Processual penal. posse ilegal de arma. materialidade. nulidade da perícia. potencialidade ofensiva não comprovada. Absolvição.
1. A prova da materialidade do delito de posse ilegal de arma depende da realização de perícia comprobatória do seu potencial lesivo – aquilo que difere a arma de qualquer outro objeto comum.
2. Policial não pode atuar como perito, pois sua função – dar sustentação à versão apurada na fase investigatória – afasta, de antemão, a isenção necessária à atuação como experto.
À unanimidade, deram provimento ao apelo.
Apelação Crime | Quinta Câmara Criminal |
Nº 70016415465 | Comarca de Cacequi |
MARCO AURéLIO FLORES DOS SANTOS | APELANTE E |
MINISTÉRIO PÚBLICO | APELADO. |
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao apelo defensivo para absolver o apelante com base no artigo 386, II, do Código de Processo Penal.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Aramis Nassif (Presidente) e Desa. Genacéia da Silva Alberton.
Porto Alegre, 11 de outubro de 2006.
DES. AMILTON BUENO DE CARVALHO,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Amilton Bueno de Carvalho (RELATOR)
Na Comarca de Cacequi, o Ministério Público denunciou MARCO AURÉLIO FLORES DOS SANTOS como incurso nas sanções do art. 12, da Lei nº 10.826/03, c/c o art. 61, I, do Código Penal.
Narra a exordial acusatória a prática do seguinte fato:
“No dia 05 de janeiro de 2005, por volta das 09h15min, em uma lavoura de melancias, localizada nas margens do Rio Ibicuí, neste Município, o denunciado detinha e possuía, em seu local de trabalho, uma espingarda, calibre 32, marca Rossi, com numeração ilegível, municiada com um cartucho (auto de apreensão à fl. 04 do inquérito policial), em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
A arma era potencialmente lesiva, conforme demonstra o auto de exame pericial de fl. 12 do inquérito policial.
O acusado é reincidente, conforme certidão de fl.”
Após regular instrução – recebimento da denúncia (08/09/2005), citação, interrogatório (fls. 34/35), defesa prévia (fl. 39), coleta de prova oral (fls. 44/46), requisições de diligências e alegações finais –, sobreveio sentença (fls. 63/67) condenando o réu como incurso nas sanções do art. 12, da Lei 10.826/03, c/c o art. 61, I, do Código Penal. A pena-base foi fixada em 01 ano e 04 meses de detenção; em razão da reincidência, a pena foi exasperada em 03 meses; presente a atenuante da confissão, a pena foi reduzida em 02 meses, restando definitiva em 01 ano e 05 meses de detenção, a ser cumprida em regime inicial aberto, mais pecuniária de 15 dias-multa, no valor unitário mínimo legal.
Inconformada com a decisão do juízo a quo, a defesa apelou, requerendo o provimento do apelo para absolver o réu, já que inexiste nos autos prova da potencialidade ofensiva da arma apreendida – a arma era municiada apenas com espoleta, no intuito de afastar animais das plantações do réu.
Contra-arrazoado o apelo, vieram os autos a esta Corte.
Nesta instância, a Procuradoria de Justiça, pelo Dr. Edgar Luiz de Magalhães Tweedie, opina pelo provimento do apelo para o fim de absolver o acusado, com o reconhecimento da atipicidade da sua conduta.
É o relatório.
VOTOS
Des. Amilton Bueno de Carvalho (RELATOR)
Com a respeitável vênia do ilustre colega Ricardo Falleiro Carpilovsky, estou a optar pelo resultado absolutório.
Explico.
O apelante foi condenado pelo crime de posse ilegal de arma.
A Câmara pacificou entendimento: à prova da materialidade, em crimes de posse ilegal de arma, necessária é perícia que demonstre a potencialidade ofensiva.
Também pacificou a seguinte diretiva: policiais civis não podem ser peritos – falta a isenção ao exercício da tarefa.
No caso concreto, a perícia celebrada à constatação da potencialidade ofensiva da arma é nula. Como se vê da portaria de nomeação acostada às fls. 15/16, pelo menos um dos peritos – Richard Soares dos Santos – é policial civil, tanto que atuou no inquérito (ver fls. 07 e 08), o que repele, de antemão, a isenção necessária para a atuação como experto.
Nesse sentido esta Câmara já decidiu:
“Direito Penal e Processual Penal. Porte ilegal de arma e receptação.
– À configuração do crime de porte ilegal de arma necessária é perícia comprobatória da potencialidade ofensiva.
– Policiais civis não podem ser peritos: sua atividade abala a isenção necessária à atuação.
– Porte ilegal e receptação do mesmo bem não podem conviver isoladamente: portar é receber, logo há absorção deste por aquele.
– A recepção dolosa exige prova séria da ciência da origem criminosa da coisa. Se a natureza da coisa faz presumir a má origem, dá-se receptação culposa.
– Deram parcial provimento ao apelo defensivo (unânime)”. (Apelação Crime n° 70008212847, 5ª Câmara Criminal, TJRS, Rel. Des. Amilton Bueno de Carvalho, j. em 28.04.2004).
Pois bem.
Sendo nula a perícia, falece também a prova da materialidade do delito de posse ilegal de arma, pelo que se afigura imperativa a absolvição do réu.
Diante do exposto, dá-se provimento ao apelo defensivo para absolver o apelante com base no artigo 386, II, do Código de Processo Penal.
Desa. Genacéia da Silva Alberton (REVISORA) - De acordo.
Des. Aramis Nassif (PRESIDENTE) - De acordo.
DES. ARAMIS NASSIF - Presidente - Apelação Crime nº 70016415465, Comarca de Cacequi: "À UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO AO APELO DEFENSIVO PARA ABSOLVER O APELANTE COM BASE NO ARTIGO 386, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL."
Julgador(a) de 1º Grau: RICARDO FALLEIRO CARPILOVSKY