quarta-feira, 26 de setembro de 2012

HC 95.009 STF

Caros Acadêmicos da Turma D38,
segue o acórdão completo do HC 95.009-4/SP, julgado pelo STF em 2008, de Relatoria do ex-Min. EROS GRAU (aliás, saudades de ver decisões assim, MUITO BEM fundamentadas!). Trata-se de uma verdadeira aula sobre sobre boa parte do tema que trabalhamos nesse 1º bimestre, Vejam a ementa e, ao final, a íntegra.
Boa leitura e bons estudos!

Prof. Alexandre

Ementa:

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. CORRUPÇÃO ATIVA. CONVERSÃO DE HC PREVENTIVO EM LIBERATÓRIO E EXCEÇÃO À SÚMULA 691/STF. PRISÃO TEMPORÁRIA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA DA PRISÃO PREVENTIVA. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL PARA VIABILIZAR A INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL. GARANTIA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL FUNDADA NA SITUAÇÃO ECONÔMICA DO PACIENTE. PRESERVAÇÃO DA ORDEM ECONÔMICA. QUEBRA DA IGUALDADE (ARTIGO 5º, CAPUT E INCISO I DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA DA PRISÃO PREVENTIVA. PRISÃO CAUTELAR COMO ANTECIPAÇÃO DA PENA. INCONSTITUCIONALIDADE. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE (ARTIGO 5º, LVII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ESTADO DE DIREITO E DIREITO DE DEFESA. COMBATE À CRIMINALIDADE NO ESTADO DE DIREITO. ÉTICA JUDICIAL, NEUTRALIDADE, INDEPENDÊNCIA E IMPARCIALIDADE DO JUIZ. AFRONTA ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS CONSAGRADAS NO ARTIGO 5º, INCISOS XI, XII E XLV DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIREITO, DO ACUSADO, DE PERMANECER CALADO (ARTIGO 5º, LXIII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL).
 
CONVERSÃO DE HABEAS CORPUS PREVENTIVO EM HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. O habeas corpus preventivo diz com o futuro. Respeita ao temor de futura violação do direito de ir e vir. Temor que, no caso, decorrendo do conhecimento de notícia veiculada em jornal de grande circulação, veio a ser concretizado. Justifica-se a conversão do habeas corpus preventivo em liberatório em razão da amplitude do pedido inicial e porque abrange a proteção mediata e imediata do direito de ir e vir.

SÚMULA 691. EXCEÇÃO. DECISÃO FUNDAMENTADA NA NECESSIDADE, NO CASO CONCRETO, DE PRONTA ATUAÇÃO DESTA CORTE. Esta Corte tem abrandado o rigor da Súmula 691/STF nos casos em que (i) seja premente a necessidade de concessão do provimento cautelar e (ii) a negativa de liminar pelo tribunal superior importe na caracterização ou manutenção de situações manifestamente contrárias ao entendimento do Supremo Tribunal Federal.

PRISÃO TEMPORÁRIA REVOGADA POR AUSÊNCIA DE SEUS REQUISITOS E PORQUE CUMPRIDAS AS PROVIDÊNCIAS CAUTELARES DESTINADAS À COLHEITA DE PROVAS. Prisão temporária que não se justifica em razão da ausência dos requisitos da Lei n. 7.960/89 e, ainda, porque no caso foram cumpridas as providências cautelares destinadas à colheita de provas.

PRISÃO PREVENTIVA: Indeferimento, pelo Juiz, sob o fundamento de ausência de conduta, do paciente, necessária ao estabelecimento de nexo de causalidade entre ela e fatos imputados a outros investigados. Reconsideração com fundamento em prova nova consistente na apreensão de papéis apócrifos na residência do paciente. Insuficiência de provas que se reportam a circunstâncias remotas, dissociadas do contexto atual.

FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA:
I) CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL PARA VIABILIZAR, COM A COLHEITA DE PROVAS, A INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL. Tendo o Juiz da causa autorizado a quebra de sigilos telefônicos e determinado a realização de inúmeras buscas e apreensões, com o intuito de viabilizar a eventual instauração da ação penal, torna-se desnecessária a prisão preventiva do paciente por conveniência da instrução penal. Medidas que lograram êxito, cumpriram seu desígnio. Daí que a prisão por esse fundamento somente seria possível se o magistrado tivesse explicitado, justificadamente, o prejuízo decorrente da liberdade do paciente. A não ser assim ter-se-á prisão arbitrária e, por conseqüência, temerária, autêntica antecipação da pena. O propalado “suborno” de autoridade policial, a fim de que esta se abstivesse de investigar determinadas pessoas, à primeira vista se confunde com os elementos constitutivos do tipo descrito no art. 333 do Código Penal (corrupção ativa).
II) GARANTIA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL, FUNDADA NA SITUAÇÃO ECONÔMICA DO PACIENTE. A prisão cautelar, tendo em conta a capacidade econômica do paciente e contatos seus no exterior não encontra ressonância na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, pena de estabelecer-se, mediante quebra da igualdade (artigo 5º, caput e inciso I da Constituição do Brasil) distinção entre ricos e pobres, para o bem e para o mal. Precedentes.
III) GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, COM ESTEIO EM SUPOSIÇÕES. Mera suposição — vocábulo abundantemente utilizado no decreto prisional — de que o paciente obstruirá as investigações ou continuará delinqüindo não autorizam a medida excepcional de constrição prematura da liberdade de locomoção. Indispensável, também aí, a indicação de elementos concretos que demonstrassem, cabalmente, a necessidade da prisão.
IV) PRESERVAÇÃO DA ORDEM ECONÔMICA. No decreto prisional nada se vê a justificar a prisão cautelar do paciente, que não há de suportar esse gravame por encontrar-se em situação econômica privilegiada. As conquistas das classes subalternas, não se as produz no plano processual penal; outras são as arenas nas quais devem ser imputadas responsabilidades aos que acumulam riquezas.

PRISÃO PREVENTIVA COMO ANTECIPAÇÃO DA PENA. INCONSTITUCIONALIDADE. A prisão preventiva em situações que vigorosamente não a justifiquem equivale a antecipação da pena, sanção a ser no futuro eventualmente imposta, a quem a mereça, mediante sentença transitada em julgado. A afronta ao princípio da presunção de não culpabilidade, contemplado no plano constitucional (artigo 5º, LVII da Constituição do Brasil), é, desde essa perspectiva, evidente. Antes do trânsito em julgado da sentença condenatória a regra é a liberdade; a prisão, a exceção. Aquela cede a esta em casos excepcionais. É necessária a demonstração de situações efetivas que justifiquem o sacrifício da liberdade individual em prol da viabilidade do processo.

ESTADO DE DIREITO E DIREITO DE DEFESA. O Estado de direito viabiliza a preservação das práticas democráticas e, especialmente, o direito de defesa. Direito a, salvo circunstâncias excepcionais, não sermos presos senão após a efetiva comprovação da prática de um crime. Por isso usufruímos a tranqüilidade que advém da segurança de sabermos que se um irmão, amigo ou parente próximo vier a ser acusado de ter cometido algo ilícito, não será arrebatado de nós e submetido a ferros sem antes se valer de todos os meios de defesa em qualquer circunstância à disposição de todos. Tranqüilidade que advém de sabermos que a Constituição do Brasil assegura ao nosso irmão, amigo ou parente próximo a garantia do habeas corpus, por conta da qual qualquer violência que os alcance, venha de onde vier, será coibida.

COMBATE À CRIMINALIDADE NO ESTADO DE DIREITO. O que caracteriza a sociedade moderna, permitindo o aparecimento do Estado moderno, é por um lado a divisão do trabalho; por outro a monopolização da tributação e da violência física. Em nenhuma sociedade na qual a desordem tenha sido superada admite-se que todos cumpram as mesmas funções. O combate à criminalidade é missão típica e privativa da Administração (não do Judiciário), através da polícia, como se lê nos incisos do artigo 144 da Constituição, e do Ministério Público, a quem compete, privativamente, promover a ação penal pública (artigo 129, I).

ÉTICA JUDICIAL, NEUTRALIDADE, INDEPENDÊNCIA E IMPARCIALIDADE DO JUIZ. A neutralidade impõe que o juiz se mantenha em situação exterior ao conflito objeto da lide a ser solucionada. O juiz há de ser estranho ao conflito. A independência é expressão da atitude do juiz em face de influências provenientes do sistema e do governo. Permite-lhe tomar não apenas decisões contrárias a interesses do governo — quando o exijam a Constituição e a lei — mas também impopulares, que a imprensa e a opinião pública não gostariam que fossem adotadas. A imparcialidade é expressão da atitude do juiz em face de influências provenientes das partes nos processos judiciais a ele submetidos. Significa julgar com ausência absoluta de prevenção a favor ou contra alguma das partes. Aqui nos colocamos sob a abrangência do princípio da impessoalidade, que a impõe.

AFRONTA ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS CONSAGRADAS NO ARTIGO 5º, INCISOS XI, XII E XLV DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. De que vale declarar, a Constituição, que “a casa é asilo inviolável do indivíduo” (art. 5º, XI) se moradias são invadidas por policiais munidos de mandados que consubstanciem verdadeiras cartas brancas, mandados com poderes de a tudo devassar, só porque o habitante é suspeito de um crime? Mandados expedidos sem justa causa, isto é sem especificar o que se deve buscar e sem que a decisão que determina sua expedição seja precedida de perquirição quanto à possibilidade de adoção de meio menos gravoso para chegar-se ao mesmo fim. A polícia é autorizada, largamente, a apreender tudo quanto possa vir a consubstanciar prova de qualquer crime, objeto ou não da investigação. Eis aí o que se pode chamar de autêntica “devassa”. Esses mandados ordinariamente autorizam a apreensão de computadores, nos quais fica indelevelmente gravado tudo quanto respeite à intimidade das pessoas e possa vir a ser, quando e se oportuno, no futuro usado contra quem se pretenda atingir. De que vale a Constituição dizer que “é inviolável o sigilo da correspondência” (art. 5º, XII) se ela, mesmo eliminada ou “deletada“, é neles encontrada? E a apreensão de toda a sorte de coisas, o que eventualmente privará a família do acusado da posse de bens que poderiam ser convertidos em recursos financeiros com os quais seriam eventualmente enfrentados os tempos amargos que se seguem a sua prisão. A garantia constitucional da pessoalidade da pena (art. 5º, XLV) para nada vale quando esses excessos tornam-se rotineiros.

DIREITO, DO ACUSADO, DE PERMANECER CALADO (ARTIGO 5º, LXIII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). O controle difuso da constitucionalidade da prisão temporária deverá ser desenvolvido perquirindo-se necessidade e indispensabilidade da medida. A primeira indagação a ser feita no curso desse controle há de ser a seguinte: em que e no que o corpo do suspeito é necessário à investigação? Exclua-se desde logo a afirmação de que se prende para ouvir o detido. Pois a Constituição garante a qualquer um o direito de permanecer calado (art. 5º, LXIII), o que faz com que a resposta à inquirição investigatória consubstancie uma faculdade. Ora, não se prende alguém para que exerça uma faculdade. Sendo a privação da liberdade a mais grave das constrições que a alguém se pode impor, é imperioso que o paciente dessa coação tenha a sua disposição alternativa de evitá-la. Se a investigação reclama a oitiva do suspeito, que a tanto se o intime e lhe sejam feitas perguntas, respondendo-as o suspeito se quiser, sem necessidade de prisão.

Ordem concedida.


Íntegra do Acórdão: