Caros,
estou indignado. Estou estupefato. Estou incrédulo. Estou... nem sei como dizer ou que palavra utilizar para descrever tamanha revolta com o Estado que é sim (os fatos comprovam a existência dele) o leviatã.
Em 02/06/2010, postei aqui 2 vídeos extremamente revoltantes que geram profundo mal-estar e diversos questionamentos: um sobre o espancamento de dois custodiados num estabelecimento prisional pelo chefe de segurança do local; e, outro mostrando a ação de PM's obrigando adolescentes a dançarem o "rebolation".
Hoje, recebi de uma contemporânea do Mestrado em Ciências Criminais da PUC/RS, a Jana, a sentença da Vara da Infância e Juventude de São José/Santa Catarina, a qual decretou a interdição da CER São Lucas no município de São José/Santa Catarina. E, casualmente, estou lendo uma monografia sobre adolescentes em conflito com a lei, pois participarei de uma banca de defesa amanhã à tarde.
A sentença da Juíza Ana Cristina Borba Alves é extensa mas vale a pena a leitura. Nela, estão retratadas inúmeras violações dos direitos dos adolescentes, inúmeras barbáries, atos selvagens, atos desumanos, os quais são simplesmente impensáveis (ou deveriam ser impensáveis pelo menos), bem como também, retrata a manipulação midiática em torno do "Cadeião de Menores" de São José.
Com a manutenção dessas relações de força/submissão (pois nem "poder é", pois carece de legitimação), questiono: de quê maneira o Estado quer preparar esses jovens para a vida adulta, depois de encerrado o período de internação? Ou melhor, de quê maneira o Estado prepara esses adolescentes para a vida adulta? Como queremos exigir obediência ao Direito desses adolescentes que, se não bastasse a violência da (falta de) vida, o próprio Estado os violenta? Como exigir que eles respeitem o Direito se os seus direitos individuais nunca foram respeitados? No caso, se nem os direitos individuais foram respeitados e nem os direitos sociais foram concretizados, minimamente, dentro de um estrutura estatal gestada por "animais" (se racionais não posso afirmar) que deveriam assegurar direitos e condições, qual o futuro para esses adolescentes? O ECA é apenas uma carta com alguns direitos e obrigações os quais não precisam ser respeitados? A Constituição Federal é mera carta carta de intenções? Onde está o PODER para se fazer cumprir o que é devido dos Poderes do nosso Estado Democrático de Direito?
Isso é um sistema autofágico, pois o próprio Estado cria as condições para a manutenção da criminalidade, utilizando-se de discursos sedutores para legitimar mais e mais violência, com atitudes e práticas desprendidas de um mínimo de "condição humana" com profundo desrespeito e maculção dos direitos daqueles que deveriam receber um tratamento especial por parte do leviatã.
E o pior, é que esse mar (não apenas onda) de violência não acaba aqui: preferimos ficar em silêncio do que fazer alguma coisa. Cremos na anormalidade como a normalidade da situação e isso é o maior absurdo e o reconhecimento da falência dos sistemas de controle social informal também. Aqui surge aquilo que a Professora Miriam Guindani (gaúcha e professora da UFRJ), chama de “exclusão moral”, como muito bem lembrado pela Juíza nessa sentença, ao citar que:
“A não-indignação frente às violações dos direitos humanos e sociais dos apenados brasileiros, pode ser, também, um indicador de um processo de exclusão moral. Observa-se que essa exclusão ocorre quando pessoas, que normalmente obedecem às leis e as respeitam, aceitam ações bárbaras contra indivíduos ou grupos. Nesse processo, certos grupos são colocados fora da comunidade moral e, como conseqüência, as relações com eles não mais envolvem princípios dejustiça. As racionalizações justificam os maus-tratos, humilhações, torturas, sem que haja qualquer autocrítica e o reconhecimento de que isto viola regras consensuais de justiça. Ao contrário, muitas vezes, esses procedimentos tornam-se desejos sutilmente disfarçados. Um dos sintomas da referida exclusão moral é a negação da responsabilidade pessoal: deslocando-se a responsabilidade para outros (decisões coletivas em que ninguém é responsável), negando-se as conseqüências desumanas do comportamento – "não houve massacre" -, culpando-se as vítimas ou, ainda, desumanizando as vítimas: "são subumanos, não têm sensibilidade, têm mais é que apanhar..."
Por isso, vamos lembrar que possuímos o “direito ao grito” como diria Clarice Lispector, e vamos GRITAR TCHÊ!!!
Para me resignar na minha incredulidade, encerro lembrando as palavras de Hannah Arendt, ao se referir as atrocidades do Holocausto, porque isso que aconteceu no CER São Lucas, É a "BANALIZAÇÃO DO MAL".
Como sou esperançoso por natureza, ainda espero alguma coisa alegre para esse domingo,
Prof. Matzenbacher