Caros,
desde a regulamentação do artigo 303, da Lei 7.565/1986 (Código Brasileiro de Aeronáutica), através do Decreto 5.144/2004 (conhecida como "Lei do Abate"), me preocupa e causa tamanha indignação a possibilidade de aplicação da última medida prevista de acordo com o procedimento: A MEDIDA DE DESTRUIÇÃO.
É totalmente ilógico pensar na execução de tal medida diante de um caso concreto. Temos uma Constituição Federal tchê! E ela não é uma mera "declaração de intenções". É ela que define os direitos e garantias fundamentais de todas as pessoas (de todas as pessoas, sem exceções) e as possibilidades em que pode haver uma restrição a priori de tais.
A Carta Magna brasileira elegeu como princípio fundamental de seu Estado Democrático de Direito a "dignidade da pessoa humana". Logo, o ser humano ocupa uma posição central na Democracia brasileira. E somente com o respeito aos direitos de cada um é que se poderá garantir o direito de todos. Democracia é segurança. É a garantia dos direitos das minorias. É a submissão do Estado às regras do Direito.
E nesse sentido, o artigo 5, inciso XLVII, alínea "a", da Carta Magna determina, EXPRESSAMENTE, que só poderá haver a aplicação da "pena de morte" em caso de guerra externa declarada.
O Decreto que regulamenta o Código Brasileiro de Aeronáutica traz as regras de aplicação de medidas com o escopo de combater "aeronaves hostis" e "aeronaves suspeitas de tráfico de substâncias entorpecentes e afins". E é necessário ressaltar o contexto e a exposição de motivos quando de tal regulamentação: combater o tráfico internacional de substâncias e drogas afins. Por certo que o narcotráfico deve ser combatido. Mas não com execuções sumárias. Execução sumária é possível em Estados Totalitários, mas não em Estados Democráticos. Aliás, é rechaçável tal hipótese por previsão constitucional.
A partir do momento em que alguém comete um delito, e torna-se acusao em um processo penal, é esse réu que recebe a tutela estatal, através de um processo com as devidas regras do jogo previamente delimitadas em que caberá ao juiz garantir a máxima efetividade das garantias fundamentais daquele que se senta no banco dos réus. É a "ley del más débil" a qual nos ensina FERRAJOLI.
A aplicação da medida extrema, considerando de certa forma também a discricionariedade para definir a condição de tais aeronaves é um gravíssimo problema. Essa simples possibilidade legislativa é que causa inquietude e não se pode reproduzir tais pensamentos de maneira acrítica. O que é inconcebível é a simples possibilidade de aplicação de tal medida. Não tardará para que tal medida seja aplicada. E quando for tomada, onde estará a dignidade da pessoa humana? Onde estará o devido processo legal? Onde estará a inviolabilidade do direito à vida? Onde estará o contraditório? Onde estará a ampla defesa? Onde estará o Poder Judiciário para garantir a efetivadade de garantias que podem ser tolhidas pelo Executivo de maneira sumária?
Tomara que eu esteja enganado e que a execução final não seja aplicada. Mas como diz o professor AURY LOPES JR. "quem nos salvará da bondade dos bons???"
Abaixo, segue reportagem sobre os primeiros tiros empregados desde a publicação da "Lei do Tiro de Destruição".
Boa leitura e bom final de semana,
Prof. Matzenbacher
Tiros contra avião boliviano foram os primeiros desde a Lei do Abate, diz FAB
Monomotor carregado com 176 kg de cocaína foi obrigado a pousar.
Duas aeronaves da Aeronáutica participaram de perseguição em Rondônia.
Diego AbreuDo G1, em Brasília
Os tiros de advertência disparados por um avião da FAB contra um monomotor que transportava cocaína sobre a região amazônica, em Rondônia, foram os primeiros desde que entrou em vigor a Lei do Abate, em 2004.
O vídeo liberado pela Aeronáutica mostra a perseguição ocorrida na quinta-feira (4) a um avião de pequeno porte que estava carregado com 176 kg de pasta-base de cocaína. A aeronave não chegou a ser abatida. Dois bolivianos acusados de pilotar o avião – que fugiram após o pouso – foram presos nesta madrugada pelas polícias Civil e Federal.
Amparados pela Lei do Abate, os militares da FAB dispararam duas rajadas de tiros de metralhadora, depois de os pilotos terem ignorado os pedidos para pousar e tentarem manobrar o avião em direção à fronteira com a Bolívia.
De acordo com a Aeronáutica, a aeronave suspeita, de matrícula boliviana, voava a uma altitude de 500 metros, quando foi identificada pelo avião-radar E-99 e por um A-29. Depois do tiro disparado, o piloto da aeronave suspeita teria colaborado e obedecido às ordens da FAB.
No sentido horário, monomotor que invadiu o espaço aéreo brasileiro é interceptado por avião da FAB; sem obedecer às ordens de pousar, é perseguido; avião militar brasileiro dá tiros de advertência (risco tracejado à direita); por fim, monomotor obedece e pousa (Fotos: FAB/Divulgação)
Os pilotos do monomotor, no entanto, anteciparam o pouso em uma estrada de terra de Izidrolândia, no distrito de Alta Floresta D'Oeste, interior de Rondônia. Após o pouso, eles conseguiram fugir, mas acabaram presos na madrugada desta sexta.
Fonte: GLOBO.COM