vejam a decisão proferida pelo STJ na semana passada, no julgamento do HC 123285. A Corte, simplesmente, perdeu a oportunidade de aprofundar a análise da matéria jurídico-processual em questão, decidindo a matéria de fundo de maneira correta, mas violando os meios que garantiriam a legitimariam do fim almejado.
A uma primeira lida, confesso que fiquei confuso e pensei no equívoco cometido pelo STJ, ao reconhecer como válida uma prova autorizada para um processo e utilizada em outro. Contudo, lendo novamente, verifiquei que, na realidade, houve um equívoco por parte da Assessoria de Imprensa do STJ ao colocar o título da notícia como: "É válida escuta autorizada para uma operação e utilizada também em outra". Equívoco pois não é esse o caso.
Bom, no que tange à matéria de mérito no presente caso, eu "acompanho" a linha de pensamento da 5ª Turma do STJ, embora a decisão em si me pareça equivocada por violação da forma (está complicado de entender? Leia primeiro a notícia e depois leia o que escrevo a seguir). Equivocada porque, nesse caso, a operação executada pela PF foi bem conduzida, pois ao cumprirem um mandado de busca e apreensão, descobriram provas de outro crime. Logo, essas provas encontradas não podem ser utilizadas dentro desse "novo" processo, pois se se permitisse, estar-se-ia diante de prova ilícita por derivação. Entretanto, esses documentos apreendidos referente ao crime que não era objeto do cumprimento do mandado de busca e apreensão, servem de "starter" para uma nova investigação policial. Ou seja, o que baseou o novo pedido de interceptação telefônica (buscando investigar e oferecer subsídios para a formação da opinio delicti do MP) foram os documentos encontrados, mas o ato de investigação (válido) será o que restar da interceptação telefônica, e não os documentos apreendidos anteriormente (pois se utilizados devem ser considerados ilícitos). Então, entendo que até aqui não houve qualquer ato defeituoso passível de invalidade. Contudo, visando a famigerada "economia e celeridade processuais" (chega a me dar arrepios quando escuto ou leio isso visando uma eficiência antigarantista), a não-juntada do auto circunstanciado que baseou a fundamentação da interceptação telefônica viola garantia fundamental (do contraditório e ampla defesa) que visa assegurar direitos, igualmente, fundamentais: o sigilo telefônico, a intimidade e a vida privada. Isso porque, para o juiz fundamentar a interceptação, deve se basear em um mínimo de indícios de autoria e materialidade. Tenho certeza que alguém dirá: "- mas a decisão é na fase pré-processual, no inquérito policial, e sendo inquérito, não tem contraditório e ampla defesa". Todavia, se esse ato de investigação for produzido de acordo com as regras do jogo (processuais) poderá ser utilizado pelo MP como descarga da incumbência acusatória na fase processual sem questionamento, pois a restrição de direito fundamental foi legitimada pelo Poder Judiciário assegurando as garantias fundamentais. Assim, pergunto: porque existe a regra do artigo 2 da Lei 9.296/1996? Pelo amor do legislador-penal à forma? Não, é claro que não. Mas porque forma é garantia. Logo, o ato processual foi feito com defeito e deve ser declarado inválido para o processo penal contra o auditor fiscal da Receita Federal.
Me preocupo muito com decisões utilitaristas como esta. Mas foi por "pouco". Foi na trave...
Prof. Matzenbacher
É válida escuta autorizada para uma operação e utilizada também em outra
Interceptações telefônicas autorizadas em diferentes operações da Polícia Federal não podem ser consideradas ilegais. Essa foi a decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao negar o pedido de liminar em habeas corpus a auditor fiscal da Receita Federal que pedia a anulação da decisão que determinou a quebra de seu sigilo telefônico e de todos os atos posteriores a ela.
As investigações tiveram início com a Operação Saúva, quando a Polícia Federal descobriu que o principal beneficiário de um esquema de fraudes em licitações no Amazonas mantinha contato com o auditor para receber orientação de como comportar-se perante a Receita Federal. Foi, então, realizada busca e apreensão na residência do acusado para evitar que fossem destruídas ou ocultadas provas do interesse daquela investigação.
Desse material apreendido, a polícia descobriu a existência de outro esquema criminoso, que consistia na prestação de serviços de consultoria e direcionamento de fiscalizações por servidores da Receita Federal e da Procuradoria da Fazenda Nacional, com a utilização de um escritório de advocacia que figurava como fachada. Os servidores públicos ajudavam os contribuintes na fiscalização ou na composição de recursos e peças jurídicas que objetivavam o não recolhimento de impostos. Surgiu, então, a Operação Hiena.
A defesa afirma que o auditor é vítima de constrangimento ilegal, já que a quebra do sigilo telefônico é nula, pois ele não participava da investigação inicial e, por isso, não existe qualquer indício que fundamente a escuta. Alega, ainda, que o auto circunstanciado utilizado como motivação para o deferimento da interceptação não existe, uma vez que não foi juntado aos autos, nem antes nem depois do deferimento da medida.
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) já havia negado o pedido, por entender que foi demonstrada a indispensabilidade da quebra do sigilo telefônico do acusado, em razão da sua necessidade para a apuração dos crimes noticiados por meio de outra interceptação telefônica autorizada judicialmente, que serviu como notícia-crime para a autorização da abertura de uma nova investigação e, até mesmo, com nova interceptação telefônica.
O relator do processo, ministro Jorge Mussi, destacou que todas as provas colhidas contra o auditor partiram da gravação de suas conversas e das decisões que autorizaram a busca e apreensão em sua residência e escritório – e que, posteriormente, permitiram a quebra dos seus sigilos bancário e fiscal.
Ao negar o pedido, o relator afirmou que o auto circunstanciado que fundamentaria a interceptação do telefone do acusado não é imprescindível, já que foram cumpridas as formalidades legais, havendo decisão devidamente fundamentada. Por fim, ressaltou que não há qualquer constrangimento ilegal a ser remediado pelo STJ. Por unanimidade, o habeas corpus foi negado.
Fonte: STJ (em 24/02/2011)