sábado, 18 de fevereiro de 2012

Crítica a (absurda) dosimetria da pena de Lindemberg


Caros,

nessa semana LINDEMBERG ALVES FERNANDES foi julgado pelo Tribunal do Júri de Santo André – SP. A condenação já era esperada. Aliás, o caso já estava julgado (pela implacável e aniquiladora mídia). Logicamente que, aquele que cometeu um ato delituoso, desde que devidamente provado num processo penal com respeito às garantias fundamentais que existem para impedir qualquer restrição da liberdade de forma arbitrária, abusiva e desproporcional, deve receber uma pena, ainda que sua função seja agnóstica. Enfim, como noticiado aos quatro ventos, a pena aplicada ao Réu foi de 98 anos, o que já me chamou a atenção em termos quantitativos beirando o absurdo. Lendo, constatei o referido absurdo. Na sentença (logo abaixo), nota-se flagrante desproporcionalidade desses 98 anos de pena privativa de liberdade. Assim, após a sentença, seguem algumas linhas críticas quanto à dosimetria da pena. Não estarei questionando a condenação, mas sim os fundamentos no tocante à aplicação da pena pela Juíza. Boa leitura!

“Submetido a julgamento nesta data, o Colendo Conselho de Sentença reconheceu que o réu LINDEMBERG ALVES FERNANDES praticou o crime de homicídio qualificado pelo motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima (vítima Eloá Cristina Pimentel da Silva), o crime de homicídio tentado qualificado pelo motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima (vítima Nayara Rodrigues da Silva), o crime de homicídio qualificado tentado (vítima Atos Antonio Valeriano), cinco crimes de cárcere privado e quatro crimes de disparo de arma de fogo.
Passo a dosar a pena:
O julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade todos os elementos que dizem respeito ao fato e ao criminoso, obedecidos e sopesados todos os critérios estabelecidos no artigo 59 do Código Penal, para aplicar, de forma justa e equilibrada, a reprimenda que seja, proporcionalmente, necessária e suficiente para a reprovação do crime.
Deve o Magistrado, atrelado a regras de majoração da pena, aumentá-la até o montante que considerar correto, tendo em vista as circunstâncias peculiares de cada caso, desde que o faça fundamentadamente e dentro dos parâmetros legais.
A sociedade, atualmente, espera que o juiz se liberte do fetichismo da pena mínima, de modo a ajustar o quantum da sanção e a sua modalidade de acordo com a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias do crime, bem como o comportamento da vítima.
Pois bem.
Todas as condutas incriminadas, atribuídas ao réu e reconhecidas pelo Egrégio Conselho de Sentença incidem no mesmo juízo de reprovabilidade. Portanto, impõe-se uma única apreciação sobre as circunstâncias judiciais enunciadas no artigo 59 do Código Penal, evitando-se assim, repetições desnecessárias.
As circunstâncias judiciais do artigo 59, do Código Penal, não são totalmente favoráveis ao acusado, razão pela qual a pena base de cada crime será fixada acima do mínimo legal.
Com efeito, a personalidade e conduta social apresentadas pelo acusado, bem como as circunstâncias e consequências dos crimes demonstram conduta que extrapola o dolo normal previsto nos tipos penais, diferenciando-se dos demais casos similares, o que reclama reação severa, proporcional e seguramente eficaz. (STF - RT 741/534).
Esta aferição encontra guarida no princípio da individualização da pena e deve ser realizada em cada caso concreto (CF/ 88, art.5º XLVI).
Os crimes praticados atingiram o grau máximo de censurabilidade que a violação da lei penal pode atingir.
Na hipótese vertente, as circunstâncias delineadas nos autos demonstram que o réu agiu com frieza, premeditadamente, em razão de orgulho e egoísmo, sob a premissa de que Eloá não poderia, por vontade própria, terminar o relacionamento amoroso. Tal estado de espírito do agente constituiu a força que determinou a sua ação.
E, nesse contexto, envolveu não apenas tal vítima, mas também Nayara, Iago e Vitor, amigos que a acompanhavam na data em que o acusado invadiu o apartamento. Durante o cárcere privado, as vítimas, desarmadas e indefesas, permaneceram subjugadas pelo agente, sob intensa pressão psicológica, a par de agressões físicas contra todos perpetradas.
Durante a barbárie, o réu deu-se ao trabalho de, por telefone, dar entrevistas a apresentadores de televisão, reforçando, assim, seu comportamento audacioso e frieza assustadores. Lindemberg Alves Fernandes chegou a pendurar uma camiseta de time de futebol na janela da residência invadida.
Não posso olvidar, nesse contexto, as consequências no tocante aos familiares das vítimas.
Durante o cárcere privado, a angústia dos familiares, mormente de Eloá e Nayara, que por mais tempo permaneceram subjugadas pelo réu, que demonstrava constante oscilação emocional, agressividade, atingiu patamar insuportável diante da iminência de morte, tendo por ápice os disparos que foram a causa da morte de Eloá e das lesões sofridas por Nayara.
E depois dos fatos, as vítimas Nayara, Victor e Yago sofreram alterações nas atividades rotineiras, além de terem de se submeter a tratamentos psicológicos e psiquiátricos.
Ainda, além de eliminar a vida de uma jovem de 15 anos de idade e de quase matar Nayara e o bravo policial militar Atos Antonio Valeriano, o réu causou enorme transtorno para a comunidade e para o próprio Estado, que mobilizou grande aparato policial para tentar demovê-lo de sua bárbara e cruel intenção criminosa.
Os crimes tiveram enorme repercussão social e causaram grande comoção na população, estarrecida pelos dias de horror e pânico que o réu propiciou às indefesas vítimas.
Em suma, a culpabilidade, a personalidade do réu, seus egoísticos e abjetos motivos, as circunstâncias e nefastas consequências do crime impõem a esta a Julgadora, para a correta reprovação e prevenção de outros crimes, a fixação da pena, na primeira fase de aplicação, em seu patamar máximo cominada para cada delito, ou seja, 30 anos de reclusão para o crime de homicídio qualificado praticado contra Eloá; 30 anos para o crime de tentativa de homicídio qualificado praticado contra Nayara; 30 anos para o crime de tentativa de homicídio perpetrado contra a vítima Atos; 05 anos de reclusão para cada crime de cárcere privado (contra Iago, Vitor, Eloá e Nayara, por duas vezes) e de 04 anos de reclusão e pagamento de 360 (trezentos e sessenta dias multa) para cada crime de disparo de arma de fogo (quatro vezes).
Na segunda fase, não incidem agravantes. Presente a atenuante da confissão espontânea em relação aos crimes de disparo de arma de fogo descritos nas nona e décima séries e cárcere privado da vítima Eloá, reduzo as reprimendas em 1/6, o que perfaz 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses para o crime de cárcere privado e 03 anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 300 dias multa, para cada um dos crimes de disparo de arma de fogo.
Não incidem causas de aumento de pena.
Reconhecida a tentativa de homicídio contra Nayara, reduzo a pena no patamar mínimo de 1/3, tendo em vista o laudo pericial juntado a fls. 678/679 e necessidade de futura intervenção cirúrgica para reconstrução dos ossos da face, concretizando-a em 20 (vinte) anos de reclusão.
Em relação à tentativa de homicídio contra o policial militar Atos, aplico a redução máxima de 2/3, uma vez que a vítima não sofreu lesão corporal, o que perfaz 10 (dez) anos de reclusão.
Os crimes foram praticados nos moldes do artigo 69, do Código Penal.
Constatado que o réu agiu com desígnios autônomos, almejando dolosamente a produção de todos os resultados, voltados individual e autonomamente contra cada vítima, afasta-se qualquer das figuras aglutinadoras das penas (artigos 70 e 71 do Código Penal) e reconhecendo-se o concurso material de crimes, previsto no artigo 69, do Código Penal.
Somadas, as penas totalizam 98 anos e 10 meses de reclusão e pagamento de 1320 dias – multa, o unitário no mínimo legal.
Para o início de cumprimento da pena privativa de liberdade, fixo o regime inicialmente fechado. Incidem os artigos 33, §2º, “a”, do Código Penal, artigos 1º, inciso I, e 2º, §1º, ambos da Lei nº 8.072/90, em relação aos crimes dolosos contra a vida.
É, ademais, o único adequado à consecução das finalidades da sanção penal, consideradas as circunstâncias em que os crimes foram praticados, que bem demonstraram ousadia, periculosidade do agente e personalidade inteiramente avessa aos preceitos que presidem a convivência social, bem como as consequências de suas condutas.
As ações, nos moldes em que reconhecidas pelo Conselho de Sentença, denotam personalidade agressiva, menosprezo pela integridade corporal, psicológica e pela própria vida das vítimas, o que exige pronta resposta penal. Como fundamentado na primeira etapa da dosimetria da pena, as circunstâncias judiciais são totalmente desfavoráveis ao réu (§3º do artigo 33, do Código Penal).
E por tais razões não é possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito ou a concessão de sursis, diante do quantum fixado e da ausência dos requisitos subjetivos previstos nos incisos III, do art. 44 e II, do art. 77, ambos do Código Penal.
Saliento, ainda, a vedação prevista no artigo 69, parágrafo primeiro, do Código Penal, bem como que as benesses implicariam incentivo à reiteração das condutas e impunidade.
Em face da decisão resultante da vontade soberana dos Senhores Jurados, julgo PROCEDENTE a pretensão punitiva do Estado, para condenar LINDEMBERG ALVES FERNANDES, qualificado nos autos, como incurso nas sanções do artigo 121, parágrafo 2º, incisos I e IV (vítima Eloá), artigo 121, parágrafo 2º, incisos I e IV, c.c. artigo 14, inciso II (vítima Nayara), artigo 121, parágrafo 2º, inciso V, c.c. artigo 14, inciso II, (vítima Atos), artigo 148, parágrafo 1º, inciso IV, por cinco vezes, (vítimas Eloá, Victor, Iago e Nayara, esta por duas vezes), todos do Código Penal, e artigo 15, caput, da Lei nº 10.826/03, por quatro vezes, à pena de 98 (anos) e 10 (meses) de reclusão e pagamento de 1320 dias-multa, no valor unitário mínimo legal.
O réu foi preso em flagrante encontrando-se detido até então. Nenhum sentido faria, pois, que após a condenação, viesse a ser solto, sobretudo quando os motivos que ensejaram o decreto da custódia cautelar (CPP, art. 312), foram ainda mais reforçados pelo Tribunal do Júri, cuja decisão é soberana.
Denego a ele, assim, o direito de apelar em liberdade.
Recomende-se o réu na prisão em que se encontra recolhido.
Após o trânsito em julgado, lance-se o nome do réu no rol de culpados.
No mais, tendo em vista a exibição em sessão plenária de colete à prova de balas, fato consignado em ata, artefato sujeito à regulamentação legal e específica e em não sendo exibida documentação relativa a tal instrumento, remeta-se cópia da ata da sessão plenária ao Ministério Público para ciência quanto ao ocorrido.
Ainda, também durante os debates, na presença de todas as partes e do público, a Defensora do réu Dra. Ana Lúcia Assad, de forma jocosa, irônica e desrespeitosa, aconselhou um membro do Poder Judiciário a “voltar a estudar”, fato exaustivamente divulgado pelos meios de comunicação.
Nestes termos, considerando a prática, em tese, de crime contra a honra e o disposto no parágrafo único do artigo 145, do Código Penal, determino a extração de cópia da presente decisão e remessa ao Ministério Público local, para providências eventualmente cabíveis à espécie.
Decisão publicada hoje, neste Plenário do Tribunal do Júri desta cidade, às 19: 52 horas, saindo os presentes intimados.
Custas na forma da lei.
Registre-se, cumpra-se e comunique-se.
Santo André, 16 de fevereiro de 2012.

MILENA DIAS
Juíza de Direito”

RESSALTO: não estou aqui criticando a condenação (até porque já era certa), mas tão somente a dosimetria da pena. Bom, vamos a ela...

Já fiquei com ânsia ao começar a ler a sentença, causada pelo desvirtuamento da função jurisdicional da Magistrada, a qual já (in)veste (n)uma capa de justiceira social, afirmando nuamente, logo no início do edito condenatório, quando toma para ti as dores publica(da)s e “sociais” para fazer (in)justiça com as próprias mãos. Opa, quer dizer, com a própria caneta. Veja-se: “A sociedade, atualmente, espera que o juiz se liberte do fetichismo da pena mínima”. Para mim, uma “toga” dessas soa um tanto quanto preocupante, pois busca legitimar um agir que só foi abastecido pelos microfones e holofotes da mídia a revelia de um jovem sentado no banco dos réus. Sim, por mais bárbaro que possa ser um crime (qualquer), não se pode esquecer que quem está em julgamento pelos homens (e mulheres) é também um ser humano. E ser o protagonista de um julgamento midiático é como ganhar na loteria, e seus correlatos 15 minutos de fama.

Com o CNJ na cola e a mídia no nariz, deturpa-se a qualidade pela quantidade. E Lindemberg também foi vítima na sentença, ao ser condenado por 12 crimes(!). Qualquer aluno de Direito Penal II que não se sinta à vontade com o (paleo)positivismo reinante, e que reflita, pense e critique o status quo social, judicial e judiciário, poderá fazer as mesmas observações.

Pois bem.

Condená-lo por 12 crimes e entender que uma única apreciação de todas as circunstancias judiciais do artigo 59 bastam para aferir o quantum de pena na primeira fase da dosimetria me parece de uma levianidade para com o (ser)humano, e uma maculação do princípio da individualização da pena. Ou estou enganado?

Provada a autoria e a materialidade seguindo as regras do jogo (do devido processo legal-penal), o Réu deve receber uma reprimenda pelos crimes cometidos, nas exatas medidas da sua culpabilidade, considerando a pluralidade de crimes, e não como um conjunto. E no caso questionado, há inúmeros equívocos no que tange ao “concurso” de crimes.

Agindo assim (uma análise única das circunstancias judiciais), a Magistrada nega fatores pecualiares (para não dizer determinantes) que interferem, ou deveriam interferir, na análise das circunstancias judiciais para elevar a pena além de mínimo legal em todos os crimes. E mais, valorou todas as circunstâncias judiciais negativamente(!). Debatendo essa sentença com meu amigo Flori ontem à noite, ele lembrou das palavras do ex-presidente Lula, ao afirmar que "nunca antes na história desse país, vi uma valoração negativa de todas as circunstâncias judiciais que elevassem ao teto máximo da pena" para todos os crimes(!).

E a sentença é contraditória e omissa, pois no início a Magistrada afirma que “as circunstâncias judiciais do artigo 59, o Código Penal, não são totalmente favoráveis ao acusado”, e depois, ao final, afirma que “como fundamentado na primeira etapa da dosimetria da pena, as circunstancias judiciais são totalmente desfavoráveis ao réu”. Ora, ou é uma coisa ou é outra, mas não pode ser as duas. E mais, ela sequer considerou os antecedentes do Réu(!), violando assim uma circunstancia importantíssima para a o cálculo da pena. Sequer foi referido pela Juíza essa circunstância. Mais, as circunstancias do fato em si, também foram completamente negadas, posto que referiu uma intervenção da mídia de maneira a “atestar a má(?) personalidade do Réu” olvidando-se (propositalmente) da repercussão midiática, invasiva e irresponsável, bem como a (péssima e lamentável) atuação policial no caso. “Deu-se ao trabalho de, por telefone, dar entrevistas a apresentadores de televisão”, como se isso fosse uma questão de frieza, olvidando-se que a utilização da mídia, direta pelo Réu, foi um fator benéfico para a garantia e sua sobrevivência, ao tentar impedir que fosse assassinado pelo Estado diante de tantas e tantas câmaras. Ocorre uma inversão de valores fantástica! Mais: além de não levar em consideração os antecedentes (vai ver porque são positivos), a Juíza em pura “inspiração” (leia-se vingança) criativa cria uma nova circunstância judicial: “a angústia dos familiares”. Estou com um Código Penal da Saraiva de 2012 e tal não consta na redação do artigo 59...

Sei que a Magistrada é formada em Direito, mas não sei se é formada em psicologia ou em medicina com residência em psiquiatria (portanto, se alguém souber e ela efetivamente for, desconsidere as linhas até o final desse parágrafo) para poder valorar (seja positiva ou negativamente) a personalidade do Réu. Logo, deve(ria) ser valorada positivamente pela falta de conhecimentos técnicos que permitam atingir o patamar mínimo para reprovação (valoração negativa) dessa circunstancia judicial em especial. Pior: a personalidade foi julgada pela visão midiática(!).

Afirma a Juíza que o agir “superou o dolo normal”(?). Ora, a reprovação além de já se encontrar na própria regra legislativa, através de figuras qualificadoras, está sendo utilizada como bis in idem pela Magistrada para majorar desproporcionalmente a pena além do mínimo legal. Quer dizer, para aplicá-la em seu teto máximo na primeira fase da dosimetria.  O delito de homicídio qualificado tem o quantum de pena estipulado entre 12 a 30 anos, e a Juíza aplicou 30 anos para o homicídio consumado e para os tentados (para depois aplicar a causa de diminuição). E aqui a situação é esdrúxula: na própria sentença a Magistrada reconhece que a causa originária do(s) ato(s) foi por Eloá “terminar o relacionamento amoroso”. Ora, a passionalidade está flagrantemente presente no caso em questão! Logo, a qualificadora por “motivo torpe” cai por terra, e isso é pacífico na doutrina e jurisprudência pátrias.

Também não consigo vislumbrar a qualificadora do “recurso que impediu a defesa das vítimas”, pois Eloá e Nayara estavam sendo vítimas permanentes de outro delito, o cárcere privado(!). E em relação a esse delito, a Magistrada aplicou também a pena máxima de 05 anos para “cada cárcere privado” (num total de 5, sendo que Nayara teria sofrido a restrição da liberdade 2x). Espera aí: foi apenas uma ação, não foi? No momento em que Lindemberg entrou na residência da ex-namorada, sequer sabia que havia outras pessoas além de Eloá dentro do apartamento, logo, não houve premeditação (agir doloso) de praticar cárcere privado seja contra Eloá, seja contra outras 03 pessoas. Aqui, a redação do artigo 70 do Código Penal é cristalina(!). Logo, a aplicação de concurso material entre o(s) crime(s) de cárcere privado é completamente descabido. Ainda, não se pode olvidar, que se trata de crime permanente. Logo, se fosse possível admitir um concurso material no presente caso, o tempo de manutenção das restrições da liberdade de cada vítima deveria ser levado em consideração, e, nessa senda, Vitor e Iago ficaram menos tempo do que Nayara, que ficou menos tempo que Eloá. Mais: entendeu que o crime de cárcere privado contra Nayara foi praticado 2x(!). Lembrem que essa segunda, suposta, ação, foi realizada por um agir positivo (logo, “por culpa”, para os leigos) exclusivo (para não dizer estúpido e desumano) da Polícia Militar, que após ter conseguido negociar a liberação de Nayara como refém, a devolve para o cárcere (é surreal). Portanto, ainda que se admitisse um novo agir, essa seria a única possibilidade de entender um concurso material entre duas práticas do art. 148 do Código Penal. E, além do “bravo policial”, não encontrei nenhuma citação sobre a (exitosa?) tática policial que devolveu Nayara para dentro do apartamento, além de não estarem preparados para invadir a residência, tendo sérias dificuldades, o que colaborou, sobremaneira, para uma situação de pavor e descontrole de qualquer um em uma situação como esta, empunhando uma arma na mão. Mas, além de ser vingativa, valorar através de uma apreciação única as circunstâncias judiciais, impedem que a liberdade seja restringida na sua (exata) medida.

Como se já não bastasse (tudo) isso, ainda aplicou a pena máxima de 04 anos de reclusão por disparo de arma de fogo. E, como foram 04 disparos, também entendeu que se trataria de concurso material(!). Então, em relação a esse delito, previsto no art. 15 do Estatuto do Desarmamento, sequer se perfectibilizou um juízo de tipicidade positivo, pois só pode ser caracterizada quando o disparo não tenha sido realizado com finalidade do cometimento de outro crimes, e, in casu, foi: cárcere privado. Ou seja, esse delito além de meio para o cometimento dos outros crimes (cárcere privado, homicídio e tentativas de homicídio), descaracterizando a tipificação legal da conduta, seria absorvido, aplicando-se o princípio da consunção, pois constituiu meio necessário para a execução de outro delito. Mas, se assim não entenderem, o reconhecimento da continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal) é imperioso, pois a conduta amolda(ria)-se a essas regras.

Portanto, notem que os elementos judiciais necessários para a realização da dosimetria da pena não foram respeitados, violando-se assim, expressamente, o princípio da individualização da pena, consagrado em nossa Carta Política, para impedir o arbítrio estatal na privação da liberdade daquele que comete um crime. Mas, o que aconteceu na quinta-feira em Santo André, foi a mais completa nudez da perversidade humana e estatal, legitimando uma vingança midiática que, mesmo irresponsavelmente, lucrou e ainda lucra ao desdém da vida alheia.

E, para finalizar, quanto a magistrada sentir-se “ofendida”, tenho tranquilamente para mim, que a Advogada estava no exercício da plenitude de defesa do seu cliente, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da (gloriosa) advocacia (sim, está no art. 133 da Constituição Federal). Portanto, essa parte final da sentença é um (ab)uso do direito da toga.

Sobre o deslinde final do Caso Lindemberg, é muito provável que já no TJ/SP essa pena seja reduzida, e no STJ, com certeza ela será reduzida. Não quero fazer previsões, mas penso que no final, ficará uma pena em torno de 57 anos. Pelos meus cálculos, não passaria de 40.

Ah, bom carnaval e lembrem-se: SE BEBER, NÃO DIRIJA.


Prof. Matzenbacher