terça-feira, 9 de outubro de 2012

TJRO - HC. Concessão de liminar. Crime de tráfico. Fundamentação abstrata. Direito de apelar em liberdade.

Caros Acadêmicos da Turma D38,
aqui está uma decisão monocrática de concessão de liminar em habeas corpus para assegurar a Paciente/Ré o direito de apelar em liberdade, mesmo respondendo o processo segregada de sua liberdade. LEIAM e REFLITAM sobre o caso...

Prof. Matzenbacher

PS: os grifos são meus, para chamar a atenção para alguns pontos específicos.


DESPACHO DO RELATOR

Habeas Corpus nrº 0011459-30.2011.8.22.0000

Paciente: Laiana Naiz Silva do Nascimento
Impetrante (Defensor Público): Defensoria Pública do Estado de Rondônia
Impetrado: Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Guajará-Mirim - RO
Relator:Des. Miguel Monico Neto
Vistos. 

A Defensoria Pública do Estado de Rondônia impetra habeas corpus com pedido de liminar em favor de Laiana Naiz Silva do Nascimento, presa em flagrante no dia 15/03/2011 pela prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes e mantida a segregação cautelar após sentença condenatória ao fundamento de que a manutenção da custódia cautelar é uma forma de proteger o meio social seriamente ameaçado com a disseminação do vício, e a própria credibilidade da justiça. 

A impetrante informa que a paciente foi condenada pelo tráfico ilícito de entorpecentes à pena de 01 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão em regime fechado. Aduz inexistir fundamentos acerca da necessidade e conveniência da prisão para apelar e que com a apreciação do recurso possivelmente será possibilitado a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Requer a expedição, in limine, de alvará de soltura. 

É o breve relatório. Decido. 

Como cediço, a concessão de liminar em sede de habeas corpus é medida excepcional, que exige a constatação inequívoca de manifesta ilegalidade, vedada a análise acurada de provas, consoante assentado solidamente pela jurisprudência (STF HC 103142). 

A impetrante objetiva o reconhecimento do direito à paciente de apelar em liberdade. O art. 5º, LXI, da CF/88, dispõe sobre a prisão “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”. 

Por sua vez, o parágrafo único do art. 387 do CPP, reforça a necessidade de fundamentação da prisão cautelar: 

Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta. 

Acerca do tema, leciona Eugênio Pacelli de Oliveira: 

E por ordem fundamentada não se pode entender, evidentemente, a motivação da pronúncia ou da sentença condenatória; essa se refere apenas às razões da condenação e da pronúncia, mas não à necessidade da prisão. É preciso, então, que a fundamentação seja expressa quanto à indispensabilidade da privação provisória da liberdade. (Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2009, 11ª Edição, p. 467). (g.n.) 

Nota-se que a prisão cautelar deve obrigatoriamente ser devidamente fundamentada, com expressa indicação de elementos concretos aptos a justificar a medida extrema de segregação do condenado, de modo a permitir o controle da sua legitimidade, sob pena de configuração de constrangimento ilegal por parte da autoridade judiciária. 

Na hipótese, o ato coator foi assim fundamentado (fls. 82-83):

V DEMAIS DELIBERAÇÔES Uma vez firmado o juízo condenatório e seus corolários, fica em destaque a periculosidade dos condenados, consubstanciada no modus operandi e especialmente no envolvimento de um adolescente com o tráfico de entorpecentes.

Sem dúvida, quem se dispõe a traficar, como consequência está a fomentar em grande parte uma série de outros crimes, tais como furtos, roubos etc., já demonstra conhecimento dos meandros do crime.
 
Nesse sentido, repetida e cediçamente, tem decidido o STJ:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O ATRÁFICO. 1. LIBERDADE PROVISÓRIA. SIGNIFICATIVA QUANTIDADE DE DROGA. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. RISCO PARA ORDEM PÚBLICA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ÊNCIA. 2. PRISÃO DOMICILIAR. DIABETE E HIPERTENSÃO. NECESSIDADE TRATAMENTO EXTERNO. AUSÊNCIA. ILEGALIDADE. NÃO RECONHECIMENTO. 1. A necessidade da custódia cautelar restou demonstrada, com base em dados concretos dos autos, conforme recomenda a jurisprudência desta Corte, estando o decreto prisional fundamentado na significativa quantidade de droga apreendida, que seria negociada por estrutura organizada, a evidenciar, portanto, risco para ordem pública. 2. As condições pessoais favoráveis, tais como primariedade, bons antecedentes e residência fixa não são suficientes para garantir ao paciente a revogação da prisão preventiva se há nos autos elementos que recomendam a manutenção da custódia cautelar. 3. A inserção daquele segregado provisoriamente em prisão domiciliar depende de comprovação da imprescindibilidade do tratamento externo, o que não deflui de quadro de diabete e hipertensão, males que podem ser, medicamentosamente, controlados no interior da unidade penitenciária. 4. Ordem denegada. (Habeas Corpus nº 120121/SC (2008/0247001-0), 6ª Turma do STJ, Rel. Maria Thereza de Assis Moura. j. 03.09.2009, unânime, Dje 21.09.2009).

Tudo isso está a recomendar a manutenção de suas custódias como forma de acautelar o meio social, seriamente ameaçado com a disseminação do vício, e a própria credibilidade da justiça.
 
Todavia, do excerto da sentença penal condenatória que negou a paciente o direito de apelar em liberdade não se verificam razões concretas e idôneas hábeis a manter a segregação cautelar, mas, data venia, meras conjecutras genéricas.
 
Com efeito, da própria sentença (fls. 08-20), colhe-se que a paciente foi condenada à pena-base no mínimo legal, aplicada a causa especial de diminuição de pena (art. 33, § 4º, da lei de drogas) em seu grau máximo 2/3 (dois terços), resultando em 01 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão e 195 dias-multa considerando a causa de aumento de pena relativo ao envolvimento de adolescente.
 
A paciente foi presa em flagrante em 15/03/2011, mantida presa pela sentença (fl. 20) foi-lhe negado o direito à substituição de sua pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ao fundamento de que as circunstâncias do caso não recomendavam.
 
Observa-se, entretanto, que a paciente foi beneficiada com a causa especial de redução da pena em seu grau máximo (tráfico privilegiado) e lhe foi negada a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito por tratar-se de tráfico de entorpecentes, com a observação de que mesmo que ainda que seja a primeira vez que é processada.
 
Nessa esteira, há clara contradição, pois com a Lei n° 12.403, em vigor desde julho passado, foram dadas novas alternativas à prisão para casos em que esta se mostre muito drástica e a negativa de liberdade provisória pela simples referência ao impedimento legal previsto na Lei de tóxicos não mais tem sentido quando existentes estas novas alternativas.
 
Ademais, importante registrar que o STJ, seguindo orientação do STF, entende possível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, sempre que preenchidos os requisitos legais tendo em conta as particularidades do caso concreto.
 
Assim, a conversão deve pautar-se nas particularidades do caso em analise e não só em razão da gravidade abstrata do crime do comércio ilícito de entorpecentes, como anotado na sentença. Neste sentido:
 
STJ - Drogas (normas para repressão). Conversão da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos. Conversão (possibilidade). 1. Não são de hoje nem de ontem, mas de anteontem os apelos no sentido de que se deve, por uma série de razões de todos amplamente conhecidas, incentivar sejam adotadas sanções outras para os denominados delinquentes sem periculosidade. 2. As penas devem visar à reeducação do condenado. A história da humanidade teve, tem e terá compromisso com a reeducação e com a reinserção social do condenado. Se fosse doutro modo, a pena estatal estaria fadada ao insucesso. 3. O agravamento das penas, bem como a adoção de regime mais rigoroso para o seu cumprimento, por si sós, não constituem fator de inibição da criminalidade. 4. Admite-se, em hipóteses tais, o emprego do art. 44 do Cód. Penal; em caso assemelhado, ver o HC-32.498, de 2004. 5. De mais a mais, se a progressão de regimes (cumprimento da pena) tem a ver com a garantia da individualização da pena, de igual modo, é óbvio, a substituição as penas privativas de direitos substituem as privativas de liberdade. 6. Ordem concedida, admitindo-se a conversão de uma noutra pena menos gravosa. (HC 118776/RS, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 18/03/2010, DJe 23/08/2010).  
Logo, conquanto em sede de habeas corpus não se discuta prova nem se avalie circunstâncias subjetivas, que impõem sempre um exame mais acurado dos autos, inexistente na estreita via do writ, não há se negar que a solução comporta uma análise diferenciada, sobretudo porque à paciente foi pela sentença reconhecido o redutor máximo.

De fato, conquanto a sentença tenha reconhecido expressamente que as circunstâncias subjetivas da paciente são favoráveis, prendeu-se apenas na gravidade abstrata do crime de tráfico para mantença da prisão, o que se mostra contraditório, sobretudo quando existentes outras alternativas.
 
Com efeito, é claro que a decisão de mantença da prisão carece de fundamentação idônea a amparar-lhe, pois não há indicativos da periculosidade pessoal ou outro indicativo de elementos concretos aptos a manter a segregação cautelar da paciente.
 
Aliás, não se observa possibilidade de que, em liberdade, possa a paciente colocar em risco a ordem pública, porque, como registrado na sentença (fl. 20), sequer registra antecedentes.
 
E, como já mencionado, a segregação não pode se pautar simplesmente na gravidade abstrata do crime praticado STJ - HC n. 135.594/SP, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 29/11/2010. As deletérias consequências do tráfico são inerentes ao tipo.
 
Isso posto, concedo a liminar, servindo esta decisão como alvará de soltura, se por outra razão a paciente não estiver presa.
 
Suficientemente instruído, remetam-se os autos à Procuradoria de Justiça para parecer.
 
Porto Velho, 03 de novembro de 2011.

Desembargador Miguel Monico Neto.
Relator