quinta-feira, 2 de abril de 2009

"Emprego" e "bons antecedentes" não são suficientes para revogação de prisão preventiva

Caros alunos,
verifiquem essa decisão do Pretório Excelso e lembrem das duas possibilidades constitucionais da decretação e da manutenção das prisões cautelares (no entendimento garantista): aplicação da lei penal e garantia da instrução criminal. Logo, "ocupação lícita" e "bons antecedentes" não constituem causas suficientes para a revogação da prisão preventiva. 
Entretanto, o que chama a atenção (alunos de Direito Processual Penal III) é a questão da "nulidade relativa"..."prejuízo"..."pas de nullité sans grief"... vamos ver até quando as nulidades serão relativizadas!
Boa leitura,

Prof. Matzenbacher


DECISÃO   Vistos. Habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pelos advogados Joab Ribeiro Costa, Miguel Viana Santos Neto e Fernanda Lage Martins da Costa, em favor de Breno Guedes Vitória, buscando a revogação da prisão preventiva do paciente. Apontam como autoridade coatora a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que denegou a ordem no HC nº 121.832/MG, Relatora a Ministra Jane Silva, impetrado naquela Corte Superior. Sustentam os impetrantes, em síntese, o constrangimento ilegal imposto ao paciente, tendo em vista a ausência de fundamentação idônea a respaldar a segregação cautelar. Aduzem, para tanto, ser flagrante “o vício quanto à imposição da medida constritiva, pois, preso cautelarmente o Paciente, desde 26.10.2007, sob o argumento de garantia da instrução criminal por ameaça de testemunhas e vítima, não há nos autos qualquer elemento concreto de que, efetivamente, tenha o mesmo ameaçado, direta ou indiretamente, as referidas pessoas” (fl. 13). No mais, afirmam ser o paciente “primário, sem antecedentes criminais, possui atividade laboral lícita, pai de duas filhas...” (fl. 18). Requer, ao final, em caráter liminar, a revogação da prisão preventiva do paciente e, no mérito, a sua confirmação (fls. 19/20). Decido. Narram os impetrantes, na inicial, que:   “(...) 03. O Paciente foi denunciado, aos 14 de novembro de 2007, pela suposta prática dos delitos previstos no art. 121, § 2º, inciso I e IV, c/c art. 29, ambos do CP, por duas vezes, e art. 121, § 2º, incisos I e II, c/c arts. 14, inciso II, e 29, todos do CP, eis que, supostamente, teria participado sob a condição de autor intelectual ou prestado auxílio financeiro, na ação criminosa que ceifou vida de Adelina Santana Guedes, Maria Luzia Ramalho Guedes e Maria Joaquina Ramalho Guedes, estas avó e tias do Paciente, respectivamente. 04. Os homicídios em tela ocorreram na Fazenda Monte Alto, no Córrego Água Preta, de propriedade do avô do paciente, Lúcio Ramalho Guedes, aos 29 de março de 2006 (Data em que o Paciente ainda se encontrava residindo em Daytona Beach – Estados Unidos da América), aproximadamente às 05h30min, poucos dias depois (oito dias) de ter sido também vitimado no local seu irmão Bruno Guedes Vitória após disparos de arma de fogo efetuado por Cleonaldo Pinto de Almeida, tio da vítima, cônjuge de Maria Joaquina, única sobrevivente da então chacina em comento, merecendo ressaltar que por telefone (pois, à época dos fatos se encontrava residindo em Daytona Beach – Estados Unidos da América) 05. Na realidade, Bruno Guedes Vitória, irmão do Paciente, teria inicialmente ido à fazenda de propriedade do avô, na companhia do primo Marcelo Rossi Maciel, para recolher e vender algumas cabeças de gado, a pedido do mesmo, vez que o avô vinha tendo constantes desentendimentos com o genro, Cleonaldo, em virtude da administração e posse inopinada de suas terras e bens. 06. Exatamente 08 (oito) dias após a tentativa de homicídio contra Bruno, restando este ainda enfermo à residência de sua mãe, na Rua Teófilo Otoni, nº 186, Bairro Várzea, Itambacuri/MG, recebera a família a fatídica notícia da chacina na fazenda, praticada por duas pessoas encapuzadas, que renderam os empregados no curral da fazenda, amarrando-os e descarregaram as armas de fogo contra todas as pessoas que se encontravam na sede – Maria Joaquina, Adelina e Maria Luzia. 07. Instaurado o competente inquérito policial, após praticamente 01(um) ano de investigações, apurou-se que teriam participado dos homicídios como executores Marcelo Rossi Maciel e uma segunda pessoa não identificada, e, supostamente, como mandantes dos delitos, Bruno Guedes, sua mãe Vera Lúcia Ramalho Guedes e seu padrasto, Adair Dias de Araújo, todos então denunciados pela prática de homicídio duplamente qualificado (por duas vezes), e na forma tentada, aos 19 de março de 2007. 08. Recebida a denúncia e instaurada a ação penal nº 0327.06.019932-7, após audiência de instrução e julgamento realizada no dia 17.10.2007, o juízo Monocrático, por termo em ata, decretou a prisão preventiva de todos os acusados, a fim de garantir a instrução criminal. 09. No dia 25.10.2007, mediante súplica e representação da assistência de acusação e Órgão Ministerial, o nobre Juiz da Vara Criminal, Infância e Adolescência, e Precatórios Criminais da Comarca de Itambacuri/MG decretou também a prisão preventiva do Paciente e de seu avô, Lúcio Ramalho (já falecido), por conveniência da instrução criminal, tendo sido a coerção cumprida aos 26.10.2007. 10. Aditada a vestibular acusatória, no dia 14.11.2008, fora então recebida aos 19.11.2007, determinando o Juízo a quo o desmembramento do feito ante o encerramento da instrução processual da ação penal originária, gerando-se o feito em questão nº 0327.07.031.212-6. 11. Interrogatório do Paciente realizado no dia 03.12.2007, fls. 76/78 – TJMG; defesa prévia apresentada, e audiência de instrução e julgamento realizada no dia 19.12.2007 (fls. 79/83 – TJMG), com a oitiva das testemunhas de acusação; oitiva da vítima via Carta precatória, e dispensa da oitiva das testemunhas de defesa. Apresentação de alegações finais do MP e da defesa. 12. Paralelamente, à ação penal nº 0327.06.019932-7, foram os acusados Vera Lúcia e Adair postos em liberdade, e posteriormente impronunciados, tendo também, através da continuidade das investigações policiais, sido identificados os dois reais executores da chacina, João Antônio da Cruz e Lucas Saturnino Cardoso, vulgo ‘Pino’. 13. Sentença de Pronúncia prolatada aos 11.02.2008, pronunciando o Paciente e negando-lhe o direito de recorrer em liberdade. 14. Libelo Crime Acusatório e contrariedade apresentados; tendo sido requerido pelo Juízo Monocrático e desaforamento do júri requerimento este deferido pelo Eg. TJMG (autos nº 1.0000.08.474208-9/000). Aos 02.09.2008, remetendo-se o feito em questão à comarca de Governador Valadares/MG, no dia 24.09.2008. 15. Distribuídos os autos à 03ª Vara Criminal de Gov. Valadares/MG (processo nº 0105.08.271426-9), fora apresentada petição requerendo o reconhecimento de nulidade absoluta processual, tendo sido esta sanada, ex officio, com a determinação de intimação pessoal do réu da sentença de pronúncia, bem como a republicação desta no Diário Oficial do Estado de Minas Gerais, ante a ausência do cadastramento dos advogados da assistência da acusação. 16. Com a reabertura do prazo recursal, o Paciente interpôs, aos 26.09.2008, o competente Recurso Criminal em Sentido, restando o mesmo no aguardo de designação de data para julgamento no Eg. TJMG (RSE nº 1.0105.08.271426-9/001). 17. Diante dos fatos e andamento processual narrado, fora impetrada ordem de habeas corpus originária em favor do Paciente, aos 28.08.2008, a fim de se reconhecer a coação ilegal perpetrada pela nulidade do processo, bem como pela insubsistência da prisão provisória, HC nº 1.0000.08.481355-9/000 – TJMG, tendo sido contudo, negada aos 21 de outubro de 2008. 18. Substitutivamente ao Recurso Ordinário Constitucional, novo writ fora impetrado perante o Eg. STJ, (HC nº 121.832/MG), no entanto, também fora denegado, aos 06.02.2009” (fls. 3 a 6).   Transcrevo o teor daquela decisão:   “PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – TRÊS HOMICÍDIOS DUPLAMENTE QUALIFICADOS, UM DELES TENTADO – NULIDADE DO PROCESSO – DECISÃO DE PRONÚNCIA TRANSITADA EM JULGADO – POSTERIOR DESAFORAMENTO – DESCOBERTO, EM SEGUIDA, QUE O RÉU NÃO FOI INTIMADO PESSOALMENTE DA DECISÃO DE PRONÚNCIA – DECLARAÇÃO DA NULIDADE DO FEITO – REABERTURA DE PRAZO PARA A INTERPOSIÇÃO RECURSAL – TRÂNSITO EM JULGADO QUE NÃO MAIS SE APERFEIÇOA – NECESSIDADE DE ANULAÇÃO DOS ATOS DECISÓRIOS SUBSEQÜENTES, DENTRE OS QUAIS O DESAFORAMENTO – AUSÊNCIA DE ANULAÇÃO – INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZOS À DEFESA – DESAFORAMENTO CALCADO EM PRESSÕES FEITAS PELA DEFESA AO CONSELHO DE SENTENÇA (EM JULGAMENTO NÃO-REALIZADO) E NA POSSIBILIDADE DE INSEGURANÇA DA SESSÃO PLENÁRIA, POIS A AUTORIDADE POLICIAL ESTARIA ACOBERTANDO OS INTERESSES DA DEFESA – MOTIVOS QUE PERMANECEM ÍNTEGROS E, PORTANTO, APTOS A MOTIVAR NOVO DESAFORAMENTO, CASO O ANTERIOR FOSSE ANULADO – INUTILIDADE DA ANULAÇÃO – PRISÃO PREVENTIVA – CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL – AMEAÇAS DIRIGIDAS CONTRA AS TESTEMUNHAS E VÍTIMAS POR PARTE DO ACUSADO – TESE EMBASADA EM FATOS CONCRETOS – DEPOIMENTOS QUE EMBASAM ESSA TESE – IMPOSSIBILIDADE DE REVOGAÇÃO – ORDEM DENEGADA. Reconhecida a nulidade da decisão do processo por ausência de intimação pessoal do réu acerca da decisão de pronúncia, de rigor a anulação de todos os atos decisórios subseqüentes. Porém, a manutenção do acórdão que deferiu o pedido de desaforamento formulado pelo Magistrado não trouxe, in casu, quaisquer prejuízos à defesa, pois, ainda que ele tenha sido um ato decisório emitido depois da decisão de pronúncia, os motivos que o ensejaram (pressão exercida pela defesa em face dos Jurados sorteados e insegurança da sessão plenária na Comarca de origem, pois a autoridade policial estaria beneficiando o acusado) permaneceram íntegros, o que ensejaria novo desaforamento caso o anterior fosse anulado. Ausente prejuízo, inviável a declaração da nulidade do feito, em obediência ao princípio pas de nullité sans grief. Precedentes. Deve ser mantida a decisão que determinou a prisão preventiva do paciente fundada em fatores concretos dando conta de que ele estaria, em conjunto com co-réu, pressionando testemunhas e vítimas, inclusive, ameaçando-as de morte, resguardando-se, assim, a conveniência da instrução criminal. Precedentes. Presentes os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal no caso concreto, tão-só as supostas primariedade, bons antecedentes e ocupação lícita do agente não são aptas a garantir-lhe a revogação da medida extrema. Precedentes. Ordem denegada” (fl. 295 do apenso).     Essa é a razão pela qual se insurgem os impetrantes neste writ. A concessão de liminar em habeas corpus, como se sabe, é medida de caráter excepcional, cabível apenas quando a decisão impugnada estiver eivada de ilegalidade flagrante, demonstrada de plano. Pelo que se tem na decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, não se vislumbra, neste primeiro exame, nenhuma ilegalidade, abuso de poder ou teratologia que justifique o deferimento da liminar. Com efeito, o acórdão proferido por aquela Corte de Justiça encontra-se motivado a justificar a formação de seu convencimento. Ademais, em uma análise do ato decisório em questão (fls. 104 a 117 do apenso), efetivada em juízo de estrita delibação, tenho que existiria, na espécie, fundamento para justificar, ao menos em sede de cognição sumária, a privação processual da liberdade da ora paciente, porque revestido da necessária cautelaridade. Aliás, ressalte-se que a necessidade da segregação cautelar da paciente ficou bem demonstrada, também, pela Ministra Jane Silva, em seu voto, assim fundamentado, na parte que interessa:   “(...) Como se vê nos trechos da decisão impugnada, tanto o paciente como o outro representado (o qual acabou com sua punibilidade extinta em razão de sua morte) estariam ameaçando testemunhas. Esse fato teria sido mencionado por várias delas, não decorrendo, portanto, de mera ilação abstrata criada pelo Juízo singular. Consoante bem delineado na decisão impugnada, uma das testemunhas disse que se sentia ameaçada pelo ora paciente em função de ele seguir um empregado seu, além de sempre passar na porta de seu estabelecimento comercial e ficar encarando-a. Já outra testemunha teria dito que o paciente teria feito ligação telefônica para uma das vítimas ameaçando-a matá-la com uma faca, o mesmo tendo ocorrido quanto a outra vítima, já falecida. Portanto, entendo que havia nos autos prova apta a demonstrar que o receio sobre a atitude do acusado era plausível, pois demonstrada a existência das aventadas ameaças diante de fatores concretos. A discussão sobre a veracidade dos mencionados depoimentos, isto é, se referidas ameaças teriam realmente ocorrido ou não, não é comportada pela estreita via do habeas corpus, pois, para isso, seria necessário o revolvimento de provas. Ademais, como já visto, o próprio desaforamento foi justificado no fato de que a defesa teria exercido forte pressão nos Jurados sorteados para o primeiro julgamento (não-realizado), donde se infere que as ameaças retratadas na decisão combatida não podem ser tidas como mera ilação. Portanto, observados os estreitos limites do remédio constitucional em epígrafe, entendo que há motivação suficiente e idônea para a prisão preventiva ora combatida. ...........................................................................................................   Assim, demonstrada a presença dos requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal diante de fatores concretos do processo, impossível se torna a revogação da prisão preventiva unicamente com base nas supostas primariedade, bons antecedentes e ocupação lícita do paciente...” (fls. 292/293 do apenso).   Assim, parecem-me legítimos os fundamentos apresentados na pronúncia, que deverão ser tidos como idôneos e suficientes para justificar, neste primeiro momento, a manutenção da prisão da ora paciente. Anote-se, ainda, que a presença de condições subjetivas favoráveis ao paciente não obsta a segregação cautelar, desde que presentes nos autos elementos concretos a recomendar sua manutenção, como se verifica no caso presente. Nesse sentido: HC nº 90.330/PR, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 27/6/08; HC nº 93.901/RS, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJ de 27/6/08; HC nº 92.204/PR, Primeira Turma, de minha relatoria, DJ de 19/12/07. Com essas considerações, não tendo, por ora, como configurado constrangimento ilegal passível de ser afastado mediante o deferimento da liminar ora pretendida, indefiro-a. Estando os autos devidamente instruídos com as peças necessárias ao entendimento da questão, dispenso as informações da autoridade coatora. Vista ao Ministério Público Federal.

Publique-se.

Brasília, 18 de março de 2009.    

Ministro MENEZES DIREITO

Relator