Caros,
a decisão é da 5a. Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Cumpre ressaltar que o entendimento sobre a matéria abaixo é pacífico na Câmara.
Lembrem-se: A FORMA É GARANTIA...
NÃO SE TRATA DE APEGO AO FORMALISMO, MAS GARANTIA...
Boa leitura!
Prof. Matzenbacher
PORTE DE ARMA. PROVA DA MATERIALIDADE. PERÍCIA. QUALIFICAÇÃO TÉCNICA ESPECÍFICA. EXIGENCIA LEGAL. ABSOLVIÇÃO.
- À prova da materialidade, em delito de porte ilegal de arma, é necessária perícia.
- Ausentes peritos oficiais, a perícia deve ser celebrada por duas pessoas comprovadamente com curso superior, pena de nulidade.
- Além de portar o diploma de curso superior, é necessário que a qualificação do perito abranja a área de conhecimento específica exigida à realização da perícia, sob pena de nulidade absoluta.
- Não é razoável que professores de educação física realizem perícias de arrombamento ou que profissionais formados em história, letras, administração ou mesmo direito, atestem a potencialidade ofensiva de armas.
- Adotar tal postura é esvaziar de sentido a garantia pretendida pelo sistema.
À unanimidade, deram provimento ao apelo.
APELAÇÃO CRIME
QUINTA CÂMARA CRIMINAL
Nº 70013591466
COMARCA DE CARAZINHO
LUIZ CELIO DE MIRANDA
APELANTE E
MINISTÉRIO PÚBLICO
APELADO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao apelo para absolver Luiz Célio de Miranda, com base no art. 386, II, do Código de Processo Penal.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. LUÍS GONZAGA DA SILVA MOURA (PRESIDENTE) E DESA. GENACÉIA DA SILVA ALBERTON.
Porto Alegre, 08 de fevereiro de 2006.
DES. AMILTON BUENO DE CARVALHO,
Relator.
RELATÓRIO
DES. AMILTON BUENO DE CARVALHO (RELATOR)
Na Comarca de Carazinho, o Ministério Público denunciou LUIZ CÉLIO DE MIRANDA como incurso nas sanções do artigo 14 da Lei 10.826/03.
Narra a exordial acusatória a prática do seguinte fato:
“No dia 17 de outubro de 2004, por volta das 21h15min, na Rua Henrique Teodoro Schutz, n.º 178, bairro Esperança, nesta Cidade, nas proximidades da Olaria, o denunciado Luiz Célio de Miranda portava um revólver, marca Rossi, calibre 22, n.º 733943, infratambor, n.º 356 e 21 (vinte e um) cartuchos, calibre 22, marca CBC, de uso permitido, consoante auto de apreensão da fl. 09, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.
Na ocasião, a Brigada Militar efetuava patrulhamento de rotina no endereço apontado acima, oportunidade em que o denunciado foi abordado pelos policiais militares, sendo que, ao ser revistado, foi encontrada com ele a aludida arma de fogo, bem como a munição acima descrita, motivo pelo qual foi preso em flagrante.
Tanto a arma como a munição são eficazes para efetuarem disparos, consoante auto de constatação de funcionamento de arma de fogo (fl. 38).”
Após regular instrução – recebimento da denúncia (16/11/2004), citação, interrogatório (fls. 55/56), defesa prévia (fl. 57), coleta de prova oral (fls. 64/66), prazo para requisições de diligências e alegações finais –, sobreveio sentença (fls. 81/88) condenando o réu como incurso nas sanções do art. 14, “caput”, da Lei 10.826/03. A pena-base foi fixada em 01 ano de detenção e multa; presente a atenuante da confissão, a pena não foi reduzida por já estar no mínimo legal, restando a sanção definitiva em 01 ano de detenção, em regime aberto, mais pecuniária no valor de 10 dias-multa, à razão mínima. A carcerária foi substituída por restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária no valor de 01 salário mínimo.
O Ministério Público opôs embargos declaratórios, apontando contradição na sentença, os quais foram acolhidos pelo magistrado singular (fls. 92/93), retificando-a nos seguintes termos: a pena-base do acusado foi fixada em 02 anos de reclusão; presente a atenuante da confissão, a pena não foi reduzida por já se encontrar no mínimo legal, restando a sanção definitiva em 02 anos de reclusão, em regime aberto e multa mínima. Foi mantida a substituição da carcerária por uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária no valor de 01 salário mínimo.
Inconformada com a decisão do juízo a quo, a defesa apelou, requerendo a absolvição pela inexistência de prova hábil da materialidade delitiva. Sustentou que é nulo o auto de constatação da potencialidade lesiva da arma de fogo, pois não foi realizado de acordo com os ditames do Código de Processo Penal. Alegou que um dos peritos não-oficiais não tinha isenção nem imparcialidade para realizar a perícia, pois é policial civil. Aduziu que a Secretaria de Justiça e Segurança já possui um órgão específico para a realização de exames técnicos, que é o Instituto Geral de Perícias. Asseverou que os peritos não foram qualificados e, por isso, é impossível aferir se os mesmos possuem formação superior.
Contra-arrazoado o apelo, vieram os autos a esta Corte.
Nesta instância, a Procuradoria de Justiça, pelo Dr. Ivory Coelho Neto, opina pelo improvimento do apelo.
É o relatório.
VOTOS
DES. AMILTON BUENO DE CARVALHO (RELATOR)
Vinga o apelo. Assiste razão à nobre defensora Pública: é insuficiente a prova da materialidade do delito, ante a nulidade do exame pericial – com o que resta prejudicado o resultado condenatório.
É entendimento unânime da Câmara que auto de exame de corpo de delito deve ser realizado por dois peritos oficiais ou por duas pessoas idôneas portadoras de diploma de curso superior (art. 159, do Código de Processo Penal).
O Des. Luís Gonzaga da Silva Moura, na Apelação-crime nº 70000271098, julgada em 27-10-99, assim se definiu:
“...devendo ser ressaltada, à luz do artigo 159 do mesmo Diploma Processual, a exigência legal de que o auto de exame de corpo de delito ou que as perícias em geral sejam firmadas por dois peritos oficiais, ou, em não havendo peritos oficiais, de duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior e, preferencialmente, com habilitação técnica relacionada à natureza do exame (sublinhei).”
Avançando no debate e seguindo o posicionamento firmado pela nobre colega Des.ª Genacéia da Silva Alberton, estou a entender que além de portar o diploma de curso superior, é necessário que a qualificação abranja a área de conhecimento específica exigida à realização da perícia. Explico.
Não é razoável que professores de educação física, realizem perícias de arrombamento ou que profissionais formados em história, letras, administração ou mesmo direito, atestem a potencialidade ofensiva de armas, como, por vezes, tem ocorrido.
Vê-se, claramente, na determinação legal a pretensão de cautelaridade, na definição da qualificação dos indivíduos a realizarem os exames periciais: a norma fala em peritos oficiais ou, pessoas idôneas portadoras de diploma de curso superior, preferencialmente, que tenham habilitação técnica relacionada à natureza do exame.
Seguindo tal orientação, torna-se incongruente a nomeação de profissionais em áreas de conhecimento incompatíveis com o saber exigido ao exame – adotar esta postura é esvaziar de sentido a garantia pretendida pelo sistema.
Deste modo, a título exemplificativo, tenho que para perícias que envolvam a área do conhecimento específico da medicina os médicos devem ser chamados, para perícias relacionadas a arrombamentos ou outras danificações em edifícios ou casas, são aptos os engenheiros civis ou arquitetos. Quando se tratar de substâncias químicas, como pólvora, entorpecentes ou de qualquer outra natureza cabe aos engenheiros químicos, químicos ou farmacêuticos realizarem o exame, em casos de análise de documentos e finanças de empresas, administradores ou economistas devem ser convocados e, na mesma linha, armas e automóveis devem ser periciadas por engenheiros mecânicos, metalúrgicos ou de produção.
E isto, nada mais é do que garantir isonomia, na qualidade das perícias a serem realizadas no processo penal com o processo civil: a Lei 7.270/84, no art. 145, § 1º dispõe: “Os peritos serão escolhidos entre profissionais de nível universitário, devidamente inscritos no órgão de classe competente(...). E segue o § 2º do mesmo artigo: “Os peritos comprovarão sua especialidade na matéria sobre que deverão opinar, mediante certidão do órgão profissional em que estiverem inscritos“.
Neste aspecto, é preciosa a observação da Des.ª Genacéia da Silva Alberton:
“O Código de Processo Penal ficou a meio caminho, porque exige perito oficial, ou perito com curso superior sem que exija comprovação de que ele está inscrito no órgão profissional que o habilita para a perícia. Portanto, ter apenas curso superior não é suficiente. Um médico, em princípio, não tem qualificação técnica para o exame de verificação de funcionamento de uma arma de fogo embora possua curso superior.
Assim sendo e observando o disposto no art. 3º do CPP, vejo que a interpretação do art. 159 § 1º do CPP deve se harmonizar com o sistema processual como um todo, aproveitando-se para a sua leitura aquilo que já está sedimentado na processualística e que não fere garantia do acusado no âmbito penal. A perícia deve ser realizada por pessoa idônea, ou seja, eqüidistante do órgão instaurador do inquérito, não envolvido com este e que possua capacitação técnica na área onde deve exarar o parecer.”
Mais, em caso de inexistência de profissionais com habilitação técnica compatível com a natureza do exame ou de impossibilidade de que prestem o serviço, razoável, então, que o material a ser examinado seja encaminhado ao Instituto Geral de Perícias.
Como se vê da portaria de nomeação acostada à fl. 39, o Senhor Delegado de Polícia tomou o compromisso dos peritos, não informando nem ao menos se os mesmos possuíam curso superior!
Logo, não cumprida a formalidade legal – garantia do cidadão –, nula é a perícia, com o que não há prova da materialidade.
Diante do exposto, dá-se provimento ao apelo para absolver Luiz Célio de Miranda, com base no art. 386, II, do Código de Processo Penal.
DESA. GENACÉIA DA SILVA ALBERTON (REVISORA) - De acordo.
DES. LUÍS GONZAGA DA SILVA MOURA (PRESIDENTE) - De acordo.
Julgador(a) de 1º Grau: ORLANDO FACCINI NETO