012
- (se a burocracia não nos tirar o direito de pensar)
Em entrevista exclusiva ao Administradores.com, o sociólogo Domenico de Masi faz projeções sobre o futuro do planeta, explica por que o excesso de trabalho é negativo, critica o Google e o Facebook e, claro, culpa a burocracia pela maioria dos problemas do planeta
Por
Simão Mairins
"Os
burocratas são os assassinos tristes dos alegres criativos". Com essa
pequena frase – tão cheia de efeito quanto de significado – o sociólogo
italiano Domenico de Masi nos respondeu por que odeia tanto a burocracia. E é
justamente essa repulsa a base de boa parte de seu pensamento, que o tornou uma
das figuras de maior influência no mundo desde os anos 1970, quando suas obras
ganharam notoriedade. Para Domenico, a burocracia gera trabalhos
desnecessários, os trabalhos desnecessários nos fazem trabalhar mais, e
trabalhando mais em atividades burocráticas temos menos tempo para dedicar à
atividade intelectual, para ele, o motor que move o mundo (e nas próximas décadas
moverá ainda mais).
O
sociólogo estará no Brasil no próximo dia 5, quando fará a abertura do XXII
ENBRA (Encontro Brasileiro de Administração) e do VIII Congresso Mundial de
Administração, que acontece no Rio de Janeiro. Em entrevista exclusiva ao Administradores.com,
ele adiantou alguns pontos que devem permear sua palestra. Ele faz projeções
sobre o futuro do planeta, explica por que o excesso de trabalho é negativo,
critica o Google e o Facebook e, claro, culpa a burocracia pela maioria dos
problemas do planeta (lembrando que, para ele, a burocracia não é simplesmente
a demora na tramitação de um documento em um órgão público, mas todas as
dificuldades cotidianas que os processos - muitas vezes inúteis - que criamos
no dia a dia geram para nossas vidas).
O
tema de sua palestra na abertura do Enbra será "Uma era de justiça social:
como promover um crescimento forte, sustentável, equilibrado e
igualitário". Nossa pergunta, então, é: como, de fato, promover isso?
Nos
próximos dez anos, o PIB per capita do mundo será de 15.000 dólares, contra os
atuais 8.000. Mas o poder de compra no Ocidente será 15% inferior. O Primeiro
Mundo vai conservar a supremacia na produção de ideias. Os países emergentes
produzirão sobretudo bens materiais. O terceiro mundo fornecerá matérias-primas
e mão-de-obra barata. O PIB da China será como o dos EUA, possuirá os maiores
bancos do mundo e 15 megalópoles com mais de 25 milhões de habitantes.
Paralelamente aos Bric (Brasil, Rússia, India e China), emergirão os Civets
(Colômbia, Indonésia, Vietnã, Egito, Turquia e África do Sul). Alguns países
ainda pobres verão crescer a própria riqueza. Outros, já ricos, verão sua
riqueza decrescer. Em ambos os casos será necessária a redistribuição
igualitária (justa) do poder, da riqueza, do trabalho, do saber, das
oportunidades e dos direitos.
Hoje,
diversas empresas aclamadas no mundo, como Google e Facebook, se orgulham do
fato de oferecerem aos seus colaboradores a possibilidade de desfrutarem,
durante o expediente, de horas vagas, dedicadas a projetos paralelos ou
atividades meramente recreativas. Isso é o princípio do ócio criativo
tornando-se paradigma no mercado? De forma prática, como seu conceito pode
fazer a diferença, ao mesmo tempo, para uma empresa e seus trabalhadores?
O
"ócio criativo" é como chamo o trabalho intelectual que consente
contemporaneamente que sejam criadas riquezas por meio do/pelo trabalho,
conhecimento por meio do estudo, bem-estar por meio do jogo/da brincadeira/do
lúdico. Empresas como o Google e o Facebook, unindo trabalho e recreação,
satisfazem o lado infantil do trabalhador, mas não eliminam completamente os
paradoxos existentes em todas as organizações empresariais gerenciadas no modo
industrial. Elenco algumas:
-
A oferta de trabalho diminui, a demanda de trabalho cresce e o horário de
trabalho continua o mesmo ou maior. Os pais, então, trabalham 10 horas por dia
e os filhos estão completamente desocupados (como é o caso da Espanha, por
exemplo).
-
Temos cada vez mais liberdade sexual, mas as empresas estão cada dia mais
sexofóbicas.
-
A produção de ideias necessita de autonomia e de liberdade, mas as empresas se
burocratizam cada vez mais.
-
O trabalho intelectual requer motivação, mas costuma ser conduzido sobretudo
pelo controle e pelo medo.
-
As mulheres estudam e trabalham melhor, mas fazem menos carreiras e têm
salários menores.
Você
faz parte de uma corrente otimista, que defende a ideia de que chegaremos a um
ponto de sociedade pós-industrial dedicada ao lazer e ócio criativo.
Entretanto, essa crise global parece levar a humanidade em outra direção, onde
sequer o trabalho "comum" está disponível para a maior parte das
pessoas. Esse cenário atual o fez em algum momento questionar suas crenças?
O
ócio criativo é a modalidade com a qual podem trabalhar, estudar, brincar e
viver os trabalhadores que desenvolvem atividades intelectuais — executivos,
administradores, profissionais, dirigentes, jornalistas, estudantes,
professores, artistas, cientistas etc. Estes trabalhadores representam agora 70%
da população ativa. Sou otimista porque, graças ao progresso tecnológico, o
número dos trabalhadores intelectuais aumentará sempre mais, enquanto o dos
operários condenados à fadiga física diminuirá. Isto determina a passagem da
sociedade industrial, que produz sobretudo bens materiais, à pós-industrial,
que produz sobretudo bens imateriais (serviços, informações, símbolos, valores,
estética). O ócio criativo é a modalidade com a qual trabalha e vive todo
trabalhador intelectual não alienado.
Na
Europa, economistas, governos, o BCE e bancos privados atribuem a crise, entre
outras coisas, a supostos excessos de privilégios garantidos pelo estado de bem
estar social. Como você vê essa questão? A busca pela qualidade de vida, a
felicidade, são incompatíveis com o modelo de sociedade que o estágio atual do
capitalismo impõe?
O
welfare — bem-estar social — é a criação mais nobre da sociedade europeia. Na
Alemanha, Inglaterra, nos países escandinavos, onde o Estado gasta mais com o
welfare e o bem-estar é mais garantido, os balanços do Estado são mais
saudáveis e regulares. Na Grécia, Itália, Espanha e Portugal, onde o Estado
gasta menos com o welfare e o bem-estar é menos garantido, os balanços do
Estado também estão em déficit. O atual modelo capitalista é baseado na falsa
certeza de um crescimento infinito, de um consumismo exagerado, de uma
competitividade selvagem. Neste capitalismo, a economia tem vantagem sobre a
política, as finanças têm vantagem sobre a economia, a tática tem vantagem
sobre a estratégia. É necessária a elaboração de um novo modelo de sociedade no
qual a política tenha a responsabilidade por um longo tempo, a economia se
interesse por um tempo a médio prazo e a finança fique rigidamente restrita em
operações de curto espaço de tempo.
Você
é um crítico ferrenho da burocracia. Por quê?
Os
burocratas são os assassinos tristes dos alegres criativos.
Você
acredita que hoje, mais do que em qualquer outra época, o mundo é de quem tem
boas ideias? Por quê?
A
sociedade pós-industrial é baseada na projeção do futuro. O futuro se projeta
com fantasia e de forma concreta. Isto é, com criatividade e sabedoria
Fonte:
www.administradores.com.br