domingo, 5 de setembro de 2010

Súmula 455 do STJ















Caros,
na semana passada, em 31/08, o Tribunal da Cidadania (STJ) pacificou entendimento sobre a produção antecipada de provas, ao editar a Súmula 455, cuja redação é a seguinte: "A DECISÃO QUE DETERMINA A PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS COM BASE NO ART. 366 DO CPP DEVE SER CONCRETAMENTE FUNDAMENTADA, NÃO A JUSTIFICANDO UNICAMENTE O MERO DECURSO DO TEMPO".
Tal edito deixa expressamente clara a necessidade de ensejar efetividade à garantia do contraditório e da ampla defesa, ao passo que assegura o desenvolver processual regular sem excessos e sem abusos, traduzindo-se em uma prestação jurisdicional de qualidade. Até porque, não é qualquer prestação jurisdicional que serve ao Estado Democrático de Direito.
Lembro que essa súmula vem de encontro a maioria das decisões proferidas pelos juízes, ao determinar a colheita da produção probatória antecipada, principalmente de provas testemunhais, com a mera alegação do lapso temporal. Ora, isso é um atentado as regras processuais que definem o procedimento para produção da prova testemunhal. Essa prática além de ilegal é abusiva, pois se coaduna com uma aceleração antigarantista, ou seja, utilitarista, onde se violam direitos e garantias com base na celeridade e economia processual. Por favor! Tem que se ter muito cuidado quando se fala em “celeridade” e “economia” processual no âmbito do processo penal.
O processo penal não é como o processo civil. Não lida com cifras ou contratos, mas sim, com liberdade e dignidade. Logo, a lógica aplicável a um (processo civil) não pode ser transpassada para a outra (processo penal) sem qualquer questionamento. E não basta questionar por questionar, é necessário verificar as bases de sustentação para fazer uma interpretação conforme a Constituição e criar a lógica processual. É preciso  questionar, investigar, refletir, maturar e interpretar.
No processo penal se busca narrar a tentativa de reescrever uma determinada história. O crime é um fato histórico (a)temporal. Logo, no transcorrer processual, o que o MP deve fazer é contar essa história e reconstruir esse fato histórico seguindo as regras do jogo processual. É a tentativa de trazer para o presente algo que aconteceu no passado. E não é de qualquer maneira que isso deve ser feito. Existem regras e normas que definem como ser feito e em qual período deve ser feito. E essas regras e normas devem ser asseguradas pelos Juízes, e não violadas pelos juízes.
O ritual judiciário vive um paradoxo temporal claríssimo, ao passo que um juiz julga hoje (presente), um fato ocorrido num passado distante (anteontem), com base numa prova colhida e produzida num passado recente (ontem), para produzir efeitos futuros (amanhã).
E essa produção probatória não pode ser feita ao bel prazer do MP e do juiz, porque a instrução processual exige o contraditório, pois é íncito a qualquer dialeticidade. Então, argumentar que o “decurso do tempo” prejudicará a (futura) instrução é absurda, pois na maioria dos casos (99%), e por isso se editou a súmula, trata-se de oitiva de testemunhas de acusação sem o contraditório impedindo a ampla defesa. Logo, violação e maculação total da garantia fundamental, inarredável e indisponível daquele que se senta no banco dos réus.
Prova testemunhal é prova repetível. E a produção judicializada antecipada de um testemunho de uma pessoa que possa não vir a testemunhar no futuro já está regrada no artigo 225/CPP (ressalvada a vedação de tomada do depoimento ex officio). Portanto, a fundamentação concreta para a produção antecipada de provas quando um processo estiver sobrestado pelo artigo 366/CPP é obrigatória, devendo os (verdadeiros) "carimbos de despachos" (dentro outros tantos que existem por aí) serem jogados no lixo. A Constituição não é uma carta de intenções ou uma simples folha de papel. É mais. Muito mais. É a carta que constitui-a-ação democrática, que constitui-a-ação cidadã, que constitui-as-ações legislativa, judiciária e executiva.
O legislador não escreve uma regra por mero amor à forma, mas sim, porque na sombra das palavras que compõem determinado tipo processual penal encontra-se uma garantia. E garantia, deve ser respeitada e assegurada por aqueles que detêm o poder da caneta. Ótima Súmula STJ!
Boa noite e uma ótima semana,

Prof. Matzenbacher


PS: Aproveito para parabenizar meu conterrâneo, Ministro Ari Pargendler, gaúcho de Passo Fundo (tchê), que assumiu a presidência do Superior Tribunal de Justiça no final da semana passada. Em suas primeiras declarações, já afirmou a necessidade de celeridade processual sem olvidar a qualidade da prestação jurisdicional. Isso é exatamente o que se precisa: qualidade jurisdicional com respeito e efetividade às garantias. Que sua administração à frente do Tribunal da Cidadania seja povoada de sucessos, ainda mais ao concretizar essas idéias. Saudações!