terça-feira, 27 de abril de 2010

STF - Ministro concede liminar em HC de acusado de furtar R$ 17 e um frasco de perfume

Caros,
vejam a decisão do Pretório Excelso hoje, de relatoria do Ministro Carlos Ayres Britto, aplicando o princípio da insignificância num suposto crime de furto qualificado. Embora em sede liminar de habeas corpus não seja possível ingressar no mérito da discussão da aplicabilidade da bagatela, como se constata no despacho abaixo, trata-se de caso de plena aplicação da bagatela ao fato narrado. Logo, acadêmicos de Direito Penal I: ATENÇÃO!!! Vejam a tese sustentada pela Defensoria Pública da União.
Acadêmicos de Direito Processual Penal III: vejam que no caso da concessão da liminar em HC, a "Cinderela" está com os sapatinhos apropriados para a ocasião ("fumus boni iuris" e "periculum in mora")!!
Boa noite e boa leitura,
Prof. Matzenbacher




HC 103312/STF




DECISÃO: Vistos, etc.
Cuida-se de habeas corpus, aparelhado com pedido de medida liminar, impetrado contra acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça. Acórdão assim ementado (fls. 84/85 do apenso):


“HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. RES FURTIVA: UM FRASCO DE PERFUME USADO E MAIS R$ 30,00, EM ESPÉCIE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CONDUTA PENALMENTE RELEVANTE APESAR DE SE TRATAR DE RES FURTIVA QUE PODE SER CONSIDERADA ÍNFIMA, AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME (FURTO PRATICADO DURANTE O REPOUSO NOTURNO, EM CONCURSO DE AGENTES E MEDIANTE ESCALADA), INDICA A INAPLICABILIDADE, IN CASU, DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA.
1. O princípio da insignificância, que está diretamente ligado aos postulados da fragmentariedade e intervenção mínima do Estado em matéria penal, tem sido acolhido pelo magistério doutrinário e jurisprudencial tanto desta Corte, quanto do colendo Supremo Tribunal Federal, como causa supra-legal de exclusão de tipicidade. Vale dizer, uma conduta que se subsuma perfeitamente ao modelo abstrato previsto na legislação penal pode vir a ser considerada atípica por força deste postulado.
2. Verificada a excludente de aplicação da pena, por motivo de política criminal, é imprescindível que a sua aplicação se dê de forma prudente e criteriosa, razão pela qual é necessária a presença de certos elementos, tais como (1) a mínima ofensividade da conduta do agente; (2) a ausência total de periculosidade social da ação; (3) o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e (4) a inexpressividade da lesão jurídica ocasionada, consoante já assentado pelo colendo Pretório Excelso (HC 84.412⁄SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 19.04.2004)
3. No caso em apreço, apesar do ínfimo valor dos bens subtraídos, não merece a aplicação do postulado permissivo, eis que evidenciada a reprovabilidade da conduta do agente, consideradas as circunstâncias do crime, uma vez que se trata de furto praticado durante o período noturno, em concurso de agentes e mediante escalada.
4. Ordem denegada, em conformidade com o parecer ministerial, dadas as singularidades deste caso.”


2. Pois bem, a Defensoria Pública da União insiste, aqui, na tese de atipicidade da conduta imputada ao paciente. O que faz sob a alegação de que “o furto qualificado pelo concurso de pessoas que restringe-se a R$ 17,00 e um frasco de perfume usado é um crime de bagatela, ao qual se aplica o princípio da insignificância, dado que à lei não cabe preocupar-se com infrações de pouca monta, insuscetíveis de causar ínfimo dano à coletividade” (fls. 06). Daí o pedido de medida liminar, formulado para suspender, até o julgamento final deste HC, os efeitos da sentença penal condenatória.


3. Continuo nesta narrativa da causa para anotar que o paciente foi denunciado pelo delito de furto qualificado, nos termos seguintes (fls. 16/17 do apenso):

“(...) o denunciado, agindo unidade de desígnio e com animus furandi com terceira pessoa identificada apenas como Eduardo, durante o repouso noturno, subtraiu, para proveito de ambos, coisas alheias móveis pertencentes à vítima João Batista Silvano.
Segundo apurado, no dia e local citados, o denunciado e o terceiro agente, após pularem o muro da residência da vítima João, nela adentraram.
Enquanto a vítima dormia no quarto, os agentes subtraíram a carteira da vítima, contendo documentos pessoais e trinta reais em dinheiro e um vidro de perfume.
Policiais militares foram avisados que dois homens haviam pulado o muro de uma residência e foram até lá para averiguar. Os agentes dividiram entre si a quantia subtraída e empreenderam fuga. Entretanto, o denunciado foi visto pela testemunha Elber, que o imobilizou até que a polícia militar o prendesse em flagrante.
Com o denunciado foram encontrados R$ 17,00 em dinheiro e um vidro de perfume. O outro agente conseguiu fugir levando o restante da res furtiva (...)”


4. Interrogado pela autoridade judiciária, o paciente, menor de 21 anos de idade na data do fato, confessou a subtração, nos termos seguintes (fls. 21 do apenso):


“(...) Que são verdadeiros os fatos narrados na denúncia; (...) que o declarante pulou o muro da casa de João; que Eduardo permaneceu do lado de fora; que o declarante entrou pela casa pela janela; que pegou a chave em cima da geladeira e abriu o portão para Eduardo; que Eduardo entrou e pegou trinta Reais encima da mesa; que Eduardo pegou um vidro de perfume na gaveta e pediu ao declarante para ficar com ele; que ao saírem da casa foram abordados por um policial...”


5. Seguido o devido iter processual, a denúncia foi julgada procedente e o paciente condenado à pena de 2 anos de reclusão e multa. Pena, essa, substituída por duas penas restritivas de direitos (prestação de serviços à comunidade e limitação de final de semana), nos termos do art. 44 do Código Penal.


6. Em sede de apelação defensiva, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais reduziu a reprimenda ao patamar de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão e multa, mantida a substituição fixada pela sentença condenatória. Isto em consideração ao pequeno valor subtraído pelo paciente, a atrair a regra do privilégio, de que trata o § 2º do artigo 155 do Código Penal (“Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de 1(um) a 2/3 (dois terços), ou aplicar somente a pena de multa”).


7. Feito este aligeirado relato da causa, decido. Fazendo-o, acentuo que o poder de cautela dos magistrados é exercido num juízo prefacial em que se mesclam num mesmo tom a urgência da decisão e a impossibilidade de aprofundamento analítico do caso. Se se prefere, impõe-se aos magistrados condicionar seus provimentos acautelatórios à presença, nos autos, dos requisitos da plausibilidade do direito (fumus boni juris) e do perigo da demora da prestação jurisdicional (periculum in mora), perceptíveis de plano. Requisitos a ser aferidos primo oculi, portanto. Não sendo de se exigir, do julgador, uma aprofundada incursão no mérito do pedido ou na dissecação dos fatos que lhe dão suporte, sob pena de antecipação do próprio conteúdo da decisão definitiva.

8. No caso, tenho por atendidos os pressupostos do provimento cautelar. É que se me afigura ocorrente, neste exame provisório da causa, a plausibilidade jurídica do pedido veiculado nesta impetração. Plausibilidade que se revela no exame dos seguintes precedentes desta Suprema Corte: HCs 96.823 e 95.957, ambos de relatoria do Ministro Celso de Mello.

9. Por tudo quanto posto, defiro a liminar requestada. O que faço para suspender, até o julgamento definitivo deste habeas corpus, os efeitos da condenação do paciente nos autos da Apelação Criminal nº 1.0079.07.370117-3/001 (Tribunal de Justiça de Minas Gerais).

10. Abra-se vista à Procuradoria-Geral da República.

Comunique-se, com a máxima urgência.

Intime-se.

Publique-se.

Brasília, 05 de abril de 2010.


Ministro AYRES BRITTO

Relator