Provocado pela Revista CULT 167 (abril 2012), onde Marcus
Prado (Diretor de Cinema) deu uma pequena entrevista sobre o lançamento de seu
filme “Paraísos Artificiais”, me interessei por assisti-lo. Mas
antes, decidi que leria o livro o qual originou a produção cinematográfica. Então,
em junho, em uma viagem a Brasília, comprei o livro “Paraísos Artificiais” de
CHARLES BAUDELAIRE. O livro é dividido em 3 partes: “Poema do Haxixe”, “Um
Comedor de Ópio” e “Do Vinho ao Haxixe” (que na verdade é um apêndice). A 1ª
parte traduz as experiências pessoais de BAUDELAIRE com a droga quando vivia em
Paris, a 2ª parte trata-se de uma tradução e leitura feita por BAUDELAIRE sobre
o livro “Confissões de um Comedor de Ópio” de THOMAS DE QUINCEY e a 3ª
parte é na verdade um poema em prosa, onde BAUDELAIRE faz uma relação dos
efeitos do vinho e do haxixe.
O filme é uma (re)leitura de BAUDELAIRE, no duplo sentido,
literalmente. Como não tinha terminado de ler o livro quando assisti, e como o
filme não era a cinematografia do livro em si, fiquei curioso (após terminar de
ler o livro na madrugada da penúltima 2ª-feira – 207 pp. – mas uma leitura
“não-leve” vamos dizer assim – vai ver se eu tivesse uma experiência [além do
vinho] seria diferente) para ver o que a “crítica do filme” sobre essa relação
entre BAUDELAIRE e a visão do diretor Marcus Prado.
Assim, digitei no Google “paraísos
artificiais + crítica” só para ler a “crítica” e sanar minha curiosidade.
Apareceu “102,000 results” (céticos: testem.).
Dos 10 que aparecem por página, abri 5 deles:
Crítica: Paraísos
Artificiais
Paraísos Artificiais
Paraísos Artificiais |
Crítica
Crítica: Paraísos Artificiais
Paraísos Artificiais
E pasmem (ou não): simplesmente, dessas 5 que abri e li (pois
me cansei de abrir mais e perder tempo lendo mais bobagem), nenhum (dito)
“crítico” sequer citou (logo, por pura ignorância – só pode!) BAUDELAIRE ou sua
obra “Paraísos
Artificiais”. Para todos, indistintamente, o filme é sobre drogas, sexo
e música eletrônica, ou seja, uma visão neohippie
em pleno século XXI. “Pelamorde” como diria um amigo...
Bom, é aquela velha história: as pessoas escrevem o que
querem com base no que acham, no Google(!). É surreal esse processo de
“formação cultural” e “definição de verdades” a partir do Google. Como disse BAUMAN: "felizmente, dispomos hoje de algo que nossos pais nunca puderam
imaginar: a internet. [...] Felizmente? Bem, talvez nem tanto, pois o
pesadelo da informação insuficiente que fez nossos pais sofrerem foi
substituído pelo pesadelo ainda mais terrível da enxurrada de
informações que ameaça nos afogar, nos impede de nadar ou mergulhar
(coisas diferentes de flutuar ou surfar). Como filtrar as notícias que
importam no meio de tanto lixo inútil e irrelevante? Como captar as
mensagens significativas entre o alarido sem nexo? Na balbúrdia e
sugestões contraditórias, parece que falta uma maquina de debulhar para
separar o joio do trigo na montanha de mentiras, ilusões, refugo e lixo" (44 Cartas do Mundo Líquido Moderno).
Creio que “crítica” não é selecionar partes do filme e escrevê-las,
descrever os personagens, falar da beleza (ou não) dos lugares onde o filme foi
produzido. Também não se pode (ou deve) “deixar que o público tire suas
próprias conclusões” a partir do que não foi dito ou visto. Criticar é entrar
em contato com o objeto e analisá-lo (analisando-se também, é óbvio – lembram
que a Teoria Especial da Relatividade de
EINSTEIN é de 1905?!), traduzindo as impressões pessoais advindas dessa relação
indivíduo-objeto-indivíduo.
Bom, como nunca usei drogas (mas também não sou careta
viu?!), porque simplesmente até hoje não tive a vontade (e tenho o medo
inconsciente), não posso escrever com base na “experimentação” (INGENIEROS),
mas somente a partir da observação, seja direta, ou indireta (como no caso,
livro e filme). Então, perdoem-me pela minha “limitação” ao lerem as próximas
linhas.
Somos obrigados a ser felizes? Em caso afirmativo, há padrões
preestabelecidos para atingir tal obrigação?
Me parece que a resposta para ambas perguntas é negativa.
Assim, se a resposta para a primeira é negativa, a tentativa de definição (“dar
fim” – lembrando das aulas de RICARDO TIMM DE SOUZA no Mestrado em Ciências
Criminais da PUCRS) de que forma ela pode/deve ser alcançada é sempre
autoritária (veja-se, por exemplo, as religiões). Então, aqueles que pensam que
as drogas devem ser proibidas e não podem ser consumidas (em completa fantasia,
já que “definidas” por uma Portaria do Ministério da Saúde quais substâncias
são autorizadas!), a partir do momento que (pré-)julgam aqueles que as usam,
vão achar o livro um verdadeiro absurdo (olvidando-se do principal numa
leitura, o contexto histórico), e o mesmo acontecerá com o filme, em que os
personagens usam drogas, escutam música eletrônica e fazem sexo (a dois, a
três, homo, hétero). Ou seja, a (a)crítica advém exatamente da falta daquilo
que deve(ria) reinar nas relações humanas: a alteridade.
Portanto, a partir do momento em que eu parto do meu “local
de fala” (BHABHA) e não respeito o Outro a partir do seu próprio local
(LEVINAS), ajo com extrema violência pela negação do Outro, enquanto Outro “com
todas as suas circunstâncias” (ORTEGA Y GASSET), não sendo possível (pois não
nos permitimos) compreender determinado pensar/falar/agir, e por isso a
simplicidade (e limitação) do senso comum. Um dos grandes problemas
contemporâneos é justamente a reprodução acrítica de falas, pensamentos e
ações. “O Belo é mais importante que o
Verdadeiro”? (p. 139). A aparência é melhor que a essência?
Pela droga, BAUDELAIRE a mostra como a possibilidade de “um espelho mágico onde o homem é convidado
a ver-se belo” (p. 12), quando pela visão de Marcus Prado (diretor do
filme), ela é mostrada como “a potência humana”, já que não se deve “abdicar da vontade” (p. 61). Tanto num
caso como no outro, os estados alterados ocasionados pelas drogas parecem
libertar os grilhões dos pensamentos, das falas e das ações, possibilitando que
o inconsciente seja desnudado e os desejos mais íntimos satisfeitos. Enquanto
em BAUDELAIRE se atinge o onírico através do uso das substâncias (vide pp. 129-131), possibilitando a
criação, na película são com as (pseudo)realidades que nos são reveladas que demonstram
a vivência desse estado dionisíaco, em detrimento do apolíneo, da ordem, do
belo (definido por quem, né?!).
Se esse mundo “é um
mundo de sofrimentos, de luta e de proscrição” (p. 145), seja ecstasy,
mescalina e cocaína (filme), ou haxixe, ópio e vinho (livro), ainda que todas
essas drogas possibilitem uma “felicidade”, por mais artificial (logo
temporária) que seja, é uma possibilidade a partir de uma escolha pessoal das
duas formas de se atingir a eternidade: “recompensa
ou castigo” (p. 13), como disse BAUDELAIRE.
Enquanto BAUDELAIRE se preocupa com a dependência do artista
em relação às drogas já que possibilitam a libertação da criatividade máxima, o
filme mostra a possibilidade dessa libertação em diversos sentidos. Não se
trata de uma “felicidade artificial”, mas da criação (artificialmente) de um
estado anímico em que o prazer sensorial é elevado ao cubo para enaltecer (nos
possibilitar sentir) aquilo que já está dentro de nós mesmos, e que ignoramos e
reprimimos (conscientemente). Ou simplesmente, revelamos. E essa revelação pode
prescindir da “soma” (droga da distopia “Admirável Mundo Novo” de ALDOUS HUXLEY)!
Não estou aqui defendendo o uso (ou não) das drogas, nem para
falar de suas conseqüências (graves e devastadoras), que também são citadas no
livro e no filme, cada qual a partir de um viés diferente. Estou as
visualizando a partir de um ponto de vista estético permissivo a atingir a
plenitude de faculdades e sentimentos (humanos, carnais, naturais) sem a espada
cortante do superego, já que a “memória poética é fonte infinita de prazeres”
(p. 123). Sinceramente, não consegui ver o uso das drogas como “fuga” da
realidade, como “fraqueza” dos personagens, tal qual costumeiramente apontado
pela telas e pelas (a)críticas (leia-se: senso comum).
Quem já assistiu, esqueça o destino, esqueça o romance do filme. Concentre-se no foco, na busca do prazer, na busca do gozo existencial. Que no caso, tal êxtase é possibilitado (e por vezes alcançado) através do uso de substâncias psicotrópicas, tal como revelado pela literatura e pelo cinema.
Realmente, “o filme não
é moralista nem faz apologia” como disse Marcus Prado (na entrevista à
Revista CULT) (retirado do site do próprio filme (http://www.paraisosartificiaisofilme.com.br/apresentacao.shtml). Mas sim, expressa a declaração de
que “a Morte, que não consultamos para
nossos projetos e a quem não podemos pedir sua aquiescência, a Morte, que nos
deixa sonhar com a felicidade e com a fama e que não fiz nem sim nem não, sai
bruscamente de sua emboscada, e varre de um só golpe de asas nossos planos,
nossos sonhos e as arquiteturas ideais onde abrigávamos em pensamento a glória
de nossos últimos dias!” (p. 168). Portanto, um brinde (com vinho!) ao VIVER.