Caros,
hoje, o amigo e magistrado bahiano GERIVALDO NEIVA publicou este artigo em seu BLOG! SIMPLESmente, sensacional. Será muito útil para as aulas de dosimetria da pena, baita exemplo!
Vejam só,
abraços,
Prof. Matzenbacher
O ator Marcelo Novaes, no papel de Max
Por que meu pai odeia Max e os problemas do artigo 59 do Código Penal
A lei, sem o fato, é apenas um
texto qualquer.
Gerivaldo
Neiva *
Meu
pai tem 80 anos, agricultor aposentado e um noveleiro de primeira linha. Sua
jornada começa com o “vale a pena ver de
novo”, passa pelos dramalhões mexicanos em outro canal, depois as novelas
das 6, das 7 e das 8. O único evento televisivo que lhe faz esquecer as novelas
é o futebol. Não importa quem está jogando. O importante é apreciar este
esporte fantástico.
Pois
bem, da última vez que estive no interior da Bahia visitando a família, meu pai
me confessou que odeia o Max, da novela das 8, ou das 9? Nem sei mais. Curioso,
perguntei-lhe o motivo e ele me respondeu com muita sinceridade: - Olhe, já teve uma novela que este cara
assinou uns papéis para autorizar a venda da casa dos pais, desalojando os
velhos coitados. Então, a pessoa que não respeita os pais não vale nada. Desde aquela
novela que detesto este sujeito.
Evidente
que embarquei na onde do meu velho e concordei com ele, passando também a
detestar o tal de Max. De fato, um filho que não ama os pais não merece mesmo
muito respeito. Depois da brincadeira, tentei lhe explicar que tanto o cara que
autorizou a venda da casa dos pais quanto o Max eram apenas personagens e o
artista apenas representava o que tinha sido escrito pelo autor da novela. De
nada adiantou e meu pai continuou antipatizando o coitado do Max.
Retornando
o trabalho, um dos primeiros processos que peguei para decidir envolvia a
dosimetria da pena. No pedido de condenação, todas as circunstâncias do artigo
59, do Código Penal, a saber: culpabilidade, antecedentes, conduta social,
personalidade do agente, motivos, circunstâncias, consequências do crime e
comportamento da vítima. Lembrando Alexandre Morais da Rosa (http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com.br/2012/08/aplicacao-da-pena.html),
penso que tenho como averiguar as circunstâncias em que o crime foi cometido e
as consequências para a vítima, mas tenho uma enorme dificuldade para
compreender acerca da conduta social, personalidade do agente e os motivos do
crime. Além disso, preciso ainda considerar, em um país de enorme desigualdade
social como o Brasil, o que significa “circunstâncias
do crime” e “consequências” para
o criminoso e para a vítima. Em muitos casos, não tenho dúvidas, a condição
social do agente e como formou sua personalidade, embora não se enquadrem no standard, ao invés de agravar a pena,
serviriam muito bem pena abrandar.
Ora,
como posso entender de comportamento social, da personalidade do agente e dos
motivos do crime sem uma perspectiva psicanalítica? Como sou apenas Juiz de
Direito, formado pela dogmática positivista, evidente que não posso me arvorar,
sem o auxílio de outras disciplinas, a fixar uma pena em meras suposições ou
preconceitos acerca do que seja o comportamento social ou personalidade do
agente. Da mesma forma, sem um estudo psicológico sobre o comportamento da
pessoa que comete um crime passional, por exemplo, como posso me arvorar e
considerar os motivos desse crime como uma circunstância para agravar a pena?
De
outro lado, ao considerar os antecedentes do agente (a reincidência) para
agravar sua pena por um novo delito, resgatando um fato pretérito já
devidamente punido, não estaria agindo como meu pai em relação ao Max e
detestando o autor do crime por conta de seu passado? Isto não seria punir duas
vezes pelo mesmo delito?
Ora,
o que está em julgamento agora é o papel de Max na novela atual e não o papel
que representou em outra novela. Da mesma forma, o que se pune agora é o
comportamento (o fato, e não o autor do fato) do acusado diante de um tipo
penal e não seus antecedentes.
Por
fim, não se pode transformar o texto do artigo 59 do Código Penal em um script de novela, equação matemática ou
exercício de preconceitos e suposições. É hora de estudar as circunstâncias
apontadas neste artigo, com o auxílio de outras disciplinas, à luz da doutrina
e das garantias constitucionais. Enfim, uma coisa é decorar um texto e representá-lo
em uma novela (a ficção) e outra coisa, bem diferente, é estudar um artigo da
lei para compreendê-lo diante de um fato concreto (a vida real), pois Lei, sem
o fato, é apenas um texto qualquer.
* Juiz de
Direito (Ba), membro da Associação Juízes para a Democracia e do movimento Leap
Brasil (Law Enforcement Against Prohibition).
Fonte: BLOG do Gerivaldo (em 18/09/2012)