PROCESSUAL PENAL. SENTENÇA. MOTIVAÇÃO. NULIDADE.
É nula a sentença que não enfrenta todas as teses defensivas levantadas. O momento sublime do ato sentencial é o da sua fundamentação, daí por que deixar de apreciar teses da defesa representa negativa de jurisdição.
Decretaram a nulidade da sentença. Unânime.
Apelação Crime | Quinta Câmara Criminal |
Nº 70024322182 | Comarca de Porto Alegre |
EDUARDO GRAF JARDIM | APELANTE; e |
MINISTéRIO PúBLICO | APELADO. |
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, prejudicado o apelo, em anular, de ofício, a sentença das fls. 101/102v, para que outra seja proferida em seu lugar, com o enfrentamento das teses invocadas pela defesa.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Luís Gonzaga da Silva Moura (Presidente) e Des.ª Genacéia da Silva Alberton.
Porto Alegre, 13 de agosto de 2008.
DES. AMILTON BUENO DE CARVALHO,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Amilton Bueno de Carvalho (RELATOR)
Na Comarca de Porto Alegre, o Ministério Público denunciou Eduardo Graf Jardim como incurso nas sanções do art. 168, § 1°, III, do Código Penal.
Narra a inicial acusatória a prática do seguinte fato:
“No dia 13 de setembro de 2001, na Rua Paulino Azurenha, 216 nesta cidade de Porto Alegre, o denunciado apropriou-se indevidamente, em razão da sua profissão, de um aparelho de FAX marca Panasonic, (não apreendido), pertencente a Reni Pereira.
Por ocasião do fato, o denunciado punha anúncio em jornal, oferecendo serviços de conserto de aparelhos de FAX. À vista de tal anúncio, a vítima, por telefone, solicitou à empresa do denunciado, denominada TELE COMUNICAÇÕES LTDA, que fizesse um orçamento do conserto do aparelho. O denunciado enviou um suposto funcionário (motoboy), que buscou o aparelho no escritório da vítima, deixando um comprovante de recebimento do objeto. Entretanto, apesar de procurado pela vítima por diversas vezes, o denunciado sempre apresentou evasivas, não restituindo o aparelho, nem esclarecendo o seu destino. Posteriormente, o denunciado desapareceu do endereço conhecido. Até a presente data, a vítima não foi ressarcida.”
Após regular instrução – recebimento da denúncia (27/09/2002), citação editalícia (fl. 41), suspensão do processo nos termos do art. 366 do CPP (fl. 42), interrogatório (fls. 47/49), defesa prévia (fl. 50), coleta de prova oral (fls. 65/68 e 76/79), prazo para requisições de diligências e alegações finais –, sobreveio sentença (fls. 101/102v) condenando o réu como incurso nas sanções do art. 168, § 1°, III, do Código Penal. A pena-base foi fixada em 1 ano e 6 meses de reclusão; pela majorante do artigo 168, § 1º, inciso III, do CP, o aumento foi de 1/3, restando a pena definitiva em 2 anos de reclusão, em regime inicial aberto, mais pecuniária de 10 dias-multa, à razão de 1/30 do salário-mínimo; foi concedido sursis, com período de prova de dois anos, mediante as condições de prestação de serviços à comunidade no primeiro ano e comparecimento trimestral à Vara de Execuções Penais, para dar conta de suas atividades, no segundo ano.
Inconformada com a decisão do juízo a quo, a defesa apelou, requerendo o provimento do recurso para absolver o réu. Sustenta não ser o crime punível a título culposo, e que, ademais, não há prova da vontade de não restituir a res ou de desviá-la da finalidade para a qual a recebeu. Alternativamente, requer seja a pena privativa de liberdade substituída por restritiva de direitos, por ser mais benéfica ao recorrente.
Contra-arrazoado o apelo, vieram os autos a esta Corte.
Nesta instância, a Procuradoria de Justiça, pelo Dr. Ivory Coelho Neto, opina pelo improvimento do apelo.
Finalmente, esclareço que o réu não tem ordem de prisão por este processo.
É o relatório.
VOTOS
Des. Amilton Bueno de Carvalho (RELATOR)
Com a vênia do colega singular, entendo que o ato decisório padece de vício nulificador.
Vê-se que, em tópicos destacados de suas alegações finais (fls. 91/98), a defesa invocou as teses de fragilidade probatória, atipicidade da conduta (pela incidência do princípio da insignificância), desclassificação para a hipótese básica da apropriação indébita (caput do art. 168 do CP) e isenção de custas.
Contudo, o decisório das fls. 101/102v abordou apenas o tema da suficiência de provas, assentando que a versão das vítimas e testemunhas se sobrepunha à do réu, isolada que estava. Mas nada foi dito sobre a tese de atipicidade material (bagatela), tampouco foi enfrentado o ambicionado afastamento da causa majorante. Nem mesmo a questão periférica das custas processuais foi objeto de análise.
Subentende-se, ante o resultado condenatório, que o magistrado singular, em sua íntima convicção, rechaçou as teses defensivas. Mas tal convicção deve ser externada em texto para que a defesa possa exercer o seu direito recursal na plenitude, atacando as razões concretas que levaram o magistrado a decidir como decidiu. Ou seja, a sentença deve ser explícita, clara e contundente ao condenar, o que decorre não só do comando constitucional da obrigatoriedade da fundamentação das decisões judiciais, mas também da garantia da ampla defesa e dos meios a ela inerentes. Em outras palavras, não se admite a condenação por entrelinhas.
Afora a expressa previsão constitucional (CF, art. 93, IX), a importância da motivação emerge do fato de que é através dela que o magistrado firma o seu compromisso com a democracia, distanciando-se do poder arbitrário, exercido ao mero acaso e conveniência dos ditadores. Daí por que todos têm o direito de saber como e por que se deu determinada decisão. Seguindo esta linha lógica, a Câmara tem sido exigente quanto à motivação, ao entender que até mesmo as teses aparentemente absurdas devem ser enfrentadas no ato decisório:
“Processo Penal. Sentença. Nulidade.
– É nula a sentença que não enfrenta todas as teses defensivas levantadas.
– O momento sublime do ato sentencial está na sua fundamentação – razão maior da existência do julgador – daí porque deixar de apreciar teses de defesa representa negação de jurisdição.
– Decretaram a nulidade da sentença (unânime)”
(Apelação Crime n° 70009009069, 5ª Câmara Criminal, TJRS, Rel. Des.
“Processo Penal. Sentença. Nulidade. Autodefesa.
– No ato sentencial devem ser apreciadas absolutamente todas as teses defensivas, por mais absurdas que pareçam – princípios da ampla defesa e da obrigatoriedade da fundamentação decisória.
– As teses levantadas em autodefesa, mesmo que não encampadas pela defesa técnica, também devem ser objeto de análise no ato sentencial, porque defesa o é.
– Decretaram a nulidade da sentença (por maioria)”
(Apelação Crime n° 70008576449, 5ª Câmara Criminal, TJRS, Rel. Des.
Assim, renovada vênia, declaro a nulidade do decisório, para que outro seja proferido em seu lugar, com o enfrentamento das teses invocadas pela defesa.
Pelo exposto, prejudicado o apelo, de ofício, anula-se a sentença das fls. 101/102v, para que outra seja proferida em seu lugar, com o enfrentamento das teses invocadas pela defesa.
Des.ª Genacéia da Silva Alberton (REVISORA) - De acordo.
Des. Luís Gonzaga da Silva Moura (PRESIDENTE) - De acordo.
DES. LUÍS GONZAGA DA SILVA MOURA - Presidente - Apelação Crime nº 70024322182, Comarca de Porto Alegre: "À UNANIMIDADE, PREJUDICADO O APELO, DE OFÍCIO, ANULARAM A SENTENÇA DAS FLS. 101/102V, PARA QUE OUTRA SEJA PROFERIDA
Julgador(a) de 1º Grau: KATIA ELENISE OLIVEIRA DA SILVA