Tribunal de Justiça
Câmara Criminal
Data de distribuição :22/1/2007
Data de julgamento :13/12/2008
100.014.2006.002079-6 Apelação Criminal
Origem : 01420060020796 Vilhena/RO (1ª Vara Criminal)
Apelante : Ideli Souza Costa
Defensora Pública : Vera Lúcia Paixão
Apelado : Ministério Público do Estado de Rondônia
Relator : Desembargador Valter de Oliveira
Revisora : Desembargadora Zelite Andrade Carneiro
RELATÓRIO
Ideli Souza Costa, brasileira, amasiada, doméstica, filha de Nair Marta de Souza, natural de Rondonópolis/MT, nascido aos 23/6/1966, residente na rua Sergipe, 1686, Bairro Nova Tempo, St. 19, em Vilhena, foi denunciada como incursa nas penas do art. 20 da Lei n. 7.716/89, porque na manhã do dia 15/1/2005, praticou discriminação e preconceito de raça e cor contra Edmilson Souza Silva, chamando-o de "preto vagabundo, nego safado, macaco filho da puta", o que ocorreu na presença de várias testemunhas e em decorrência de litígio judicial que tem por objeto um terreno situado ao lado da casa da vítima e que era disputado por ambos.
Encerrada a instrução criminal, o juiz, por entender que a ré utilizou-se de expressões raciais com o propósito de ofender a dignidade e a honra da vítima, apoiado no art. 383 do CPP, deu nova capitulação jurídica ao fato, condenando-a a 1 ano e 6 meses de reclusão e ao pagamento de 30 dias-multa por infração ao art. 140, § 3º, do CP - injúria qualificada, sendo a reprimenda privativa de liberdade substituída por uma pena pecuniária, consistente no pagamento de dois salários mínimos.
Insatisfeita apelou sob o argumento de que o juiz incorreu em bis in idem ao considerar as desavenças antes havidas entre ambos, todas pelo mesmo motivo, como reincidência, capaz de justificar o aumento da pena.
Por fim, requer a absolvição, alegando ter proferido os impropérios contra a vítima no calor de uma discussão, o que descaracterizaria o crime. Alternativamente, porém, pleiteia a redução da pena.
Em contra-razões, o Ministério Público requereu a anulação do processo em face da desclassificação do crime, que tornou seu titular ilegítimo, bem como a intimação da vítima, concedendo-lhe prazo para propor a respectiva queixa-crime se assim o desejar. Com relação ao mérito, que seja negado o seu provimento.
A PGJ, em parecer da lavra do Procurador de Justiça Charles José Grabner, manifesta-se pelo não-provimento do recurso. Entretanto, diante da desclassificação operada, que tornou ilegítimo o autor da ação, opinou pelo reconhecimento da prescrição da punibilidade com fundamento no art. 107, IV, do CP, uma vez que já transcorreu o prazo para que a vítima proponha a respectiva queixa, resultando na decadência desse direito.
É o relatório.
VOTO
DESEMBARGADOR VALTER DE OLIVEIRA
Conheço do presente apelo por ser próprio e tempestivo.
Por uma questão de ordem, inicialmente analisarei a causa de nulidade apontada pelos representantes do Órgão Ministerial e Procuradoria de Justiça acerca da ilegitimidade ativa do Ministério Público para propor esta ação penal.
A ora apelante foi denunciada por infração ao art. 20 da Lei n. 7.716/89, e ao final da instrução o magistrado deu nova capitulação jurídica ao fato, condenando-a pela prática de injúria qualificada.
Diz o Tribunal de Justiça de São Paulo que:
“A utilização de palavras depreciativas referentes à raça, cor, religião ou origem, com o intuito de ofender a honra subjetiva da pessoa, caracteriza o crime previsto no § 3º do artigo 140 do CP, ou seja, injúria qualificada e não o crime previsto no artigo 20 da Lei 7.716/89, que trata dos crimes de preconceito de raça ou de cor. [RT 752/594]”.
Portanto, agiu corretamente o julgador, procedendo a desclassificação do crime, porque os fatos descritos na denúncia correspondem à injúria racial e não ao crime de racismo.
Ocorre, porém, que tal infração é daquelas que somente se processam mediante ação penal privada, e o Ministério Público foi o titular da ação, maculando-a de nulidade absoluta por ilegitimidade do autor.
A jurisprudência é assente no sentido de que o Órgão Público é parte ilegítima para propor ações dessa natureza, verbis:
DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO PROCESSO DESDE O INÍCIO. CRIME DE AÇÃO PENAL PRIVADA. ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO PENAL. INTELIGÊNCIA DO DISPOSTO NO ART. 564, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
Não há como se manter a condenação, mesmo diante da comprovação da ocorrência dos fatos pelo conjunto probatório, pois o crime de injúria qualificada somente se procede mediante ação penal privada, conforme inteligência do art. 145, caput, do Código Penal.
Logo, no caso concreto, operada a desclassificação delitiva, percebe-se que há de ser decretada a nulidade do processo ab initio por ilegitimidade ativa do Ministério Público, segundo preconiza o art. 564, inciso II, do Código de Processo Penal, já que caberia tão-somente à vítima a propositura da ação penal.
Assim sendo, deve ser anulada a ação desde o seu início por afronta ao art. 564, II, do CPP.
Diante de tal circunstância, resta verificar se a vítima ainda possui o direito de ingressar com a respectiva queixa-crime, o que seria possível na concepção do representante do Parquet de primeiro grau, e inviável na opinião do Procurador de Justiça.
Quanto a tal polêmica, também já se posicionou a jurisprudência e foi no sentido de que a propositura de ação equivocada não suspende o prazo decadencial, de sorte que, uma vez decorridos seis meses desde que teve notícia do fato e da autoria, ficando omissa a vítima, perdeu ela o direito de impetrar a medida cabível. É o que se extrai de recente posicionamento da Corte gaúcha:
“APELAÇÃO-CRIME. RACISMO. DESCLASSIFICAÇÃO. CRIME CONTRA A HONRA. INJÚRIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILDIADE. DECADÊNCIA.
Chamar o ofendido de "negro sujo, vagabundo e sem vergonha" não constitui crime de racismo, mas sim de delito contra a honra (injúria qualificada), que é de ação penal privada. O equivocado ajuizamento de ação penal pública pelo crime de racismo não interrompe o prazo decadencial art. 38 do CPP. Transcorrido mais de seis meses entre a data em que o ofendido tomou ciência do fato e o ajuizamento da queixa-crime, impositivo a declaração, de ofício, da extinção da punibilidade pela decadência. Decretaram a extinção da punibilidade, pela decadência. (Apelação Crime Nº 70009621897, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marlene Landvoigt, Julgado em 12/09/2007)”.
Ante o exposto, diante da desclassificação delitiva, perfilho o parecer Ministerial e decreto a nulidade do processo ab initio, por ilegitimidade ativa do autor, de acordo com o art. 564, II, do CPP.
Quanto ao prazo decadencial de seis meses para propositura da queixa-crime por parte da vítima, entendo que restou adimplido, uma vez que tinha conhecimento e sabia quem era a autora do fato delituoso desde a sua ocorrência, operando-se, assim, o fenômeno da decadência, segundo se denota do disposto no art. 38, caput, do Código de Processo Penal, motivo pelo qual torna-se imperativa a declaração da extinção da punibilidade pela decadência do direito de queixa, conforme preconiza o art. 107, inc. IV, do Código Penal.
É como voto.
28/02/2008 - CONTINUAÇÃO DO JULGAMENTO
VOTO-VISTA
DESEMBARGADOR CÁSSIO RODOLFO SBARZI GUEDES
Trata-se apelação criminal interposta por Ideli Souza Costa, inconformada com a r. sentença que a condenou pela prática do delito capitulado no art. 140, § 3º, do Código Penal sob o argumento de que o magistrado incorreu em bis in idem e que os impropérios contra a vítima, foram proferidos no calor de uma discussão.
O Relator anulou a ação penal desde o início por entender que o Ministério Público é parte ilegítima para propor a ação penal e em conseqüência, decretou extinta a punibilidade pela decadência nos termos do art. 107, inc. IV, do Código Penal.
Pedi vista para melhor análise dos autos.
Em casos anteriores e oriundos da mesma Comarca, manifestei-me pelo aproveitamento da ação penal por entender que em casos de extrema pobreza, o ofendido seria seriamente prejudicado, perdendo o prazo para propor a ação penal privada, inclusive, confirmando sentença condenatória, entretanto, acabei sendo vencido no pleno deste Tribunal.
Ocorre que o Ilustre Promotor da Comarca, narra na peça vestibular o crime previsto no art. 140, § 3º, do Código Penal (injúria) e denuncia no art. 20 da Lei n. 7.716/89 (crime de racismo), mesmo diante da declaração do ofendido de que já teria procurado um advogado para ingressar com a queixa-crime (Termos de Declaração de fl. 8), dando a entender que sabia o caminho correto, assim como o Delegado que presidiu o inquérito que indiciou a querelada por injúria.
Feito o necessário registro para que injustiças não tornem a ocorrer em casos semelhantes, acompanho integralmente o brilhante voto do Relator.
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA
Tribunal de Justiça
Câmara Criminal
Data de distribuição :22/1/2007
Data de julgamento :28/2/2008
100.014.2006.002079-6 Apelação Criminal
Origem: 01420060020796 Vilhena/RO (1ª Vara Criminal)
Apelante : Ideli Souza Costa
Defensora pública : Vera Lúcia Paixão
Apelado : Ministério Público do Estado de Rondônia
Relator : Desembargador Valter de Oliveira
Revisor : Desembargador José Antônio Robles
EMENTA
Apelação criminal. Racismo. Desclassificação. Injúria. Ação penal privada. Ilegitimidade do Ministério Público. Nulidade ab initio. Decadência. Extinção da punibilidade.
Havendo a desclassificação do crime de racismo, o Órgão Ministerial torna-se parte ilegítima para atuar na ação, devendo ser decretada a sua nulidade ab initio. Reconhecida tal causa extintiva do processo, nem mesmo a propositura de ação equivocada interrompe o prazo para proposição de queixa-crime, cuja inércia da vítima por mais de seis meses conduz à decadência de tal direito e à conseqüente extinção da punibilidade diante da causa prevista no inc. IV do art. 107 do Código Penal.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, em, POR UNANIMIDADE, EXTINGUIR A PUNIBILIDADE.
Os Desembargadores Zelite Andrade Carneiro e Cássio Rodolfo Sbarzi Guedes acompanharam o voto do Relator.
Porto Velho, 28 de fevereiro de 2008.
DESEMBARGADOR VALTER DE OLIVEIRA
RELATOR