domingo, 28 de fevereiro de 2010

STF - Liberdade para acusados de tráfico


Caros,
vejam a decisão em sede liminar de habeas corpus (HC 101.272), proferida pelo Ministro CEZAR PELUSO, do STF, concedendo a liberdade para acusados que haviam sido presos em flagrante pelo delito de tráfico de drogas. Acertada a decisão, pois o fato de ter cometido o delito em questão não justifica a privação da liberdade, com consonância com os ditames constitucionais: presunção de inocência, devido processo legal e dignidade da pessoa humana.
Além disso, tem uma questão para os alunos de Direito Processual Penal III: o efeito extensivo dos recursos, conforme previsto no art. 580 do CPP.
Abraços e bom final de domingo,

Prof. Matzenbacher


DECISÃO: 1. Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de GIDEWALDO DE OLIVEIRA SOUSA e JOSÉ DOS REIS SALAZAR MOREIRA, contra decisão do Superior Tribunal de Justiça, que, ao julgar o HC nº 136.923, lhe indeferiu a ordem.

Os pacientes foram presos em flagrante, juntamente com co-réu, como incursos nas penas dos arts. 33 e 35 da Lei nº 11.343/06. Transcorridos quatro meses da prisão em flagrante sem a intimação para apresentar defesa preliminar, impetrou-se habeas corpus em favor do co-réu, por injustificável excesso de prazo. A ordem foi concedida, sem, contudo, ser estendida aos co-réus ora pacientes (fl. 24).

Novo pedido foi impetrado, agora diretamente em favor dos pacientes. A ordem foi indeferida pelo Tribunal local, nos termos do art. 44 da Lei nº 11.343/06 (fl. 26). Impetrou-se, então, habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça, que o denegou, conforme se vê da ementa a seguir transcrita:

HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. TRÁFICO DE DROGAS. APREENSÃO DE 32 KG DE MACONHA. PRISÃO EM FLAGRANTE EM 20.10.08. LIBERDADE PROVISÓRIA. VEDAÇÃO LEGAL. NORMA ESPECIAL. LEI 11.343/2006. EXCESSO DE PRAZO (11 MESES) JUSTIFICADO. PLURALIDADE DE RÉUS (3 PESSOAS). NECESSIDADE DE EXPEDIÇÃO DE CARTA PRECATÓRIA. RÉUS PRESOS EM OUTRA COMARCA. PARECER DO MPF PELO INDEFERIMENTO DO WRIT. ORDEM DENEGADA.

1. A vedação de concessão de liberdade provisória, na hipótese de acusados da prática de tráfico ilícito de entorpecentes, encontra amparo no art. 44 da Lei 11.343/06 (nova Lei de Tóxicos), que é norma especial em relação ao parágrafo único do art. 310 do CPP e à Lei de Crimes Hediondos, com a nova redação dada pela Lei 11.464/2007.

2. Referida vedação legal é, portanto, razão idônea e suficiente para o indeferimento da benesse, de sorte que prescinde de maiores digressões a decisão que indefere o pedido de liberdade provisória, nestes casos.

3. In casu, presentes indícios veementes de autoria e provada a materialidade do delito, a manutenção da prisão cautelar encontra-se plenamente justificada na garantia da ordem pública, tendo em vista a quantidade de entorpecentes apreendidos (32 Kg de maconha).

4. A concessão de Habeas Corpus em razão da configuração de excesso de prazo é medida de todo excepcional, somente admitida nos casos em que a dilação (A) seja decorrência exclusiva de diligências suscitadas pela acusação; (B) resulte da inércia do próprio aparato judicial, em obediência ao princípio da razoável duração do processo, previsto no art. 5o., LXXVIII da Constituição Federal; ou (C) implique em ofensa ao princípio da razoabilidade.

5. No presente caso, a dilação para a conclusão da instrução pode ser debitada à complexidade do feito, à quantidade de acusados (3 pessoas), bem como pela necessidade de expedição de cartas precatórias.

6. Ordem denegada, em consonância com o parecer ministerial” (fls. 90-91)

Alega, aqui, a defesa que a não-concessão do habeas corpus aos pacientes representa violação ao princípio da igualdade, diante da concessão de idêntica medida a co-réu na mesma situação. Ressalta que a demora na conclusão do processo se deve exclusivamente a não-localização das testemunhas arroladas pelo réu solto, não sendo tal demora imputável à defesa dos pacientes. Salienta que o processo já perdura por mais de 1 (um) ano sem julgamento.

Requer, liminarmente, seja expedido alvará de soltura em favor dos pacientes. No mérito, aduz igual pedido.

2. É caso de liminar.

Conquanto o juízo de primeiro grau, ao prestar as informações (fls. 127 e seguintes), tenha afirmado que a demora processual não é imputável ao Poder Judiciário, noto que não se refutou a alegação da defesa de que a demora para o início da instrução se deveu “em razão dos acusados estarem custodiados em Caxias/MA, em virtude da superlotação da Cadeia de Codó, e sobretudo, por falha da Secretaria Judicial da 3ª Vara de Caxias, que procedeu a notificação incompleta dos três acusados, em autos de Carta Precatória” (fl. 129).

Ora, é fato incontroverso que o Tribunal local concedeu habeas corpus para que o co-réu INAJARO, preso nas mesmas circunstâncias que os ora pacientes, pudesse responder solto ao processo, diante do excesso de prazo sem intimação para o oferecimento de defesa preliminar (fls. 121-125). Assim, o indeferimento, pelo mesmo Tribunal, de medida idêntica impetrada em favor dos demais co-réus representa, a princípio, violação ao disposto no art. 580 do Código de Processo Penal.

3. Ademais, vê-se que o Tribunal local, ao negar o habeas corpus impetrado em favor dos pacientes, o fez tão-somente com base na vedação legal prevista no art. 44 da Lei nº 11.343/06. Tal fundamento foi reiterado pelo acórdão do STJ, ora impugnado, que mencionou ainda a quantidade de droga apreendida (32 quilos de maconha) como evidência da necessidade de acautelar a ordem pública.

Inicialmente, cumpre salientar que a Segunda Turma tem rejeitado a mera referência ao art. 44 da Lei nº 11.343/06 como suficiente a manter a prisão em flagrante, uma vez que tal determinação “é expressiva de afronta aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana (arts. 1º, III, e 5º, LIV e LVII da Constituição do Brasil). Daí resultar inadmissível, em face dessas garantias constitucionais, possa alguém ser compelido a cumprir pena sem decisão transitada em julgado, além do mais impossibilitado de usufruir benefícios da execução penal” (HC 99.278/MC, Rel. Min. EROS GRAU, DJe 04/06/2009. No mesmo sentido: HC nº 99.832, Rel. Min. CELSO DE MELLO, j. 17/11/2009; HC nº 100.742, Rel. Min. CELSO DE MELLO, j. 03/11/2009; HC nº 93.056, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ 15/05/2009; HC nº 99.043/MC, Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJe 03/06/2009;

HC nº 100.733/MC, Rel. Min. EROS GRAU, DJ 10/11/2009). Assim, a prisão preventiva deve encontrar suporte em alguma das hipóteses do art. 312 do Código de Processo Penal.

Soma-se a isso o fato de o acórdão do STJ ter-se fundamentado em razões não consideradas pela decisão do Tribunal local - a saber, a quantidade de droga apreendida como prova da necessidade da prisão para garantia da ordem pública.

Mas esta Corte não admite o suprimento de novos fundamentos em habeas corpus, quando a falta ou insuficiência de fundamentação constitua causa de nulidade de decisão (HC nº 44.299, Rel. Min. EVANDRO LINS, DJ 23.03.68; RHC n° 56.900 e RHC n° 57.766, Rel. Min. RAFAEL MAYER, RTJ 89/451 e 93/582; RHC n° 65.736, Rel. Min. FRANCISCO REZEK, RTJ 125/592; HC nº 75.731, HC nº 83.828, RHC n° 84.293 e HC n° 85.238, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ 17/04/1998, DJ 20/02/2004, DJ 13/08/2004 e DJ 30/09/2005; HC n° 84.448, Rel. p/ ac. Min. EROS GRAU; DJ 19/08/2005; HC nº 89.501, Rel. Min. CELSO DE MELLO; DJ 16/03/2007).

Sobre o tema, ponderou o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE:

“(...) no julgamento do habeas-corpus que impugna a fundamentação de decisões do primeiro grau constritivas da liberdade do paciente, não cabe às sucessivas instâncias, para denegar a ordem, suprir a sua deficiência originária, mediante achegas de novos motivos por elas não aventados.

A motivação é requisito essencial da decretação da prisão preventiva: por isso, quando impugna a existência ou idoneidade dela, é apenas a questão processual de sua validade que a impetração submete aos tribunais, aos quais não se devolve a questão de mérito de ser ou não justa, no caso, por outros motivos, a cautelar questionada” (HC 81.148, RTJ 179/1135-1136).

A menção à quantidade de droga apreendida, não adotada pela decisão do Tribunal de Justiça como fundamento para a medida cautelar, fulmina o acórdão de nulidade.

4. Ante ao exposto, concedo a liminar, para que os pacientes aguardem em liberdade o julgamento do mérito deste habeas corpus, ou o eventual trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Comunique-se, via ofício e fac-símile, o teor da presente decisão ao Superior Tribunal de Justiça, ao Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão e ao juízo da 3ª Vara da comarca de Codó/MA.

Estando os autos devidamente instruídos, dê-se vista ao Procurador-Geral da República, para parecer.

Publique-se. Int..

Brasília, 9 de fevereiro de 2010.

Ministro CEZAR PELUSO

Relator