*Por Alexandre Morais da Rosa. Professor Adjunto de Processo Penal da UFSC. Juiz de Direito. Membro da AJD, Doutor em Direito, e aparentemente humano, demasiadamente…
Alfred
Hitchcock dizia que o terror se obtém com a surpresa, enquanto o suspense pelo
aviso antecipado. O que se passa no campo do direito e do processo penal é um
misto entre as diversas surpresas, que causam terror, antecedidas pelo aviso de
que isto irá acontecer. O aviso de que isto irá acontecer está presente no
discurso midiático do terror e se pode invocar a metáfora de filmes e livros,
justamente para dar sentido ao que se passa.
O filme
“Tubarão” contou com um recurso que o próprio Steven Spielberg não contava nas
filmagens: o efeito suspense conseguido somente porque o terror da surpresa era
precedido do suspense em que o predador apenas era sugerido, indicado, como se
não estivesse presente. Consta no Wikipédia que “O principal atrativo do filme,
o tubarão mecânico, apresentou vários problemas durante as filmagens, causados
pela água salgada do mar, pois Spielberg não quis filmar em uma piscina, como
seria o convencional. Várias sequências em que o Tubarão apareceria, Spielberg
teve que substituí-lo por filmagens de marolas e movimentos de água. Mesmo nas
poucas ocasiões em que o Tubarão podia ser usado, a responsável pela montagem
teve que usar de muita habilidade, para que as cenas não parecessem falsas. As
plateias do mundo todo não notaram essas falhas, graças ao exímio trabalho de
direção e montagem. Mas para todos os artistas que trabalharam no filme ficou a
irritação com aquele “maldito tubarão”, conforme diziam nas entrevistas e
depoimentos posteriores.” Esse efeito semblant que o filme proporciona, a
saber, de se estar com medo em qualquer lugar, pois o “Tubarão” poderia se
fazer presente, do nada, no efeito surpresa, ocasionou o “suspense” de toda uma
geração… Essa estrutura de se aproveitar de uma “surpresa” violenta para causar
“suspense” e se usar ideologicamente, de fato, está presente na nossa película
diária: a continuação incessante do medo!
Nesse
sentido, o “crime-tubarão” é utilizado como mecanismo midiático da violência
constitutiva do humano e, paradoxalmente tratado como se fosse uma surpresa no
cotidiano, fomentado por uma realidade excludente, na qual o neoliberalismo se
esgueira como financiador oculto desta economia criminal e obscena. A surpresa
é, no caso, falsa, da ordem do semblant. Sabe-se, desde antes, que as possíveis
variáveis do crime não decorrem, de regra, de um ato de terror individual, mas
sim de toda uma coletividade que produz e se regozija com o crime. De qualquer
modo, percebe-se que o destino de quem pretende sair desta metáfora é
complicado, justamente porque as coordenadas culturais em que se está submerso
reproduz o modelo da única possibilidade capaz de nos livrar do tubarão:
matando-o! E se mata; muito. O sistema penal produz vítimas de todos os lados.
Somente não percebe quem continua acreditando nos contos de mocinho e bandido.
De um lado o mal, organizado para causar o desespero dos que se situam –
imaginariamente e sem culpa – do lado do bem. O poder se organiza assim,
especialmente no Direito Penal.
Acontece,
entretanto, que diante do levante neoliberal e do agigantamento do sistema
penal, as soluções processuais, diretamente: seus custos passaram a ser
gigantescos. Daí que a partir de uma lógica do custo/benefício, as normas
processuais precisaram ser mais eficientes. Importando-se as noções de tradições
diversas, desprezando o giro que modo de pensar da filosofia pragmática exige,
algumas novidades foram introduzidas no país, tudo sob o mote de matar o
“tubarão”. Para isso a Justiça Criminal eficiente, com custos reduzidos, sem
direito de defesa, parece a “demanda econômica” proposta, abolindo os limites
garantistas do sistema penal.
Daí que
se apegar ao “Garantismo Constitucional” de Luigi Ferrajoli é a busca de um
limite ao “eficientismo” do processo penal. Articula garantias mínimas que
devem, necessariamente, fazer barreira para se evitar que se negocie o “direito
à liberdade” e a presunção de inocência. Defender direitos de acusados passou a
ser uma atividade clandestina. Em nome do bem, dos bons e justos, divididos em
dois lados, os enunciadores da salvação colocam-se na missão (quase divina) de
defenestrar o mal na terra, transformando qualquer violador da ordem em
“tubarão”, na luta por sua extinção.
Talvez
se possa entender um pouco mais sobre os dilemas contemporâneos do processo
penal eficiente quando se é acusado, a saber, ao se colocar na posição de
acusado. Qual o juiz que se pretende ver julgando-nos? Se nós fossemos os
juízes poderíamos dizer que seríamos garantistas? Ou a garantia somente
interessa quando formos acusados? O que não se pode é continuar aceitando as
“novidades” legislativas sem uma profunda reflexão de qual é o nosso papel, nem
os efeitos que nossas posições podem engendrar no coletivo. Os limites
democráticos precisam ser recompostos. O “tubarão” já foi preso, morto, esquartejado,
mas sempre surge o medo de que ele retorne, não porque o quer, mas porque o
“tubarão” habita o mais íntimo do humano. Surpresa? Medo? Angústia? Tudo
humano, demasiadamente humano, diria Nietzsche. Mais dia menos dia todos
precisaremos de juízes garantistas… basta conseguir ficar vivo.
Fonte: BLOG DIREITO E CINEMA www.heloisaquaresma.blogspot.com
http://www.heloisaquaresma.blogspot.com.br/2012/10/alexandre-morais-da-rosa.html