Caros,
vejam essas linhas críticas do Amigo e Magistrado ALEXANDRE MORAIS DA ROSA, publicadas ontem em seu BLOG. Compartilho porque vale muito a reflexão!
Por um Direito Penal do FATO, e não do Autor.
Boa leitura,
Prof. Matzenbacher
APLICAÇÃO DA PENA
Considerando o disposto no art. 59 do
Código Penal, cabe dizer que somente as circunstâncias e consequências podem ser
consideradas. No vasto campo de redefinições semânticas propiciado pelo Código
Penal, encontra-se solo fértil para a garantia dos postulados do Estado
Democrático de Direito, barrando-se, por assim dizer, as possibilidades de
julgamento do acusado, mas sim de sua conduta, deixando-se de conjecturar sobre
a subjetividade dele, por absoluta inconstitucionalidade, utilizando-se a matriz
"garantista" de Luigi Ferrajoli. Assim é que as "circunstâncias judiciais"
previstas no artigo 59 do Código Penal, culpabilidade, antecedentes, conduta
social, personalidade do agente, motivos e as circunstâncias e consequências do
crime, precisam ser analisadas mais detidamente, uma vez que a "pletora de
significantes" é utilizada de maneira anti-garantista, desprezando-se o processo
de secularização da sociedade contemporânea. De sorte que o julgamento, bom se
lembrar, é da conduta e não da pessoa do acusado que, todavia, na fase de
aplicação da pena é esquecido em nome da "Defesa Social", pois como afirma Salo
de Carvalho , em obra pioneira, "no momento da sentença penal condenatória, o
sistema revela toda sua perversidade ao admitir o emprego de elementos
essencialmente morais, desprovidos de significado com averiguação probatória".
Neste pensar, Lédio Rosa de Andrade possui razão ao argumentar que tudo já se
encontra em frases feitas repassadas nos "cursinhos para concurso", depois
utilizadas na prática forense, sem qualquer reflexão crítica, tornando as
decisões absolutamente nulas num "Estado Democrático de Direito", tais como:
"Destacam-se: 'Personalidade mal formada, agressiva e com contornos de distorção
moral', ou 'É mal formada, justamente em decorrência do baixo nível social em
que sempre viveu'. Ou seja, o pobre tem personalidade mal formada; e o rico,
não. (...) Frases montadas, repetitivas e vazias, que não dizem absolutamente
nada, decidem quantos anos um cidadão passará na cadeia". Desta forma, a
aplicação do artigo 59 do Código Penal se transforma num palco de impressões
pessoais, lugares-comuns, incontroláveis, imaginárias. Clássico julgado do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, proferido na Apelação Criminal n.
70004496725, relator Desembargador Amilton Bueno de Carvalho: "A valoração
negativa da personalidade é inadmissível em Sistema Penal Democrático fundado no
Princípio da Secularização: 'o cidadão não pode sofrer sancionamento por sua
personalidade – cada um a tem como entende'. (...) Mais, a alegação de 'voltada
para a prática delitiva' é retórica, juízes não têm habilitação técnica para
proferir juízos de natureza antropológica, psicológica ou psiquiátrica, não
dispondo o processo judicial de elementos hábeis (condições mínimas) para o
julgador proferir 'diagnósticos' desta natureza. (...) Outrossim, o gravame por
valoração dos antecedentes é resquício do injusto modelo penal de periculosidade
e representa bis in idem inadmíssivel em processo penal garantista e
democrático: condena-se novamente o cidadão-réu em virtude de fato pretérito, do
qual já prestou contas". De outra face, a conduta social, também na linha da
"mentalidade criminológica" vasculha qualquer situação da vida pessoal para ali
encontrar, retoricamente, um motivo para majoração da pena. Qualquer pessoa
possui na sua "história pregressa" situações traumáticas, geradoras de situações
psicológicas (neuroses, psicoses, etc.) e qualquer acontecimento é pescado para
justificar a majoração da pena. Por fim, os motivos e as circunstâncias e
consequências do crime bem com o comportamento da vítima. Tais "circunstâncias
judiciais" também devem ser vistas com reservas. Numa sociedade desigual como a
brasileira, as dificuldades sociais devem ser levadas em consideração
principalmente nos delitos patrimoniais, excluídos do rol de Direitos
Fundamentais, para o fim de diminuir a pena base, que pode baixar do mínimo por
ausência de previsão legal em sentido contrário, com o cuidado para não se
caracterizarem como bis in idem. O comportamento da vítima, por sua vez, serve,
a rigor, também para redução. Com efeito, as circunstâncias judiciais da conduta
social e personalidade, previstas no artigo 59 do Código Penal só podem ser
consideradas para beneficiar o acusado e não para lhe agravar mais a pena. A
punição deve levar em conta somente as circunstâncias e consequências da
conduta. Tal posição decorre da garantia constitucional da liberdade prevista no
art. 5º da Constituição da República. Se assegurado ao sujeito apresentar
qualquer comportamento (liberdade individual), só responderá por ele, se sua
conduta (lato sensu) for ilícita. Ou seja, ainda que sua personalidade ou
conduta social não se enquadre no pensamento médio da sociedade em que vive (mas
seus atos são legais) elas não pode ser utilizadas para aumentar a pena,
prejudicando-o (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Acórdão em Apelação
Criminal n. 70000907659. Relator Desembargador Sylvio Baptista). No tocante às
circunstâncias e consequências, desde que descritas na denúncia/queixa e tendo
sido objeto da instrução processual em contraditório, são as únicas
possibilidades de majoração da pena base além do mínimo legal, sempre em face da
violação do bem jurídico tutelado, da lesividade da conduta, da dimensão da
ação, ou seja, os princípios garantistas, no limite do caso
apresentado.
Ainda que não seja o caso, não se pode invocar eventual "periculosidade". Isto porque, o ápice disto encontra-se na reincidência (Código Penal, arts. 63 e 64) que serve para, de mãos dadas com a análise da personalidade do agente, fixar a pena necessária para sua recuperação, com franca influência da "Escola Positiva" (Lombroso e Garofalo), e fundamentada na periculosidade, violando escancaradamente o princípio do nos bis in idem e da intangibilidade da coisa julgada (Constituição da República, art. 5º, inciso XXVI). Salo de Carvalho argumenta: "Entendemos que, muito embora o discurso oficial tente ocultar tal justificativa, a teoria que melhor explicita nosso modelo justificador da reincidência é o da teoria criminológica derivada do positivismo, visto a adoção do critério 'periculosidade'". Na mesma direção Zaffaroni e Pierangeli afirmaram que se estabelece: "o corolário lógico de que a agravação pela reincidência não é compatível com os princípios de um direito penal de garantias, e a sua constitucionalidade é sumamente discutível. (...) Na realidade, a reincidência decorre de um interesse estatal de classificar as pessoas em 'disciplinadas' e 'indisciplinadas', e é óbvio não ser esta função do direito penal garantidor". Assim é que a reincidência congrega uma função simbólica de manter a "ordem e a disciplina", sob pena de um aumento por aquilo que se fez e se quitou, punindo-se, desta forma, novamente a situação anterior, desconsiderando-se que a pena anterior foi cumprida e há coisa julgada. Logo, incompatível com o Estado Democrático de Direito! Segundo André Copetti : "A agravação da pena do delito posterior é dificilmente explicitável em termos racionais, e a estigmatização que sofre a pessoa prejudica a sua reincorporação social. Em termos de direitos humanos, a igualdade perante a lei, o fim da readaptação da pena privativa de liberdade, a racionalidade das penas e a presunção de inocência, entre outros, resultam afetados. O registro da condenação uma vez cumprida e sua relevância potencial futura colocam o condenado que cumpriu sua condenação em inferioridade de condições frente ao resto da população, tanto jurídica como faticamente". E, como a periculosidade foi defenestrada dos Estados Democráticos, impossível seu manejo a partir da incidência de uma "oxigenação constitucional" do Código Penal, razão pela qual é possível concordar perfeitamente com Lenio Luiz Streck ao afirmar que "esse duplo gravame da reincidência é antigarantista, sendo, à evidência, incompatível com o Estado Democrático de Direito".
Ainda que não seja o caso, não se pode invocar eventual "periculosidade". Isto porque, o ápice disto encontra-se na reincidência (Código Penal, arts. 63 e 64) que serve para, de mãos dadas com a análise da personalidade do agente, fixar a pena necessária para sua recuperação, com franca influência da "Escola Positiva" (Lombroso e Garofalo), e fundamentada na periculosidade, violando escancaradamente o princípio do nos bis in idem e da intangibilidade da coisa julgada (Constituição da República, art. 5º, inciso XXVI). Salo de Carvalho argumenta: "Entendemos que, muito embora o discurso oficial tente ocultar tal justificativa, a teoria que melhor explicita nosso modelo justificador da reincidência é o da teoria criminológica derivada do positivismo, visto a adoção do critério 'periculosidade'". Na mesma direção Zaffaroni e Pierangeli afirmaram que se estabelece: "o corolário lógico de que a agravação pela reincidência não é compatível com os princípios de um direito penal de garantias, e a sua constitucionalidade é sumamente discutível. (...) Na realidade, a reincidência decorre de um interesse estatal de classificar as pessoas em 'disciplinadas' e 'indisciplinadas', e é óbvio não ser esta função do direito penal garantidor". Assim é que a reincidência congrega uma função simbólica de manter a "ordem e a disciplina", sob pena de um aumento por aquilo que se fez e se quitou, punindo-se, desta forma, novamente a situação anterior, desconsiderando-se que a pena anterior foi cumprida e há coisa julgada. Logo, incompatível com o Estado Democrático de Direito! Segundo André Copetti : "A agravação da pena do delito posterior é dificilmente explicitável em termos racionais, e a estigmatização que sofre a pessoa prejudica a sua reincorporação social. Em termos de direitos humanos, a igualdade perante a lei, o fim da readaptação da pena privativa de liberdade, a racionalidade das penas e a presunção de inocência, entre outros, resultam afetados. O registro da condenação uma vez cumprida e sua relevância potencial futura colocam o condenado que cumpriu sua condenação em inferioridade de condições frente ao resto da população, tanto jurídica como faticamente". E, como a periculosidade foi defenestrada dos Estados Democráticos, impossível seu manejo a partir da incidência de uma "oxigenação constitucional" do Código Penal, razão pela qual é possível concordar perfeitamente com Lenio Luiz Streck ao afirmar que "esse duplo gravame da reincidência é antigarantista, sendo, à evidência, incompatível com o Estado Democrático de Direito".
Fonte: http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com.br/2012/08/aplicacao-da-pena.html